Na sequência de uma auditoria às contas da TAP, a Inspeção-Geral de Finanças (IGF) criticou a participação no negócio de manutenção da companhia aérea portuguesa no Brasil.

“Não se encontra demonstrada a racionalidade económica da decisão da administração da TAP, SGPS, de participar no negócio da VEM/TAP ME [Manutenção e Engenharia] Brasil e, posteriormente, de não aceitar uma proposta da GEOCAPITAL, de 23/01/2007, de renegociar a parceria no sentido, designadamente, de partilhar riscos e encargos, tendo, ao invés, optado pelo reforço da sua posição na VEM, sem orientações das tutelas ou da acionista Parpública nesse sentido, ficando acionista única da Reaching Force e detentora de 90% do capital da VEM”, lê-se no relatório elaborado pela IGF.

“Perspetivam-se perdas muito significativas com aquele negócio pela não recuperabilidade dos valores envolvidos, que, até 2023, ascendiam a 906 milhões de euros”, continua.

A atividade da TAP ME Brasil foi encerrada no início de 2022, por decisão do Conselho de Administração da TAP. Contudo, ainda não está "formalmente em liquidação", circunstância que, "associada à difícil situação económica e financeira daquela empresa e ao seu elevado passivo, antecipam a incobrabilidade pela TAP dos valores em dívida".

No documento da IGF pode também ler-se que a Atlantic Gateway, consórcio de David Neeleman e Humberto Pedrosa, adquiriu 61% do capital da TAP, SGPS, “comprometendo-se a proceder à sua capitalização através de prestações suplementares de capital, das quais 226,75 milhões de dólares americanos (MUSD) foram efetuadas através da sócia DGN Corporation (DGN) com fundos obtidos da Airbus".

Aquele montante de capitalização, acrescenta, “coincide com o valor da penalização (226,75 MUSD) assumida pela TAP, SA, em caso de incumprimento dos acordos de aquisição das 53 aeronaves (A320 e A330), o que evidencia uma possível relação de causalidade entre a aquisição das ações e a capitalização da TAP, SGPS e os contratos celebrados entre a TAP, SA e a Airbus”.

A IGF sugeriu, então, o envio do relatório ao Ministério Público (MP), sobretudo, tendo em conta as conclusões relacionadas com o processo de privatização da TAP, a sua relação com os contratos de aquisição de 53 aviões à Airbus, em 2015, e as remunerações dos membros do Conselho de Administração.

Já esta terça-feira, o ministro das Infraestruturas e Habitação, Miguel Pinto Luz, disse que o Governo recebeu o relatório já na semana passada e enviou-o ao MP: "O Governo recebeu o relatório na semana passada, homologou o relatório e enviou ao Ministério Público e à Assembleia da República, como lhe compete. Todo o cabal esclarecimento será feito".

O ministro, que à data da privatização da TAP, em 2015, era secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações do Governo de Pedro Passos Coelho, disse que o processo "foi dos mais escrutinados na democracia portuguesa".

Miguel Pinto Luz recordou que "houve uma Comissão Parlamentar de Inquérito" sobre o assunto, e considerou que "não há nenhum facto novo" no relatório da IGF "que não tenha sido abordado" na comissão.

No entanto, após serem conhecidos os resultados que constavam no relatório, as reações partidárias não tardaram em chegar.

PS desafia Luís Montenegro a esclarecer se mantém confiança política em Pinto Luz

Questionada sobre o relatório no parlamento, Alexandra Leitão respondeu: “Com urgência, é preciso que Luís Montenegro venha dizer se Miguel Pinto Luz pode continuar a dirigir um processo semelhante a um anterior em que se revelou que não houve transparência e está em envolto em suspeitas”, defendeu.

"A pessoa que hoje está a conduzir novamente a privatização da TAP é a pessoa que, em 2015, conduziu a privatização da TAP com esta falta de transparência, com este negócio que agora tudo aponta que tem graves suspeitas de falta de transparência de utilização de dinheiro da própria TAP para comprar a empresa", criticou a líder parlamentar do PS.

Alexandra Leitão fez ainda questão de garantir que vai pedir, entre outras, a audição do atual ministro das Infraestruturas e Habitação.

BE pede audição parlamentar de Pinto Luz

Já o Bloco de Esquerda pediu hoje a audição parlamentar do ministro das Infraestruturas e Habitação, Miguel Pinto Luz, no âmbito do relatório sobre a TAP.

“Temos um ministro responsável pela pasta da TAP, que foi o secretário de Estado responsável por uma privatização ruinosa, um contrato que pode ser nulo, que permitiu que a TAP se pagasse a si mesma 227 milhões de dólares (...), é este o ministro que neste momento está a gerir o processo da TAP e da sua privatização. E por isso é muito importante que vá ao parlamento, assumir as responsabilidades do passado”, disse Mariana Mortágua, coordenadora do BE.

PAN quer Pinto Luz afastado do processo de privatização da TAP

Por sua vez, o PAN defendeu o afastamento de Pinto Luz da gestão do dossiê da reprivatização da TAP.

A porta-voz do PAN considerou que o ministro das Infraestruturas "não tem idoneidade política para pôr acima de tudo o interesse dos portugueses, porque ficou mais do que claro que, na altura, este negócio não teve em consideração aquilo que era o interesse de Portugal, o interesse da evolução da economia do nosso país e a manutenção desta empresa".

Numa declaração aos jornalistas na Assembleia da República, Inês de Sousa Real defendeu que o primeiro-ministro "deve indicar outro governante que fique responsável por todo este processo ou chamá-lo a si, para que, efetivamente, não haja qualquer dúvida que é o interesse público que vai prevalecer" e garantir que o dinheiro público injetado na companhia aérea é "devolvido aos portugueses, porque faz muita falta em muitas áreas do país".

Chega diz que primeiro-ministro é cúmplice de Pinto Luz

Pedro Pinto, líder parlamentar do Chega, afirmou, em declarações aos jornalistas, que o ministro das Infraestruturas e Habitação, Miguel Pinto Luz, "está envolvido nesta trapalhada que foi este negócio de 2015", uma vez que era o secretário de Estado com a pasta da TAP no último Governo chefiado por Pedro Passos Coelho.

E, por esse motivo, considera que o primeiro-ministro, Luís Montenegro, é cúmplice: "É cúmplice porque quando nomeou Miguel Pinto Luz sabia quem é que estava a nomear, e isso é de uma extrema gravidade e nós não podemos deixar passar isso sem claro", defendeu.

Pedro Pinto considerou que a posição do ministro Miguel Pinto Luz "fica muito débil", defendendo que este deve ser afastado do processo de reprivatização da companhia aérea, pois "não tem condições políticas" para continuar a acompanhar esse dossiê.

Pinto Luz defende-se

Após tomar conhecimento das questões levantadas sobre a sua legitimidade para exercer o cargo e liderar a nova privatização da TAP, Pinto Luz manifestou-se: "Continuarei a exercer o meu cargo com toda a competência, com toda a seriedade e com todo o comprometimento para com os portugueses".

"A legitimidade de um membro do Governo compete sempre ao primeiro-ministro. Portanto, desde o dia em que eu assumi funções, o meu lugar pertence ao senhor primeiro-ministro, e portanto é a legitimidade que tenho", disse.

Ainda em declarações, o governante insistiu que o relatório da IGF "não desacelera nada" a privatização e que "nada há a esconder, foi tudo transparente, é por isso que este Governo se pugna. Pugna por transparência, por total abertura dos processos. Foi isso que fizemos, aguardaremos os resultados".