O nome de Sean Penn tem surgido frequentemente associado a causas humanitárias internacionais e antiguerra ao longo dos anos. Nesse sentido, fundou em 2010 a organização sem fins lucrativos CORE, após os sismos no Haiti, narrados no documentário "Citizen Penn".

Com a crise provocada pela pandemia, Sean Penn não tardou a reagir e a envolver-se no combate à covid-19, com esta mesma organização. Mas nem tudo correu assim tão bem.

Segundo uma investigação da Bloomberg, a CORE pode ter ajudado a salvar vidas, mas falhou aos funcionários na proteção de abusos sexuais e também no que diz respeito à má gestão financeira.

Várias celebridades estiveram envolvidas nas angariações de fundos para a CORE. Há pouco mais de um ano, foi organizada uma festa na Soho Beach House, um clube privado em Miami Beach, para cerca de 200 amigos e conhecidos do ator-ativista que, embora seja a cara mais conhecida do projeto, já não é o seu CEO, mas sim Ann Lee. A título de exemplo, estiveram presentes Leonardo DiCaprio, a cantora brasileira Anitta — que participou na condição de parte do valor angariado ir para o Brasil — e Delphine Arnault, herdeira da maior fortuna do mundo. Ao todo, a festa angariou 1,6 milhões de dólares para a CORE.

Mas recuemos primeiro no tempo. De acordo com a investigação da Bloomberg, desde 2016 que é Ann Lee a tomar as rédeas da organização e, em 2019 — ano em que houve uma receita anual de 6 milhões de dólares —, os relatórios financeiros mostravam que tinha vindo a ser perdido dinheiro até aí. Nesse altura, trabalhavam 18 pessoas na CORE e não havia voluntários.

Entretanto, rebentou a pandemia da Covid-19 — e a organização sem fins lucrativos cresceu. Foram angariados cerca de 200 milhões de dólares e contratadas mais de 3 mil pessoas, o que significa mais empregados do que a Fundação Bill & Melinda Gates. Na pior fase da pandemia, a CORE ajudou a fazer milhões de testes e a administrar vacinas que salvaram vidas nos EUA, com particular destaque para Los Angeles. Dado o sucesso, as doações foram sempre aumentando e foram conseguidos subsídios federais.

Feitas as contas, a CORE reportou receitas de 76 milhões de dólares em 2020 e 122 milhões de dólares em 2021 , de acordo com os seus últimos formulários fiscais, valores muito diferentes dos 6 milhões de 2019.

Depois do sucesso, as polémicas

Com dinheiro a cair em cada vez maiores quantidades, daí vinha também uma maior responsabilidade para a CORE. Mas não foi o que aconteceu, é denunciado. Segundo 38 atuais e antigos funcionários (mantidos no anonimato) ouvidos pela Bloomberg, a organização não implementou o tipo de processos contabilísticos necessários para lidar com o dinheiro dos contribuintes e pagamentos aos funcionários.

Assim, é referido que a CORE utilizava o Excel como folha de pagamento dos funcionários, bem como o software de pequenas empresas para sua contabilidade. De acordo com o escritório de contabilidade Windes, que realizou uma auditoria da organização em 2020, esta prática resultou em dezenas de milhares de dólares em despesas não contabilizadas, centenas de milhares de despesas mal classificadas, outras tantas registadas no ano errado, bem como na falta de aprovações de folhas de pagamento. Além disso, são ainda reportados cálculos errados de férias acumuladas.

Outra das grandes denúncias por parte dos funcionários — que não se sabe quantos são, mas o número caiu para as centenas — é o facto de a organização ter omitido certas informações sobre como gasta o seu dinheiro nas declarações fiscais. E, atualmente, ainda gastará dinheiro em "despesas inapropriadas", como é o caso de jantares e dormidas em hotéis luxuosos, mas também em multas de trânsito.

Além da questão financeira, os funcionários denunciam ainda que a organização sem fins lucrativos ignorou as denúncias de assédio sexual durante o tempo de maior trabalho na pandemia.

Em causa está a denúncia de oito funcionários que estiveram em serviço no centro de testes do Dodger Stadium e que alegaram que elementos do Corpo de Bombeiros de Los Angeles assediavam sexualmente os colegas de trabalho da CORE — mas os diretores da organização ignoraram as denúncias .

Uma das denunciantes, Sarena Serrano, de 23 anos, disse que o chefe do Corpo de Bombeiros, Jaime Lesinski, que dirigia as operações no estádio, a maltratou e assediou sexualmente repetidas vezes durante meses. Outros funcionários atuais e antigos, bem como documentos partilhados com a Bloomberg, corroboram estas alegações.

Como a organização em rápido crescimento ainda não tinha um departamento de recursos humanos encarregado de lidar com as reclamações dos funcionários, Serrano decidiu entrar em contacto a CEO, Ann Lee, que desvalorizou a situação. Um mês depois, a jovem foi despedida — e processou a CORE por demissão sem justa causa, num processo que ainda está a decorrer.

A propósito deste episódio, vários funcionários contam que, em reunião de staff, Lee defendeu os responsáveis ​​pelo centro de testes, inclusive Lesinski, e argumentou que os funcionários do CORE deveriam agradecer a forma como cuidou deles, enfatizando o facto de oferecer comida e café aos trabalhadores.