Na semana passada, o Governo angolano entregou uma carta ao embaixador de Portugal em Luanda e também aos embaixadores dos Estados-membros da CPLP, que, segundo o chefe da diplomacia portuguesa, transmitiu o entendimento de Angola sobre a aplicação dos acordos judiciários bilaterais e da CPLP no âmbito deste processo.

Questionada pela Lusa, a secretária-executiva da organização lusófona disse não ter tido conhecimento oficial do teor da carta, que foi entregue apenas aos Estados-membros.

“Espero que a maturidade política de Portugal e Angola lhes permita resolver essa questão com toda a serenidade, dentro do quadro das boas relações que existem entre os dois Estados e que em nenhum momento isto possa pôr em causa o relacionamento multilateral no quadro da CPLP”, sustentou Maria do Carmo Silveira, em entrevista à Lusa.

Instada a comentar se Angola ameaçou suspender a sua participação na comunidade lusófona, a responsável adiantou que “o secretariado não tem qualquer comunicação nesse sentido”.

“Espero que esse problema seja resolvido e que a CPLP possa ser um palco de concertação, de união, de amizade e solidariedade entre os nove Estados que a compõem”, referiu.

O ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, recordou, na semana passada, que Portugal e Angola têm em vigor um acordo bilateral de cooperação judiciária e são signatários de um acordo também de cooperação no setor da justiça no âmbito da CPLP.

"Portugal está muitíssimo empenhado em cumprir e desenvolver quer o acordo de cooperação bilateral com Angola em matéria de cooperação judiciária quer o acordo de cooperação multilateral entres os Estados-membros da CPLP", disse.

Questionado se isso significa que o processo que envolve Manuel Vicente, no âmbito da Operação Fizz, pode ser transferido para Angola, o governante português recordou que a decisão cabe às autoridades judiciais portuguesas e não ao Governo.

O ex-vice-Presidente de Angola é acusado de ter corrompido o ex-procurador português Orlando Figueira, no processo Operação Fizz, com o pagamento de 760 mil euros, para o arquivamento de dois inquéritos, um deles o caso Portmill.

O julgamento do caso começou em Lisboa, mas a justiça portuguesa não conseguiu notificar Manuel Vicente e separou o seu processo.

Em janeiro, o primeiro-ministro português, António Costa, caraterizou como "fraternas" e de "excelência" as relações político-económicas luso-angolanas, mas referiu que o processo judicial que envolve o ex-vice-presidente de Angola mantém congeladas as visitas de alto nível, falando no final de um encontro com o Presidente angolano, João Lourenço.

créditos: MÁRIO CRUZ/LUSA

Responsável da CPLP pede "mecanismo de concertação rápida" para acelerar posições em conflitos internos

A secretária-executiva da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) defendeu hoje a urgência de criar um "mecanismo de concertação rápida" para permitir posicionamentos céleres sobre conflitos internos dos Estados-membros, lamentando o "silêncio assustador" sobre a crise política na Guiné-Bissau.

"Não existe neste momento um mecanismo de concertação rápida que nos permita, em pouco tempo, ter um posicionamento da CPLP", disse hoje a secretária-executiva da comunidade lusófona, Maria do Carmo Silveira, em entrevista à Lusa.

O secretariado-executivo, adiantou, está a estudar a possibilidade de propor a criação deste mecanismo aos órgãos decisórios da CPLP.

Como organização intergovernamental, todas as posições da CPLP exigem "um contexto de concertação entre os Estados-membros", o que "é demorado".

"O secretariado-executivo só pode agir em função dos mandados que recebe. Não tendo um mandado dos órgãos políticos da organização, a secretária-executiva não pode ter qualquer intervenção em qualquer situação", lamentou.

O primeiro-ministro de São Tomé e Príncipe, Patrice Trovoada, advertiu esta sexta-feira, em declarações à Lusa, que os países lusófonos "não estão a fazer um bom uso" da CPLP devido às suas agendas internas e considerou que a organização pode "deixar de ter interesse nos próximos anos".

O governante são-tomense defendeu ainda que a comunidade podia "ser mais interventiva", nomeadamente em relação às questões ou conflitos internos dos Estados-membros.

Maria do Carmo Silveira, também são-tomense, admitiu sentir-se incomodada com o que disse ser o "silêncio assustador" da CPLP quanto à crise política na Guiné-Bissau, onde o Presidente, José Mário Vaz, nomeou um novo primeiro-ministro, Artur Silva, mas a indicação já foi rejeitada pelo Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), o mais votado nas últimas eleições legislativas.

"Confesso que enquanto secretária-executiva, não me sinto confortável com esta situação da CPLP face à Guiné-Bissau. A secretária-executiva é o rosto da CPLP aos olhos do cidadão comum e a não reação face a algumas situações, a mim incomoda-me bastante, mas são as regras da organização", comentou.

Maria do Carmo Silveira deu o exemplo da decisão recente da Comunidade Económica de Estados da Africa Ocidental (CEDEAO) de impor sanções a 19 personalidades guineenses, solicitando para tal o apoio da CPLP.

