Num ritmo semanal - às vezes diário -, as reuniões têm acontecido ao longo do ano, mais desde julho, na Assembleia da República, conforme a agenda de debates e votações e também as questões orçamentais em causa, nas instalações do secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos, por baixo da sala do Senado, ou mesmo na sala do Governo, a escassos metros dos Passos Perdidos.
Longe da precisão de um relógio suíço e até pela originalidade da inédita situação política, os mecanismos de negociação entre partidos variam, mas todas as fontes partidárias contactadas pela Lusa frisaram que desejam “continuar o rumo encetado em novembro de 2015”, conforme as “posições conjuntas”, ressalvando o PS o “cumprimento das obrigações para com a União Europeia”.
O BE, por exemplo, desde a entrada em funções do 21.º Governo Constitucional participou em seis grupos de trabalho, juntamente com membros do executivo, do PS (João Galamba, Pedro Delgado Alves, Brilhante Dias, Tiago Barbosa Ribeiro, Sónia Fertuzinhos, Paulo Trigo Pereira) e personalidades independentes das respetivas áreas, principalmente académicos. “Plano Nacional Contra a Precariedade”, “Pensões Não Contributivas e Combate à Pobreza”, “Sustentabilidade da Dívida Externa”, “Custos Energéticos Para Famílias”, “Habitação, Crédito e Tributação Imobiliários” e, finalmente, “Política Fiscal” são os temas dos grupos de trabalho. Antigos dirigentes, deputados e atuais parlamentares como Francisco Louçã, Mariana Mortágua, Pedro Soares, José Soeiro, Mariana Aiveca, Jorge Costa Helena Pinto, José Gusmão são alguns dos representantes do BE naqueles grupos.
A partir deste mês, os grupos de trabalho chegarão às respetivas conclusões e algumas propostas podem ser incluídas no documento final, durante a discussão específica sobre o Orçamento do Estado para 2017 (OE2017), cuja entrega formal será em 15 de outubro.
Envolvidos diretamente no trabalho mais constante minucioso na Secretaria dos Assuntos Parlamentares ou mesmo na residência oficial do primeiro-ministro, António Costa, quando tal se justifica, têm estado os bloquistas Pedro Filipe Soares, líder parlamentar, Mariana Mortágua e Jorge Costa – e a coordenadora, Catarina Martins, quando o chefe do executivo está presente.
Com semelhanças, mas frisando sempre a bilateralidade das relações, o PCP também faz parte de cinco grupos de trabalho independentes com os socialistas, em reuniões “desde antes do verão” sobre “Dívida”, “Fiscalidade”, “Precariedade”, “Segurança Social” e “Habitação”. Os deputados Paula Santos, Paulo Sá, Rita Rato, Diana Ferreira ou dirigentes como Jorge Cordeiro, Jorge Pires, Vasco Cardoso, Agostinho Lopes, Paulo Raimundo, entre outros, participam.
Segundo uma das fontes parlamentares, “os contactos ao mais alto nível, entre líderes partidários, são raros” e as matérias orçamentais vão sendo tratadas, sobretudo, nestas estruturas da Assembleia da República. Algumas das matérias em discussão poderão até merecer iniciativas legislativas autónomas, sem ser através da sua inscrição no OE2017.
Aumento real das pensões, alterações aos impostos sobre os rendimentos do trabalho (IRS), apoios sociais, descongelamento de carreiras públicas, combate às rendas da energia e da saúde, aumento do salário mínimo, melhoria geral dos serviços públicos, nomeadamente na educação, têm sido os pontos de insistência por parte dos partidos que apoiam o PS no Governo, e investimento em geral.
“Os Verdes” (PEV), devido ao grupo parlamentar ecologista contar apenas com a líder, Heloísa Apolónia, e José Luís Ferreira, tem tido outros membros da direção executiva do partido como Manuela Cunha ou Afonso Luz nos encontros com Pedro Nuno Santos, membros do executivo e seus assessores. À semelhança de BE e PCP, o PEV também defende que o OE2017 deve manter a rota acordada na posição conjunta com o PS. Além da continuidade de devolução de direitos e rendimentos aos portugueses, os ecologistas querem, entre outras, “atenção especial” às “questões ambientais”, dos “transportes e sua sustentabilidade”, “revisão da fiscalidade”, sem esquecer a “redução de alunos por turma” e a já referida “valorização real das pensões”.
Além dos “parceiros” do PS, também o deputado único do Pessoas-Animais-Natureza (PAN), André Silva, que se absteve no OE2016, já se reuniu com o Governo sobre o OE2017, defendendo a abertura para a mobilidade elétrica nas frotas públicas e a inclusão de bebidas vegetais nas escolas.
