Em causa está a proposta de lei do Orçamento do Estado para 2017 (OE2017), que introduz uma alteração à lei que regula o financiamento do serviço público de televisão, em que a Contribuição para o Audiovisual (CAV), depois de cobrada aos consumidores, passa a ser entregue pelas empresas de eletricidade à administração fiscal e não diretamente à RTP, como acontecia desde 2003.
Na carta aberta a António Costa, a que a agência Lusa teve acesso, a Comissão de Trabalhadores (CT) da RTP aponta que "a apropriação" da Contribuição para o Audiovisual pelas Finanças "reveste-se de extrema gravidade e coloca em causa a existência" da empresa e do serviço público que a mesma presta em Portugal.
"Na prática, o valor pago por cada português para o serviço público de rádio e televisão deixa de ser entregue à RTP pelas fornecedoras de eletricidade e passa a ser entregue ao ministério das Finanças", refere a CT, adiantando que esta proposta "quebra um dos poucos entendimentos suprapartidários da democracia portuguesa que ainda subsistem, nomeadamente o princípio da independência dos órgãos de comunicação social do Estado em relação ao Governo.
"Esta medida afigura-se-nos inexplicável para um Governo como o liderado" por António Costa, "que se orgulha de não fazer orçamentos inconstitucionais", prossegue a CT da RTP.
A CT recordou que "estabeleceu nas últimas semanas contactos formais com todos os grupos parlamentares, subsistindo entre nós a convicção, quiçá errada - e decerto nos esclarecerá se assim for - de que a medida tem um pretexto e um objetivo. O pretexto seria uma recomendação do Tribunal de Contas, que não diz na verdade o que o Governo afirma, dado que recomenda a 'contabilização' e não a 'apropriação' de verbas".
Criticou ainda "a inatividade do senhor ministro da Cultura, que tutela a RTP, confirmando assim a análise generalizada de que a existência do ministério da Cultura não passa de uma operação de marketing político para silenciar os operadores do setor em Lisboa, assente numa operação contabilística de sobreorçamentação para disfarçar o facto de que o mesmo tem na verdade menor dotação orçamental do que a secretaria de Estado dos governos anteriores".
"Estamos certos de que na discussão deste orçamento na especialidade, o seu Governo terá em atenção as propostas de modificação deste erro colossal que lhe serão apresentadas por quase todos os partidos com assento parlamentar, mas, se assim não for e sobretudo o que foi acima exposto imperar o absurdo, cabe-nos a nós lutar mais uma vez pela empresa", refere a CT, questionando o primeiro-ministro sobre que "interesse tem o Governo (...) em condicionar o serviço público de rádio e televisão de Portugal".
Esta carta surge um dia antes do ministro da Cultura ser ouvido no debate na especialidade do OE2017 e depois de o Bloco de Esquerda ter questionado o Tribunal de Contas sobre se a contabilização da CAV no perímetro das contas do Estado implica cobrança pelos organismos das Finanças.
No final de outubro, o Conselho Geral Independente (CGI) da RTP manifestou-se apreensivo quanto à alteração do modelo de cobrança da CAV, alertando para o risco de "governamentalização do serviço público de televisão".
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