Com os chinelos destruídos, remendados com um pedaço de corda puída, o garimpeiro ilegal João Batista caminhou durante dias para escapar da Floresta Amazónica, fugindo do cerco iminente das forças de segurança.
Batista, um homem esquálido de 61 anos com rugas profundas na pele curtida, é um dos milhares de garimpeiros que deixam à pressas a Terra Indígena (TI) Yanomami, antes da chegada de efetivos da polícia e das Forças Armadas para retomar o controlo deste território remoto, ocupado por invasores acusados de provocar uma crise humanitária.
Líderes indígenas afirmam que garimpeiros ilegais contaminaram a água dos rios com mercúrio, destruíram a floresta tropical, violentaram e mataram moradores e provocaram uma crise alimentar que está a devastar a população da reserva, que abriga 30 mil indígenas Yanomami.
Batista, que passou os últimos sete meses a trabalhar num "garimpo" [uma zona de mineração] ilegal, não se vê como um criminoso, dizendo que a vida lhe deu poucas opções além desta.
"Olha, eu, já dessa idade, sem estudos, o que eu vou fazer pra ter o meu sustento?", questiona-se em declarações à AFP enquanto avança por uma estrada empoeirada nos arredores de Alto Alegre, em Roraima. Batista ainda tem cerca de 85 km pela frente até voltar para casa em Boa Vista, capital do estado.
Estrada acima, uma família a fugir de um acampamento de garimpeiros tentava conseguir uma boleia para a capital: uma jovem mãe de 23 anos, um pai de 15 e os três filhos pequenos do casal.
A família conta que contraiu malária na floresta e estão demasiado doentes para caminhar. "Os nossos filhos também estão doentes. Preciso de chegar a Boa Vista", diz o pai adolescente.
Algumas pessoas fazem a penosa travessia a pé. Outros fogem descendo o rio Uraricoera em barcos longos e estreitos que, superlotados, chegam a levar mais de 30 pessoas.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, disse na segunda-feira que o governo começou a mobilizar mais de 500 agentes da polícia e militares numa operação para expulsar os garimpeiros, juntamente com cozinheiros dos acampamentos, prostitutas e outras pessoas, atraídas a aventurar-se na floresta pela corrida ao ouro.
Dino afirmou que a expectativa do governo é de que pelo menos 80% das cerca de 15.000 pessoas que, segundo estimativas, invadiram a reserva Yanomami, deixem o território pelos seus próprios meios antes que as autoridades deem início às medidas "coercitivas", que segundo o ministro vão começar esta semana.
Uma das primeiras ações repressivas partiu do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) e das forças policiais esta semana, quando equipamento pesado usado no garimpo ilegal foi apreendido e destruído dentro da Terra Indígena. Um helicóptero, um avião e um trator foram sujeitos a explosões.
O território Yanomami, a maior reserva indígena do Brasil, foi um dos muitos a sofrer com a chegada em massa de garimpeiros ilegais durante o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), a quem ativistas acusam de encorajar estas invasões.
O cerco aumenta a tensão na região, onde toda um universo económico se desenvolveu em torno da indústria do ouro.
No mercado paralelo de Roraima, o ouro é vendido a 280 reais (aproximadamente 50 euros) a grama. A AFP encontrou garimpeiros a transportar até 30 gramas do metal.
Mas o dinheiro pode acabar rápido. Numa estação local de camiões, um piloto ilegal exibe um punhado de ouro — o seu pagamento por um voo recente. Ele se diz preocupado de que possa ter sido o último, já que precisa de parar de trabalhar por causa da zona de exclusão aérea.
Moradores locais temem o impacto da fuga em massa dos garimpeiros recém-desempregados.
A polícia militar de Roraima lançou o que denominou de "Operação Êxodo" para "intensificar" a sua presença e "prevenir transtornos".
As autoridades têm encorajado os garimpeiros a saírem voluntariamente — embora Dino tenha prometido processar "todos aqueles que cometeram crimes, como genocídio, crimes ambientais, financiamento do garimpo ilegal e lavagem de dinheiro".
Um garimpeiro de 58 anos, que se identificou apenas pelo apelido "Parmalat", diz ressentir-se por ser tratado como um criminoso, quando crimes como corrupção costumam ocorrer sem punição.
"Nós não temos valor", afirma. "Nós trabalhamos e somos tratados como bandidos. E os que são bandidos não são tratados como bandidos", conclui.
*Reportagem de Joshua Howat Berger e Alan Chaves
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