Depois de mais de quatro horas e meia de alegações por parte do Ministério Público, Rosário Teixeira justificou o pedido de ida a julgamento para evitar a desconfiança dos cidadãos na igualdade de tratamento perante a Justiça, argumentando que os factos investigados "merecem ser levados a julgamento para um cabal esclarecimento".
"Como se aceita que um ex primeiro-ministro receba empréstimos de alguém que é administrador de uma empresa que trabalha e tem negócios para o Estado", questionou ainda o procurador.
Para o magistrado do MP, o que se viu ao longo deste processo "foram várias situações que merecem reparo para o senso comum das pessoas da rua" questionando: "como pode ser compreendido que haja um acionista e uma empresa que pague ao administrador da própria sociedade por fora".
Segundo Rosário Teixeira, "há explicações que justificam que se leve a julgamento os arguidos sob pena de haver uma rutura dos cidadãos na justiça".
O procurador terminou as suas longas alegações questionando ainda "como pode um primeiro-ministro aceitar empréstimos durante o período em que foi chefe do Governo".
No início das suas alegações, Rosário Teixeira disse que não ia falar dos indícios que suportam a acusação, deixando essa matéria para a fase de julgamento, facto que foi criticado, à saída do tribunal, pelo advogado de José Sócrates e pelo defensor de Joaquim Barroca, dono do grupo Lena.
Os magistrados do MP Rosário Teixeira e Vitor Pinto tentaram desmontar as várias questões suscitadas pelos arguidos nos respetivos requerimentos de Abertura de Instrução, algumas delas relacionadas com a qualificação jurídica de alguns crimes e métodos utilizados na investigação.
"Não iremos fazer uma defesa dos atos da acusação, entendemos que os indícios recolhidos falam por si. Não estamos aqui para discutir os indícios", afirmou no início da intervenção.
Um a um os procuradores relataram os atos suspeitos praticados por Ricardo Salgado (do BES) Henrique Granadeiro, Zeinal Bava, ambos PT, o advogado Gonçalo Ferreira (Vale de Lobo), Armando Vara (administrador da CGD) e a sua filha Bárbara, a ex-mulher de Sócrates Sofia Fava (compra do monte das Margaridas) e o empresário luso-angolano Helder Bataglia.
Quanto ao proprietário do grupo Lena, Joaquim Barroca, o procurador Rosário Teixeira apelidou-o de "ingénuo", pois fez o papel de "estúpido útil" no esquema ao abrir contas na Suíça em seu nome e movimentando as contas para outros sem fazer perguntas.
Contudo, disse, não invalida que o MP mantenha o crime de branqueamento de capitais.
Sobre Zeinal Bava, administrador da PT, o procurador ironizou: "foi o único que conseguiu ter rendimentos nos investimentos que tinha nos tempos de crise".
Para o MP, o banqueiro Ricardo Salgado pagou a Zeinal Bava e Henrique Granadeiro "pequenas fortunas porque pretendia salvaguardar a sua joia da coroa (PT)".
Os factos que foram investigados na Operação Marques tiveram lugar entre 2006 e 2015. A investigação terminou na acusação de 28 arguidos - 19 pessoas e nove empresas de um total de 188 crimes económico-financeiros.
O antigo primeiro-ministro, principal arguido do processo, está acusado de 31 crimes de corrupção, branqueamento de capitais, fraude fiscal.
O arguido que responde por mais crimes - 33 - é o empresário Carlos Santos Silva, amigo e alegado testa de ferro de José Sócrates.
A acusação sustenta que Sócrates recebeu cerca de 34 milhões de euros, entre 2006 e 2015, a troco de favorecimentos a interesses do ex-banqueiro Ricardo Salgado no Grupo Espírito Santo (GES) e na PT, bem como por garantir a concessão de financiamento da Caixa Geral de Depósitos ao empreendimento Vale do Lobo, no Algarve, e por favorecer negócios, nomeadamente fora do país, do Grupo Lena.
Além de José Sócrates são também arguidos acusados Ricardo Salgado, Carlos Santos Silva, Armando Vara, Henrique Granadeiro e Zeinal Bava da PT, Helder Bataglia, Joaquim Barroca (do Grupo Lena) e o primo do antigo primeiro-ministro José Paulo Pinto de Sousa.
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