O cidadão nascido na Europa antes da fundação e alargamento da CEE não foi educado para ser um cidadão europeu, mas sim um cidadão português, francês, alemão, ou etc.

A UE, em primeiro lugar, e a globalização num segundo momento, vieram trazer a consciência de uma cidadania europeia, que não é americana, nem chinesa, nem africana, nem outra. É a cidadania de um espaço relativamente pequeno, em que todos somos vizinhos. Pelo facto de muitas vezes os vizinhos terem sido mal avindos, nem por isso deixaram de estar próximos. Os europeus podem não viver na mesma rua, mas vivem no mesmo quarteirão, de uma pequena urbe planetária chamada Planeta Terra.

O denominador comum do cidadão europeu é civilizacional.

Algumas actuais elites políticas portuguesas e europeias não gostam de ouvir, mas gostem ou não a base da actual civilização europeia, do Atlântico aos Urais, do Mediterrâneo ao Pólo Norte, assenta nos alicerces greco-romanos, estes também influenciados pelas civilizações do médio oriente.

A civilização grega constituiu-se numa retaguarda mais intelectual, a civilização de Roma com características diferentes teve uma intervenção mais pró-activa, como hoje soe dizer-se, mais expansionista em termos territoriais e mais organizativa em termos de estrutura de gestão e governação, o que significa que toda a Europa do Sul ao Norte, do Atlântico aos Urais, foi aculturada pelas civilizações do sul, especificamente pelo Império Romano e o que dele sobreviveu.

Em termos de ocupação física de território, o Império Romano ocupou militarmente toda a metade sul da Europa (linha Reno-Danúbio). O Norte da Europa não sofreu ocupação física pelos exércitos do sul, mas progressivamente foi sendo “ocupado” pelas forças religiosas e culturais imanadas do sul.

O Norte da Europa ocidental, foi doutrinada pela Igreja de Roma (Império Romano do Ocidente), os povos da Rússia foram doutrinados pela Igreja Bizantina, (Império Romano do Oriente).

Certamente que houve “miscegenização” entre ocupantes e ocupados, culturas invasoras e invadidas, que naturalmente ajudaram a manter as diferenças entre os diversos povos europeus, mas criou-se um denominador comum, subjacente numa base religiosa comum que no ocidente perdurou até ao século XVI.

Podendo ser ou não relevante, os dois grandes acontecimentos, em termos culturais e civilizacionais, que ocorreram no mundo europeu nos séc. XIV e XV nenhum teve origem nos povos nórdicos. Foram eles:

1º - O Renascimento, que nasceu na Itália, mais precisamente na Toscânia (Florença) no início do século XIV,

2º - Os Descobrimentos, que nasceram em Portugal, no início do século XV.

Portanto até ao século XV a Europa do Sul mostrava ainda estar na vanguarda cultural, da inteligência e da ciência, apesar de muitos dos seus territórios serem manifestamente mais pobres que os dos países do norte, com os quais nos gostamos de comparar.

A Reforma Protestante no século XVI, embora sem o pretender, pois não apareceu como objectivo político-económico, contribuiu muito decisivamente para a divisão da Europa: a Europa do Norte, que continuou a crescer e enriquecer e a Europa do Sul, que estagnou e foi empobrecendo.

Este longo preâmbulo procurando condensar 15 séculos de história da Europa, procura em minha óptica ajudar a compreender a Europa de hoje e responder à pergunta inicial – o que faz de nós europeus?

Ser Europeu é acima de tudo um sentimento, seja de  vivência ou de proximidade.

Copio um extracto de um texto do açoriano de S. Miguel - Onésimo Teotónio de Almeida em “A Obsessão da Portugalidade”,(pág. 63, Ed. Quetzal): «me sentia micaelense quando fui para a Terceira, senti-me açoriano no Continente e, na Espanha senti-me português. Na América senti-me europeu e, na China sei que me senti ocidental».

Esta pergunta tem também outras respostas, sendo que todas podem estar correctas ou erradas, podendo equacionar

A) - O nascer na Europa.

B) – O viver na Europa

C) – O acreditar nos valores criativos e humanísticos da Europa

D) – O acreditar na sua civilização e vizinhança de 15 séculos.

A), B) –O simples nascer ou viver na Europa não é criador de sentimentos. Pode ser uma mera questão de oportunidade ou necessidade.

C), D) – A Europa, e o europeu médio, onde me incluo, vive hoje entre um passado ainda recente e um futuro que está a começar (o Brexit será um exemplo desta dicotomia).

Os adeptos do “futuro” estão fazendo todo o esforço para o mais rapidamente possível tentar apagar a memória colectiva dos povos europeus, esforçando-se por reescrever a história de modo a que, fazendo-os perder os seus valores antigos “retrógrados e reaccionários” aceitem sem questionar qualquer nova ideologia que lhes queiram impor – seja politica, social, ou moral.

Os conservadores, não necessariamente mais velhos em idade, recusam esta via evolutiva. Acreditam que se pode evoluir mantendo valores e “pergaminhos” do passado.

São aliás os valores e os “pergaminhos” do passado que mantidos no presente nos fazem sentir como cidadãos europeus.

Termino com uma analogia naturalmente muito superficial, quase brejeira, mas que pode ajudar a exemplificar algumas tensões hoje existentes na Europa Comunitária.

Hoje, eu comparo a Europa – UE a um condomínio em que cada País é uma habitação. Há T0, T1….T4, T5, portanto a permilagem de cada habitação é diferente.

Quem vive em condomínio sabe que há uma porta de acesso, há despesas e ganhos comuns, mas há também princípios e regras a cumprir, pelo que essas regras devem com rigor ser definidas em Assembleia de Condóminos, ajustadas no tempo e ao tempo e depois devem ser escrupulosamente cumpridas por todos os condóminos. Dentro de cada habitação deverá haver liberdade para cada um usufruir do seu espaço de acordo com os seus gostos e tradições, sem pôr em causa a estabilidade estrutural, orgânica e funcional do condomínio.

Os convidados ou servidores que cada habitação devem respeitar as regras previamente estabelecidas.

Deixar a porta do condomínio aberta ou não filtrar os convidados e/ou servidores pode ser uma fonte de instabilidade e insegurança do mesmo.