"Fizemos circular esta notificação e passou-se uma semana e não tenho posicionamento dos Estados-membros, sem o qual não me posso pronunciar. Não fica bem a uma organização como a CPLP ter um silêncio, sobretudo tão longo, sobre uma questão tão importante, em que houve a decisão da CEDEAO de sancionar, a União Africana já se reuniu e tem um posicionamento, as Nações Unidas também, e nós estamos com um silêncio assustador", sustentou.

A responsável recordou que, como organização intergovernamental, as posições da CPLP não são vinculativas para os membros, da mesma forma que a comunidade não dispõe de mecanismos para agir, ao contrário da CEDEAO, uma organização que tem instrumentos, como sanções, para impor o cumprimento das decisões.

A Guiné-Bissau vive uma crise política desde a demissão, pelo Presidente, José Mário Vaz, do Governo liderado por Domingos Simões Pereira (PAIGC), em agosto de 2015.

Por falta de consenso entre as várias forças políticas, a CEDEAO elaborou o Acordo de Conacri, assinado em outubro de 2016, que prevê a nomeação de um primeiro-ministro de consenso. A organização africana considera agora que o nome indicado pelo Presidente guineense não corresponde a esta decisão.

Aproximar-se dos cidadãos é "um dos grandes desafios da CPLP"

A secretária-executiva da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) considerou que “um dos grandes desafios” da organização é “aproximar-se dos cidadãos”, propondo a facilitação da mobilidade e a promoção da cooperação económica e empresarial.

“A CPLP é hoje uma organização muito distante dos seus cidadãos. Para a maioria dos cidadãos dos nossos Estados-membros é uma organização inexistente, abstrata”, sustentou, em entrevista à agência Lusa, Maria do Carmo Silveira, defendendo que “um dos grandes desafios é aproximar-se cada vez mais dos seus cidadãos para que eles possam sentir a comunidade”.

Para a secretária-executiva da comunidade, a aproximação passa pela facilitação da circulação no espaço lusófono, uma medida que “desenvolve esse sentimento de pertença”.

Reconhecendo tratar-se de uma matéria “complicada”, devido a “limitações a que estão sujeitos alguns Estados-membros”, Maria do Carmo Silveira considerou que a aplicação das medidas deve ser faseada.

A responsável assinalou que já se observaram progressos, como a isenção de visto para passaportes diplomáticos e passaportes especiais de serviço; mobilidade estudantil; acordos bilaterais para facilitar a circulação das pessoas e também facilidade da obtenção de vistos para turistas, doentes para tratamento médico e para homens de negócios.

No entanto, é preciso “ir além”, porque “não há um tratamento uniforme sobre esta questão”, disse, defendendo uma solução “no quadro multilateral”.

Portugal e Cabo Verde estão a preparar uma proposta para facilitar a circulação no espaço lusófono e a secretária-executiva adiantou que no próximo mês vai realizar-se um primeiro encontro técnico para discutir esta iniciativa.

“Atendendo à necessidade de uma abordagem faseada, a mobilidade para empresários deve ser o próximo passo”, advogou.

Por outro lado, a aproximação dos cidadãos também deve passar pela cooperação económica e empresarial, sublinhou.

“Todos os Estados-membros reconhecem a importância da promoção da cooperação económica e empresarial até para reforçar os laços de amizade e laços históricos, porque já toda a gente diz que a língua portuguesa não basta”, comentou.

Para Maria do Carmo Silveira, é necessário “um quadro económico e jurídico que facilite que o comércio e os investimentos possam fluir entre os países para criar emprego e promover o desenvolvimento”.

Questionada se o secretariado-executivo poderá levar essa proposta à próxima cimeira de chefes de Estado e de Governo da CPLP, prevista para julho próximo em Cabo Verde, Maria do Carmo Silveira disse que a iniciativa cabe aos países.

“Quando iniciei as minhas funções [em janeiro de 2017], ousei fazer uma proposta nesse sentido, de algumas medidas de política que me parecem extremamente importantes para que se crie um ambiente propício ao desenvolvimento do comércio e dos negócios no espaço da CPLP. Mas infelizmente apercebi-me que esta é uma matéria que decorre muito da vontade política dos Estados-membros. Temos de esperar que sejam os próprios Estados a tomarem a iniciativa nesta matéria”, descreveu, confessando “alguma frustração”.

“Estava à espera de poder dar um contributo mais efetivo a esta temática, mas acredito que haverá uma evolução”, disse.

Entre as medidas defendidas por Maria do Carmo Silveira estão a assinatura de um acordo multilateral de proteção mútua de investimentos; a celebração de acordos para evitar a dupla tributação, e a criação de uma rede de árbitros para dirimir conflitos, em língua portuguesa, já que atualmente os países lusófonos recorrem a arbitragem em inglês ou francês, o que obriga a custos acrescidos com traduções.

Propostas que, admitiu, não deverão ser ainda abordadas na próxima cimeira, já que “neste momento não há um tratamento que faça pensar que possa ser discutido” em julho.