Domingos Abrantes, 83 anos, é o preso de Peniche ainda vivo que mais anos aí esteve encarcerado.
O membro do comité central do Partido Comunista Português (PCP) para aí foi transferido logo depois da célebre fuga do histórico líder do PCP Álvaro Cunhal, em 1960, ainda antes de ter sido condenado, e esteve numa cela individual “sem contactos com outros presos e sem livros”.
Depois de fugir da prisão de Caxias e voltar à clandestinidade, foi preso e voltou a Peniche para cumprir pena entre 1965 e 1973.
Durante esse período, casou-se, condição necessária para que a mulher o pudesse visitar. Num dos casamentos porventura mais curtos da história, perante testemunhas e o funcionário do Registo Civil, deu o nó matrimonial e voltou “sem direito a boda” para a cela isolada do pavilhão C, onde se encontravam os “resistentes do fascismo mais responsáveis”.
“A única fotografia que tenho de casamento é à porta da fortaleza com a noiva, convidados, padrinhos, amigos e sem o noivo”, lembra à Lusa, enquanto percorre os espaços da antiga cadeia.
Antes disso, tinham estado “quase cinco anos” sem se verem até ao dia em que foi chamado ao diretor da cadeia, não para ser castigado, como pensava, mas para receber a visita da companheira durante cinco minutos.
Sem ser revistado à saída do pavilhão para o parlatório, o presidiário levava no bolso “uns cinco ou seis ‘Avantes’”.
“Usei aqueles cinco minutos não para perguntar como ia a vida dela, mas para pensar como é que ia salvar a mercadoria”, recorda Abrantes que, mal terminou a visita, apressou o passo imbatível ao de um guarda “baixo e quadrado”, e, fora do olhar do carcereiro, abandonou os jornais no piso desativado do pavilhão.
A estratégia passou por vários presos convencerem os guardas de que o piso estava sujo e oferecerem-se para o lavar - “Os guardas nem queriam acreditar” - recuperando assim a propaganda.
José Pedro Soares, condenado a três anos e meio por “trazer muita gente para a luta” antifascista, cumpriu um ano em Peniche, cuja enfermaria era usada para “trocar informações” entre presos de diferentes pavilhões, que de outro modo não contactavam.
“Escrevíamos num papel pequenino informações, embrulhávamos tudo com miolo de pão e colávamos no banco em que esperávamos para sermos atendidos, porque sabíamos que os presos do outro pavilhão iriam lá a seguir e tiravam a mensagem”, contou.
À exceção dos presos que se encontravam em cela individual, os restantes encontravam-se em celas coletivas e tinham horas para vir ao recreio exterior. Era o caso de Afonso Rodrigues, um dos muitos nomes que passaram por Peniche.
Nas escadas da entrada do pavilhão A, onde as medidas de segurança eram menores do que no C, ocupava-se de “encadernar livros”, que aprendera com um colega que tinha estado numa tipografia clandestina, e escondia relatórios escritos a lápis em papel de mortalha para chegarem ao exterior.
[Por Flávia Calçada (texto), António Cotrim (fotos) e Hugo Fragata (vídeo), da agência Lusa]
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