Fiscalistas pedem "uma gestão inteligente dos impostos"
A discussão do Orçamento de Estado convoca inevitalmente um conjunto alargado de opiniões e influências. Os fiscalistas, enquato especialistas na matéria, são naturalmente vozes escutadas. A Lusa contactou, nesse sentido, um grupo de fiscalistas e a tónica comum é o apelo a "uma gestão inteligente dos impostos" e "estabilidade fiscal" no Orçamento do Estado para 2017 (OE2017), que o Executivo entregará na Assembleia da República até 15 de outubro.
A agência Lusa foi também recuperar as propostas na área fiscal que estavam no programa do Governo socialista e no Programa de Estabilidade 2016-2020 que ainda não foram adotadas e questionou estes mesmos fiscalistas sobre o que está em causa, num contexto em que Portugal se comprometeu com Bruxelas a reduzir o défice orçamental em 2017.
Para Carlos Lobo, da EY, é preciso "uma gestão inteligente dos impostos existentes", considerando que há "diversas formas de incrementar a receita" e que "é necessário ser criativo e inovador".
O fiscalista aponta, por exemplo, o regime dos residentes não habituais no IRS que, "sendo uma redução de impostos para não residentes, originou uma deslocação maciça de novos residentes para Portugal", tendo como consequência "mais receita".
Já Luís Leon, da Deloitte, considera que "o país precisa de estabilidade fiscal", que é um fator importante para existir confiança por parte dos investidores" e sublinha que "apenas um crescimento económico sustentável de longo prazo permite ao país cumprir os seus compromissos", o que passará necessariamente pelo mercado externo.
Uma das propostas avançadas pelo executivo de António Costa no Programa de Estabilidade passava pela "redução da fiscalidade sobre o trabalho, através da eliminação da sobretaxa do IRS e de alterações ao imposto que reforcem a sua progressividade", sendo que a sobretaxa foi reduzida em 2016 e ficou prometido que seria extinta em 2017.
Quanto ao reforço da progressividade do imposto, uma questão pela qual o PS sempre se bateu aquando da reforma do IRS realizada pelo governo de Passos Coelho em 2015, os fiscalistas entrevistados pela Lusa alertam que uma eventual alteração de escalões ou vai penalizar alguns contribuintes ou vai implicar menos receitas.
Carlos Lobo entende que "não existem milagres" e que "a redistribuição de encargos vai sempre gerar incremento de tributação de alguns sujeitos passivos", advertindo que, se assim não for, "então haverá perda de receita".
Para Luís Leon, o aspeto a ter em conta é "o intervalo de rendimentos existente entre cada escalão", recordando que, quando o IRS tinha oito escalões, "existia, no quarto escalão, um intervalo entre cerca de 18 e 40 mil euros de rendimento e, no sexto escalão, um intervalo entre 61 e 66 mil euros de rendimentos", o que significa que "os oitos escalões representavam uma progressividade muito desigual".
Luís Leon defende assim que, "mais importante que o número de escalões existentes, é a taxa de imposto aplicável em cada escalão", já que é este o fator que "determina o IRS suportado por cada contribuinte", sublinhando que, "do ponto de vista técnico, o número de escalões existente em Portugal é equilibrado" e que "já é tempo de em Portugal se perceber que a estabilidade fiscal é importante e que as regras não devem ser alteradas ano após ano".
Questionado sobre o impacto na receita fiscal de um reforço na progressividade do IRS, o fiscalista afirma que "dependerá muito das taxas aplicadas aos novos escalões a criar", caso estes sejam criados, mas diz que, "com a pressão sobre o défice português, não é de prever que o impacto possa ser significativo", considerando que "é pouco provável um desagravamento fiscal nos rendimentos que efetivamente mais contribuem para a receita".
O novo IMI
Outra medida que consta tanto do programa de Governo do PS como do Programa de Estabilidade é a introdução de "um mecanismo de progressividade na tributação direta do património imobiliário, tendo por referência o património imobiliário global detido", tendo o Jornal de Negócios noticiado que os imóveis de elevado valor deixarão de estar sujeitos à tributação em sede de Imposto do Selo e passarão a ser tributados, de forma progressiva, através do IMI.
"Não concordo, em tese, com progressividade no IMI", afirma Carlos Lobo, argumentando que "o que se poderá fazer é ponderar diferenciadamente as casas de morada de família, concedendo um benefício especial a imóveis de menor valor".
Para o consultor, é necessário que se faça "uma reforma completa que torne o imposto transparente e legítimo, equiparando-o quase a uma contribuição condominial, dependente do nível de serviço prestado pela autarquia".
Ricardo Reis, da Deloitte, diz que "é expectável" que a progressividade no IMI "venha a ser introduzida nesta legislatura" e explica que, "por definição, um mecanismo de progressividade tem um efeito redistributivo que favorece os titulares dos escalões mais baixos".
