As contas (e prazos) para as negociações à esquerda viabilizarem o Orçamento só terminam na próxima quarta-feira, mas o Presidente da República já deixou hoje o repto daquilo que se pode esperar no dia em questão: ou o Orçamento do Estado (OE) para 22 é aprovado ou dissolve o parlamento. Simples. Já o tinha ameaçado, já o tinha mencionado, mas agora fê-lo de maneira a que não restassem dúvidas sobre os seus intentos. Ainda que, vá, tenha assumido continuar "convicto" de que o Orçamento vai "passar". Precisamente pelo facto de que se não passar haverá consequências.
"Tenho dito dia após dia o mesmo e vou repetir hoje. Primeiro continuo a acreditar que o Orçamento vai passar. Não só porque é desejável, mas porque é aquilo que eu espero olhando para a alternativa. A alternativa é a dissolução. No momento em que o OE2022 não passasse passava-se imediatamente ao processo de preparação de dissolução", disse Marcelo Rebelo de Sousa aos jornalistas.
As declarações do Presidente chegam aos portugueses num domingo que contou com um final de tarde que adensou a atual "crise política". E, por adensar, entenda-se na medida em que o Bloco de Esquerda (BE) fez saber que mantém a intenção de votar "contra" quando o Orçamento for a votos.
Trata-se de uma decisão definitiva? Está o caos entornado? Já não há hipótese de salvar a relação? Depende a quem se pergunte. Parafraseando a líder do BE, não há "muito tempo, mas ainda há tempo" para reverter o sentido das coisas. Para isso basta só que o Governo encete negociações com BE, não "ignore" as suas propostas ou continue a "impor recusas onde a esquerda podia ter avanços".
"Se até à próxima quarta-feira o Governo entender negociar o Orçamento do Estado, o Bloco de Esquerda responderá com disponibilidade e clareza para as soluções que aumentam os salários, que protegem o SNS e que garantem justiça para quem trabalhou toda a vida. Se o Governo insistir em impor recusas onde a esquerda podia ter avanços, o Bloco de Esquerda responderá pela sua gente – pelo povo que trabalha e pelo SNS que nos orgulha – e votará contra o Orçamento do Estado para 2022", explicou a líder bloquista.
Ora, apesar de ainda "haver tempo", parece que a intervenção de Catarina Martins não deixou muitas dúvidas no seio do Governo — e quanto à sua vontade real de negociar. Tanto assim foi que o Governo respondeu uma hora depois à declaração bloquista com duas ministras e um Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (bastante envolvido nestas questões do OE) em conferência de imprensa para contra-atacar (as suas) razões para que não exista fumo branco entre executivo e BE. Até porque, na ótica do Governo, a decisão do BE parece ser "definitiva".
Numa comunicação feita na Presidência do Conselho de Ministros, em que participam também a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, e a ministra da Saúde, Marta Temido, Duarte Cordeiro arrancou a conferência de imprensa assinalando que o Governo "lamenta" o anúncio do voto contra do BE e que o executivo não se "revê" nas palavras de Catarina Martins. O secretário de Estado assinalou igualmente que ficou subentendido que se tratou de "uma posição definitiva", lamentando que o partido se tenha "fechado" em nove propostas.
Em resposta às críticas da líder do bloco ao OE, Duarte Cordeiro salientou que o OE tem o maior aumento do salário mínimo (40€), o maior aumento da função pública, um reforço de mais de 700 milhões de euros na saúde, além de um aumento de pensões e um desdobramento dos escalões de IRS. Por tudo isto, o Governo considera que foram, inequivocamente, efetuados avanços nas negociações. O problema está no facto de que o BE não vê esses "avanços" como sendo "avanços". E quer mais.
Assim, a história do Orçamento, por hoje, é esta. Mas amanhã de manhã haverá novos desenvolvimentos. Nem que seja porque Duarte Cordeiro, questionado este domingo se o Governo tem um plano B, caso PCP e PAN também anunciem na segunda-feira um voto contra (o que ditaria o ‘chumbo’ do documento já na generalidade), respondeu que "o Governo não trabalha sobre cenários”. Trabalhando ou não o Governo em vários cenários, a verdade é que o Presidente já avisou qual é o seu em caso de chumbo: orçamento não passa? Dissolve-se o parlamento.
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