As críticas da chilena Michelle Bachelet surgem um dia depois de Washington, através do Departamento do Tesouro norte-americano (equivalente ao Ministério das Finanças), ter anunciado novas sanções, desta vez visando a empresa estatal de mineração venezuelana Minerven, que opera no setor do ouro, e o respetivo presidente, Adrián Antonio Perdomo.

“A amplitude e a gravidade das crises nas áreas da alimentação, saúde e dos serviços básicos não foram plenamente reconhecidas pelas autoridades (venezuelanas), e como tal as medidas adotadas foram insuficientes”, afirmou Bachelet, numa intervenção no Conselho de Direitos Humanos da ONU.

A representante prosseguiu com as críticas e apontou palavras mais duras à estratégia norte-americana em relação à Venezuela.

“Embora esta crise social e económica devastadora tenha começado antes da imposição das primeiras sanções económicas em 2017, preocupa-me que as recentes sanções sobre as transferências financeiras relacionadas com a venda de petróleo venezuelano aos Estados Unidos possam contribuir para agravar a crise económica, com possíveis repercussões sobre os direitos fundamentais das pessoas e do seu bem-estar”, afirmou a antiga Presidente do Chile.

No início de março, Michelle Bachelet, que foi nomeada em agosto de 2018 como Alta Comissária, já tinha criticado as sanções internacionais contra a Venezuela, mas, na altura, não mencionou nenhum país.

Os Estados Unidos e cerca de 50 países da comunidade internacional, incluindo Portugal, reconheceram o opositor e presidente da Assembleia Nacional (parlamento), Juan Guaidó, como presidente interino da Venezuela, negando a legitimidade do governo liderado pelo Presidente Nicolás Maduro.

Na Venezuela, a confrontação entre as duas fações tem tido repercussões políticas, económicas e humanitárias.

Para aumentar a pressão sobre Maduro, Washington tem aplicado sanções económicas e decretou um embargo sobre o petróleo, uma exportação crucial para a economia venezuelana, que irá entrar em vigor a 28 de abril.

Na mesma intervenção, Bachelet apelou a uma “solução política” na Venezuela e fez um pedido direto ao governo de Maduro: garantir que a missão técnica do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos que se encontra atualmente naquele país tenha acesso total aos lugares e às pessoas, sem qualquer tipo de represálias, nomeadamente contra as pessoas contactadas.

“Uma equipa técnica encontra-se atualmente no país e considero que esta é uma primeira medida positiva”, referiu a responsável, sem adiantar pormenores sobre as pessoas que estão a ser contactadas pela missão.

A missão técnica está na Venezuela para avaliar uma possível visita de Bachelet, respondendo a um convite do governo de Maduro, mas o organismo quer garantir que terá acesso livre a elementos da oposição venezuelana e a dissidentes.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos irá publicar em junho um relatório sobre a situação na Venezuela.

Bachelet informou também que o organismo continua a investigar as denúncias de execuções extrajudiciais na Venezuela, com pelo menos 205 mortes atribuídas às forças especiais venezuelanas (FAES) em 2018 e outras 37 durante os protestos de janeiro último em Caracas, coincidindo com a autoproclamação de Juan Guaidó como Presidente interino.

“No contexto da última vaga de manifestações antigovernamentais (…) durante os dois primeiros meses deste ano, o Alto Comissariado documentou numerosas violações dos direitos humanos e abusos cometidos pelas forças de segurança e por grupos armados pró-governo”, referiu a representante, mencionando “um recurso excessivo de força, assassínios, detenções arbitrárias e uso de técnicas de tortura”.

A Alta Comissária manifestou ainda preocupação face “ao aumento das restrições da liberdade de expressão e de imprensa” na Venezuela.

O embaixador da Venezuela junto do Conselho de Direitos Humanos da ONU, Jorge Valero, declarou que o país reconhece o “direito de manifestação”, mas argumentou que os recentes protestos foram “atos de vandalismo e criminosos (…) promovidos por um setor violento da oposição financiada pelo exterior”.

Na Venezuela residem cerca de 300.000 portugueses ou lusodescendentes.

Os mais recentes dados das Nações Unidas estimam que o número atual de refugiados e migrantes da Venezuela em todo o mundo situa-se nos 3,4 milhões.

Só no ano passado, em média, cerca de 5.000 pessoas terão deixado diariamente a Venezuela para procurar proteção ou melhores condições de vida.