No dia 20 de março de 2016, após mais de 80 anos de antagonismo, Barack Obama tornou-se o primeiro presidente norte-americano em exercício a pisar o solo cubano após a revolução de Castro. Sorridente, o presidente Obama desceu as escadas do avião com um guarda-chuva e acompanhado da sua mulher Michelle e das duas filhas, Malia, de 17 anos, e Sasha, 14 anos. A visita oficial durou três dias, e tinha como objetivo “enterrar o último vestígio da Guerra Fria”.
Apesar de comprometido com o esforço de reaproximação, Obama não escondeu que Cuba e EUA não falam a mesma língua. Num discurso em Havana, transmitido pela televisão nacional, o presidente dos EUA defendeu que os cubanos “devem ser livres de exprimir as suas opiniões sem medo, de criticar o seu governo e de se manifestarem de forma pacífica. (…) Penso que os eleitores devem poder escolher o seu governo em eleições livres e democráticas”, concluiu. Raúl Castro estava presente e só aplaudiu quando Obama pediu ao Congresso para autorizar o levantamento do embargo a Cuba e quando evocou Nelson Mandela.
Meses mais tarde, em setembro, Obama acabou por renovar embargo económico a Cuba por mais um ano. No entanto, fez também questão de emitir uma diretiva presidencial para tornar “irreversível” a abertura a Cuba e afrouxou as sanções. O levantamento total do embargo depende do Congresso norte-americano, controlado por republicanos.
Raúl e Obama protagonizaram a abertura de um novo capitulo da história cubana, um que Fidel não estará cá para ver. O histórico líder cubano, que governou a ilha com mão-de-ferro durante quase 50 anos e enfrentou 11 presidentes norte-americanos, morreu no dia 25 de novembro aos 90 anos, tendo sido sepultado junto ao mausoléu do herói da independência cubano, José Martí. Ainda sobre Fidel, vale a pena referir a visita de Marcelo Rebelo de Sousa a Cuba, que culminou no encontro entre o Presidente da República português é o líder cubano, um momento eternizado numa fotografia que ficará para a história.
A Venezuela vive em “estado de exceção e emergência económica” desde janeiro. A braços com uma grave crise económica e política - a oposição detém a maioria no Parlamento -, o país vive dias difíceis. Uma das exigências da oposição é a realização de um referendo sobre o mandato de Maduro, mas o Supremo Tribunal vetou a iniciativa. Enquanto isso, a previsão para a inflação este ano ronda os 500% e a estimativa para o próximo ano é de 1.660%, reflexo de um país ingovernável do ponto de vista económico, onde dois terços das pessoas não têm uma conta bancária e que enfrenta uma difícil reposição das notas de 100 bolívares, as mais utilizadas nas transações comerciais, apesar de valerem apenas alguns cêntimos de dólar. Atualmente, na Venezuela, um quilo de arroz custa 3.600 bolívares (5,45 euros), meio quilo de macarrão custa 3.800 bolívares (5,75 euros). A Presidência de Maduro, para além de muito contestada internamente, é também vista com maus olhos pelos parceiros regionais, que tentaram tirar a presidência do Mercosul à Venezuela. Em 2017 o país enfrentará mais um revés com o acordo alcançado pelos produtores de petróleo com vista à redução da produção para fomentar a subida do preço.
A 23 de junho os britânicos foram às urnas para decidir a permanência ou não do Reino Unido na União Europeia, num referendo convocado pelo então primeiro-ministro, David Cameron. Contra o que indicava a maioria das sondagens, o "Leave" (Sair) ganhou com 52% dos votos - maioritariamente na Inglaterra e no País de Gales -, contra os 48% do "Remain" (Ficar) - principalmente na Escócia e na Irlanda do Norte.
A Europa acordou em sobressalto no dia seguinte, o fantasma da desagregação estava presente. Cameron demitiu-se na sequência do resultado e foi substituído pela conservadora Theresa May (inicialmente uma defensora do "Remain"). May anunciou um calendário para o executivo britânico ativar o artigo 50 do Tratado de Lisboa (sobre a saída de um Estado-membro) até final de março de 2017, mas um Tribunal decidiu que teria de ser o parlamento a autorizar o governo a fazê-lo. Ou seja, os legisladores (deputados) teriam de votar se autorizam ou não o Governo de May a ativar o Brexit. Ao contrário do que previam analistas e economistas, a economia britânica está a crescer de forma sólida desde o referendo: o consumo das famílias cresceu mais do que o esperado, o mercado imobiliário aguentou-se e o desemprego caiu para os níveis mais baixos desde 2005. E este é, na verdade, o grande desafio de Theresa May para 2017: gerir o Brexit sem afundar a economia do Reino Unido.
