Questionado por um jornalista a bordo do voo entre a Irlanda e Roma sobre o que diria aos pais com filhos homossexuais, o representante máximo da Igreja Católica afirmou que lhes pediria “que rezem, que dialoguem e que entendam, mas que não condenem”.

O Papa defendeu que o “silêncio nunca será uma cura” porque, sublinhou, “ignorar um filho ou uma filha com tendências homossexuais revela falta de paternidade ou maternidade”. Ao invés, Francisco instou os pais a dar "espaço aos filhos e às filhas, para que se possam exprimir" e que "não os excluam da família". Já aos filhos, disse para pedir "ajuda, mas sempre com base no diálogo".

No entanto, as declarações do Papa também estão a provocar polémica pois o pontífice sugeriu que "quando [a homossexualidade] se manifesta na infância, a psiquiatria pode desempenhar um papel importante para ajudar a perceber como as coisas são. Mas é outra coisa quando ocorre depois dos vinte anos”.

A resposta já se fez sentir por parte de associações LGBT francesas, que criticaram nesta segunda-feira as palavras "irresponsáveis" do Papa Francisco.

"Condenamos estas declarações que fazem referência à ideia de que a homossexualidade é uma doença. Se há uma doença é esta homofobia arraigada na sociedade", disse à AFP Clémence Zamora-Cruz, porta-voz da Inter LGBT (Lésbicas, Gays,​ Bissexuais e Transexuais).

A organização SOS Homofobia também reagiu através do Twitter, considerando as palavras do pontífice "graves e irresponsáveis e incitam o ódio contra as pessoas LGBT em nossas sociedades já marcadas por altos níveis de homofobia".

Entretanto o Vaticano já corrigiu as afirmações do Papa, acrescentando que o sumo pontífice não quis abordar o tema como "uma doença psiquiátrica".

Papa não comenta acusações de arcebispo Carlo Maria Vigano

No mesmo voo, o Papa recusou-se a comentar as várias acusações que contra ele constam no texto do arcebispo Carlo Maria Vigano, de que teria ignorado durante o seu pontificado ações do cardeal norte-americano Theodore McCarrick, acusado publicamente em julho de abuso sexual.

"Não vou dizer uma palavra sobre isso, acho que o comunicado fala por si", declarou o papa Francisco, quando questionado durante o voo que o levou de regresso a Roma após a visita à Irlanda.

Um ex-núncio em Washington, o arcebispo Carlo Maria Vigano, acusou o Papa Francisco, numa carta aberta publicada no fim de semana, de ter anulado sanções contra o cardeal McCarrick e de ter ignorado as descrições do seu comportamento homossexual predatório junto de jovens seminaristas e sacerdotes.

"Eu li o comunicado esta manhã", disse o papa aos jornalistas que o acompanharam no avião, referindo-se à carta. "Leiam o comunicado atentamente e façam o vosso próprio julgamento", acrescentou.

"Têm capacidade jornalística suficiente para tirar conclusões. É um ato de confiança. Quando passar algum tempo e vocês tiverem tirado as conclusões talvez eu fale, mas gostaria que a vossa maturidade profissional fizesse isso", adiantou o pontífice.

A carta de Vigano

"A corrupção atingiu o topo da hierarquia da Igreja", disse o arcebispo Vigano na sua carta aberta, chegando a exigir a renúncia do Papa Francisco.

O arcebispo Vigano, de 77 anos, escreveu uma carta de 11 páginas publicada no domingo por alguns meios de cariz conservador em vários países, na qual o prelado acusa outros membros da Curia de formarem um 'lobby gay' e de encobrirem as acusações contra o cardeal norte-americano.

A carta baseia-se em acusações pessoais e o prelado não aponta qualquer documentação ou prova.

O embaixador do Vaticano escreve que Francisco conheceu o caso a 23 de junho de 2013, porque ele próprio o comunicou "e continuou a encobrir o cardeal ex-arcebispo de Washington, McCarrick", adianta.