Contudo, o fiscalista considera que "não é possível afirmar com clareza quem sairá prejudicado ou beneficiado até que a medida seja cabalmente conhecida", mas admite que, tendo em conta que era objetivo do Governo que a medida tivesse por referência a globalidade do património imobiliário detido, se possa "inferir que, com maior probabilidade, sairá prejudicado quem for proprietário de mais do que um imóvel".
Quanto à possibilidade de substituir a tributação em sede de Imposto do Selo sobre os imóveis de habitação de valor igual ou superior a um milhão de euros por um mecanismo de progressividade no IMI, Ricardo Reis diz que isso "poderá representar um aumento da receita das autarquias, compensado por uma diminuição da receita do Estado central", mas considera que "não é neste momento possível prever as consequências desta medida para as finanças locais".
Relativamente aos impostos indiretos, o Programa de Estabilidade indica que, "no período 2016-2020 estes impostos seguirão as linhas estabelecidas no Orçamento do Estado para 2016", sendo que as alterações introduzidas este ano resultaram genericamente num aumento da receita destes tributos.
Afonso Arnaldo, da Deloitte, afirma que os impostos especiais de consumo (sobre o tabaco, as bebidas alcoólicas, a circulação automóvel e os produtos petrolíferos) "são tradicionalmente vistos como impostos onde se consegue uma receita adicional de forma rápida", tendo ainda a vantagem de "passar mais despercebidos ao consumidor, uma vez que estão incluídos no preço dos bens".
No entanto, o fiscalista antecipa que "não venha a verificar-se um grande incremento" nestes impostos em 2017, tendo em conta "a expressão reduzida que têm no total da receita fiscal" e o facto de terem "sofrido aumentos consideráveis nos últimos anos".
Centrais sindicais estão em consonância: querem aumento dos rendimentos
A CGTP e a UGT estão em consonância relativamente ao Orçamento do Estado (OE) para 2017, querem que o Governo prossiga o processo de reposição dos rendimentos aos portugueses, aumentando os salários e pensões e desagravando a carga fiscal.
A CGTP apresentou na quarta-feira a sua proposta reivindicativa para o próximo ano e conta encetar de imediato uma ronda de contactos com os partidos políticos e os grupos parlamentares para os sensibilizar para as suas propostas, de modo a que elas tenham enquadramento no próximo OE. Na sua proposta, a Intersindical reivindica aumentos salariais de 4%, que garantam um mínimo de 40 euros a cada trabalhador, o aumento do salário mínimo para os 600 euros e o aumento generalizado das pensões.
"Queremos sensibilizar os partidos e os grupos parlamentares, apresentar-lhes as nossas ideias e as nossas propostas para que tenham atenção especial à necessidade de aumentos gerais dos salários e das pensões e à aposta no emprego de qualidade e no combate à precariedade", disse à agência Lusa o secretário-geral da Inter, Arménio Carlos. O sindicalista referiu, a propósito, que "todas estas matérias vão ser discutidas na Assembleia da Republica quando o Governo apresentar a sua proposta de OE".
"Este é um momento muito importante para os portugueses, antes da apresentação do OE, e nós não queremos que haja uma reversão do processo em curso de reposição de rendimentos, queremos que ele se desenvolva e se consolide", disse. Arménio Carlos defendeu que "depois da reposição, é necessário dar o passo seguinte, que é a melhoria dos rendimentos"."Não podemos aceitar a estagnação, se não queremos o PSD e o CDS de novo no Governo, com maioria no parlamento, é preciso dar resposta aos problemas dos trabalhadores de forma sustentada", acrescentou.
Para a Inter, a proposta de OE para 2017 "deve centralizar a atenção nos trabalhadores e nas suas famílias".
O secretário-geral da UGT, Carlos Silva, comunga desta opinião pois considera que o Governo tem de conciliar os constrangimentos europeus relativos à execução orçamental com a melhoria dos rendimentos dos trabalhadores. "É fundamental que o Governo continue a apostar, como tem feito nos últimos meses, na devolução dos rendimentos aos portugueses", disse Carlos Silva, defendendo o aumento do salários e pensões, em particular do Salário Mínimo.
A UGT ainda não aprovou a sua política de rendimentos para o próximo ano, só o fará no final do mês, mas, segundo o seu secretário-geral, a central defenderá também o aumento do Indexante de Apoio Social, congelado desde 2008, e "o desagravamento da brutal carga fiscal".
Estas medidas são também reivindicadas pela CGTP, que espera que a proposta de OE inclua o alargamento dos escalões do IRS.
Arménio Carlos reconheceu que "já muita coisa foi feita" no sentido de melhorar as condições de vida dos portugueses, mas defendeu que "é preciso fazer muito mais, porque ainda há muita injustiça e pobreza no país".
Para Carlos silva o "OE para 2017 tem que ter uma forte componente social, tem de aumentar os salários e pensões e minimizar o agravamento fiscal".
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