No mês seguinte, em pleno verão, a 15 de julho, sem que ninguém estivesse à espera, um grupo de militares tenta tomar o poder na Turquia. Erdogan pede ao povo que resista e tome as ruas, o que acaba por acontecer. O golpe fracassa, o presidente vê reforçada a sua liderança, coloca o país sob estado de emergência e inicia uma purga à qual não escapam jornalistas, professores, funcionários públicos e militares. Milhares foram investigados, demitidos ou detidos. A amnistia internacional disse mesmo que existiam provas concretas de abusos e de uso de tortura na Turquia contra os detidos na sequência da tentativa de golpe. Erdogan pondera recuperar a pena de morte e o endurecimento dita um afastamento da União Europeia e uma reaproximação da Rússia. O Parlamento Europeu aprova o congelamento no processo da adesão da Turquia à União Europeia, Erdogan respondeu com a ameaça de deitar por terra o acordo alcançado entre a Europa e a Turquia para travar o fluxo de emigrantes que chegam a solo europeu. Está tudo em aberto nesta área para 2017.
Do outro lado do mundo, no Brasil, a 31 de agosto, Dilma Rousseff perde o mandato de Presidente do Brasil depois de uma votação no Senado (câmara alta parlamentar), em Brasília. Michel Temer é empossado no cargo, que ocupava já interinamente. O ano de 2016 testemunhou um jogo entre política e justiça, desde logo pelo longo processo de ‘impeachment', que afastou Dilma Rousseff por manobras orçamentais. Milhares saíram à rua a favor e contra Dilma. Em março, ainda no governo, Dilma Rousseff foi responsável por um dos momentos mais caricatos do ano, ao nomear o seu antecessor, Lula da Silva, para ministro da Casa Civil, um cargo que o ex-Presidente ocupou durante algumas horas intercaladas, entre várias decisões judiciárias contrárias entre si. A nomeação foi interpretada por alguns como uma forma de o antigo Presidente escapar ao juiz Sérgio Moro - responsável pela Operação Lava Jato, que investiga um mega esquema de corrupção na estatal Petrobras na primeira instância - dado que os ministros têm imunidade. O magistrado, muito aplaudido pelos brasileiros, tinha sido responsável pela detenção de Lula da Silva para inquérito semanas antes.
A operação Lava Jato, que investiga o maior esquema de corrupção da história brasileira, foi inclusivamente responsável pela queda de três ministros do Governo de Michel Temer, que assumiu funções na sequência do processo de ‘impeachment' de Dilma Rousseff. A operação tem gerado ainda mais receios, sobretudo desde que o responsável máximo da construtora Odebrecht aceitou, no início de dezembro, colaborar com a justiça. Segundo a imprensa local, executivos da empresa, que tinha um departamento de subornos, citaram mais de 200 nomes de políticos, entre os quais pessoas próximas de Temer.
Além da crise política, o Brasil esteve a braços este ano com uma grave crise de saúde, protagonizada pelo vírus zika. O Ministério da Saúde anunciou em dezembro que o país registou 1,94 milhões de casos de dengue, zika e chikungunya em 2016. O zika, que chamou a atenção da Organização Mundial da Saúde (OMS) depois de a doença ser associada aos casos de microcefalia em bebés recém-nascidos, tem diminuído, mas nos onze primeiros meses do ano pelo menos 10.608 casos foram confirmados em mulheres grávidas no Brasil. O zika, segundo a Organização Mundial de Saúde, deixou de ser uma “emergência de saúde pública” a nível mundial em novembro.
Ainda na América Latina, no início de outubro, a Colômbia rejeitou em referendo o acordo de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), alcançado em agosto. O acordo procurava pôr um fim a 52 anos de guerra no país. Contrariando a maioria das sondagens, o 'não' venceu, ainda que por uma escassa margem de cerca de 50 mil votos. Isso não impediu Juan Manuel Santos, presidente da Colômbia, de ser galardoado com o Prémio Nobel da Paz e retomar as negociações.