Em junho passado, McCarrick, de 88 anos, foi afastado do colégio cardinalício e o Papa argentino "ordenou a sua suspensão do exercício de qualquer ministério público, assim como a obrigação de permanecer na casa que lhe será destinada para uma vida de oração e penitência".

Vigano explica na carta que em 2013 foi o mesmo pontífice quem lhe perguntou: "Como é o cardeal McCarrick?, ao que o informou que aquele corrompeu gerações de seminaristas e sacerdotes e que o Papa Bento XVI o mandou retirar-se para uma vida de oração e penitência".

Informou também que havia informação de tudo na Congregação para os Bispos.

A procura de reconciliação com a Irlanda

O Papa realizou uma visita de dois dias à Irlanda, onde visitou um famoso templo e rezou missa, depois de se ter encontrado com vítimas de abusos sexuais cometidos por membros do clero ou por autoridades e instituições católicas.

Francisco passou 90 minutos no sábado a falar com oito vítimas de abuso, incluindo duas que foram forçadamente dadas para adoção quando nasceram, porque as mães não eram casadas. As duas vítimas fazem parte dos milhares de adotados irlandeses, cujas mães solteiras foram forçadas a viver em casas de trabalho.

Uma vítima, Clodagh Malone, disse que Francisco ficou "chocado" com o que lhe contaram, mas "ouviu cada um com respeito e atenção".

O Papa Francisco enumerou neste domingo, numa missa em Dublin, uma grande de lista de "perdões" às vítimas de abusos cometidos por padres ou instituições religiosas no Irlanda.  Ao final de dois dias de uma visita concentrada justamente no tema dos abusos cometidos no seio da Igreja, o pontífice chegou a bordo de um papamóvel, sob um céu carregado, ao imenso parque Phoenix, em Dublin, para celebrar uma missa campal - uma oportunidade para este país, um dos mais católicos da Europa, demonstrar o seu fervor.

Na sua primeira intervenção, o Papa surpreendeu ao pronunciar em espanhol uma declaração de perdão "aos sobreviventes dos abusos de poder, de consciência e sexuais" na Irlanda. Listando todos os crimes cometidos, Francisco pediu perdão "às crianças que foram tiradas das suas mães" porque engravidaram fora do casamento.

Também acusou "membros da hierarquia que se calaram"."Pedimos perdão pelos abusos na Irlanda, abusos de poder, de consciência; abusos sexuais por parte de membros qualificados da Igreja", disse.

"De maneira especial, pedimos perdão por todos os abusos cometidos em diversos tipos de instituições dirigidas por religiosos e religiosas e outros membros da Igreja. E pedimos perdão pelos casos de exploração infantil à qual muitos menores foram submetidos", acrescentou.

Mais cedo, durante uma visita ao Santuário de Knock, a 180 km de Dublin, o Papa implorou "o perdão do Senhor por estes pecados, pelo escândalo e pela traição sentida por muitas pessoas na família de Deus".

Desde 2002, mais de 14.500 pessoas foram vítimas de abusos sexuais por membros do clero na Irlanda. A hierarquia da Igreja irlandesa é acusada de ter encoberto centenas de padres.

Várias investigações também revelaram práticas ilegais de adoção de crianças nascidas de mulheres solteiras, realizadas pelo Estado irlandês com a cumplicidade da Igreja Católica.

A magnitude desses escândalos explica em parte a perda de influência da Igreja sobre a sociedade irlandesa, historicamente muito católica, nos últimos anos.

"Nenhum de nós pode evitar sentir-se comovido com as histórias de crianças que sofreram abusos, que tiveram s sua inocência roubada e que foram abandonadas a dolorosas lembranças".

"Esta ferida aberta desafia-nos a ser firmes e determinados na busca da verdade e da justiça", acrescentou ele, 39 anos depois de João Paulo II também ter vindo ajoelhar-se neste local.

Antes de Francisco, Bento XVI, o seu antecessor, escreveu em 2010 uma carta a todos os católicos irlandeses, reconhecendo a responsabilidade da Igreja nos abusos cometidos no país.

[Notícia atualizada às 16:45: acrescentada a reação do Vaticano]