O novo acordo - que prevê, como o seu antecessor, o desarmamento das FARC e a sua transformação num movimento político - foi assinado a 24 de novembro e inclui 50 alterações destinadas a mitigar as críticas dos opositores a esta iniciativa, liderados pelo ainda poderoso ex-presidente Álvaro Uribe. Entre as novas medidas, inclui-se a proibição de magistrados estrangeiros julgarem os crimes atribuídos às FARC ou ao governo colombiano, ou um compromisso da guerrilha para a indemnização das suas vítimas. No entanto, as FARC não aceitaram a principal exigência da oposição, que pedia penas de prisão para os líderes rebeldes acusados de crimes e estritas limitações na sua futura participação na vida política. O Senado aprovou o documento no dia 30 de novembro.
A ausência de um amplo consenso no país sobre o acordo poderá tornar ainda mais difícil a sua aplicação, enquanto permanecem muitas questões sobre o destino dos cerca de 8.000 guerrilheiros ainda integrados nas FARC, e se avolumam os sinais de crise económica. Contudo, antes que a Colômbia conheça a paz completa também será preciso chegar a acordo com outra guerrilha, o Exército de Libertação Nacional (ELN), e Juan Manuel Santos disse que não podia comprometer-se em conseguir também esse adeus às armas antes de deixar a presidência em 2018.
Em Espanha, Rajoy foi este ano sinónimo de resiliência política. 2016 “foi o ano mais atípico de toda a história democrática espanhola, desde há quase 40 anos”, disse Carlos Barrera, professor de Comunicação Política da Universidade de Navarra, em declarações à agência Lusa. Duas eleições inconclusivas, uma a 20 de dezembro de 2015, outra a 26 de junho último, deram a vitória ao Partido Popular (PP) de Rajoy, mas retiraram-lhe a maioria absoluta, sem que as forças políticas conseguissem chegar a um acordo para formar um Governo estável. O PP apenas formou um Governo minoritário em finais de outubro, dez meses após as eleições de 20 de dezembro, e só depois de o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) ter decidido abster-se, num processo controverso em que o seu secretário-geral, Pedro Sánchez, se demitiu por não concordar com a solução.
Habituados a 35 anos de bipartidarismo, com o PP ou o PSOE a assegurarem a direção do Governo e a dividirem cerca de 75% dos votos nas várias eleições gerais, os espanhóis decidiram baixar essa percentagem para pouco mais de 50% e dar espaço a dois partidos formados recentemente. O Podemos (extrema-esquerda) e o Cidadãos (centro) concentraram os votos dos espanhóis cansados dos partidos tradicionais, da falta de oportunidade para os jovens e dos múltiplos casos de corrupção, principalmente nas fileiras do PP. No entanto, os bons resultados económicos, com a diminuição do desemprego, têm dado ao PP, segundo vários estudos de opinião, um aumento nas intenções de voto no partido.
Espanha devia ter cumprido em 2016, o objetivo negociado com Bruxelas de diminuir o seu défice orçamental para 3,0% do PIB em 2016, mas a incerteza política e a evolução medíocre da receita fiscal levaram o Governo a pedir mais dois anos para alcançar essa percentagem. No entanto, a economia espanhola registou dos melhores resultados na zona Euro em 2016. Segundo as últimas previsões da Comissão Europeia, a Espanha vai terminar 2016 com um crescimento de 3,2% do seu Produto Interno Bruto (PIB), quase o dobro da média dos países da Zona Euro (1,7%) e bem acima da Alemanha (1,9%), da França (1,3%), da Itália (0,7%) ou de Portugal (0,9%). Historicamente alta, a taxa de desemprego espanhola deverá alcançar os 19,7% no final do ano, depois de ter atingido os 26,1% em 2013, os 24,5% em 2014 e os 22,1% em 2015.
Em novembro, contra todas as expectativas, Donald Trump é eleito Presidente dos EUA, derrotando a democrata Hillary Clinton - que venceu, no entanto, o voto popular. Mas esta era a vitória que menos interessava, uma vez que o sistema eleitoral norte-americano se baseia num sistema indireto em que os povo elege vários grandes eleitores que são quem, realmente, escolhe o próximo presidente. Milhares protestaram nas ruas contra o resultado. Os media colocaram em causa a sua cobertura da campanha e estalou a polémica sobre as notícias falsas disseminadas nas redes sociais para promover ou denegrir candidatos. Oxford escolheu como palavra do ano a “pós-verdade”, relacionada com “circunstâncias em que os factos objetivos influenciam menos a opinião pública do que os apelos à emoção e às crenças pessoais”. Seguiram-se as nomeações presidenciais, não menos polémicas do que as propostas de um candidato que se comprometeu a deportar milhões de ilegais, a construir um muro na fronteira com o México e que não acredita nas alterações climáticas. Trump assume o cargo a 20 de janeiro, agora é esperar para ver.
Em dezembro, Itália foi às urnas para votar uma reforma constitucional, mas na base desse voto estava, nada mais, nada menos, que a continuidade de Matteo Renzi na liderança do Governo italiano. Renzi perdeu a arriscada aposta e foi substituído pelo ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de Itália, Paolo Gentiloni. O novo primeiro-ministro é tido como um homem moderado e leal a Renzi; mas para a oposição, mais dura nas palavras, diz que se trata de um "avatar" ou mesmo marioneta do seu antecessor.
Já na semana do Natal, para fechar o ano, o regime sírio retomou o controlo total de Alepo, garantindo a mais importante vitória face aos rebeldes desde o início da guerra, em 2011. O anúncio surgiu no final de uma operação de retirada de dezenas de milhares de civis e combatentes da cidade em escombros. Um batalhão da polícia militar russa (a Rússia apoia Assad), com 300 a 400 soldados, foi enviado para a cidade, de forma a garantir a segurança na cidade.
Alepo é uma das mais antigas cidades do mundo continuamente habitadas, com a sua origem remontando a 4.000 anos antes de Cristo (AC). Ao beneficiar uma importante indústria manufatureira, era a segunda cidade do império Otomano no século XIX. Designada pela UNESCO património mundial em 1986, a cidadela de Alepo é considerada uma jóia da arquitetura islâmica medieval. Antes da guerra, Alepo era a maior cidade da Síria e permanece uma encruzilhada de importantes vias rodoviárias, assumindo uma importância estratégica vital para os dois lados.
Em abril e maio de 2011 milhares de estudantes manifestaram-se na cidade, em protestos contra o Governo do Presidente sírio Bashar al-Assad, e que já tinham ocorridos noutras zonas do país em março. Os protestos foram reprimidos com violência, mas os combatentes rebeldes apoderaram-se de zonas nos arredores da cidade, que utilizaram como base para avançar sobre a cidade em julho de 2012. As forças governamentais promoveram um contra-ataque e mantiveram o controlo dos distritos ocidentais, dividindo a cidade. Seguiram-se ataques aéreos contra as zonas rebeldes.
A partir do passado dia 15 de novembro, um assalto apoiado pela força aérea russa permitiu a Damasco e forças aliadas um avanço progressivo, e a icónica Cidade Velha caiu em 7 de dezembro. Mais de 465 civis foram mortos no leste de Alepo durante o assalto militar e outros 142 foram vitimados por ‘rockets’ lançados pelos rebeldes sobre áreas governamentais, segundo um relatório divulgado em 15 de dezembro pelo Observatório Sírio de Direitos Humanos (OSDH), com sede em Londres. Pelo menos 34.000 pessoas foram retiradas dos distritos rebeldes de Alepo, indicou por sua vez o Comité Internacional da Cruz Vermelha.
Com a vitória em Alepo, Assad controla agora as cinco maiores cidades do país, permitindo-lhe surgir numa posição de força no caso de reatamento das conversações da paz patrocinadas pela ONU.
Em Angola 2017 pode ser sinónimo de renovação política. A reunião do comité central do MPLA, realizada a 2 de dezembro, em Luanda, indicou, segundo fontes do partido, o nome de João Lourenço, também vice-presidente do partido, para candidato a Presidente da República nas próximas eleições gerais. Contudo, o nome - e tão pouco a não recandidatura de José Eduardo dos Santos - não foi anunciado oficialmente até agora pelo partido. José Eduardo dos Santos, chefe de Estado e líder do partido desde 1979, anunciou em março que pretende abandonar a vida política em 2018.
Leia também:
Comentários