Rui Valério, que há um ano, na primeira homilia que proferiu como patriarca de Lisboa, se dirigiu diretamente às vítimas, disse que tem visto da parte da Igreja “uma disponibilidade em ir ao encontro” de quem estava a sofrer.
“Para isso, avançámos com a proposta da criação do grupo, depois de comissões, ou seja, fez-se aquilo que era o mais que podia ser feito”, afirmou o patriarca em entrevista à agência Lusa, reconhecendo que “o ritmo a que o processo está a desenvolver-se talvez não esteja a ser exatamente aquele que seria o ideal”.
As razões para isso encontra-as no “número de pessoas que estão envolvidas nesta dinâmica, neste processo, a escutar, a ouvir, a pronunciar-se”.
“Gostaria de dizer aqui uma máxima que muitas vezes é dita nas forças armadas: ‘Caminhar juntos. Pode-se não caminhar muito depressa, mas chega-se sempre mais longe do que quem caminha só’. E nós, aqui, estivemos juntos, verdadeiramente”, disse o prelado, rejeitando divisões entre os bispos quanto à questão dos abusos.
Segundo Rui Valério, “nunca nenhum dos senhores bispos se pronunciou que não fosse movido pelo mais honrado dos propósitos”.
Sobre as polémicas que foram surgindo, quer quanto à necessidade de criação de uma comissão para estudar o fenómeno ou sobre as indemnizações, o patriarca mostrou-se convicto de que tudo se deveu a uma questão de forma e não de conteúdo das comunicações.
“Eu julgo que não foi tanto ao nível do conteúdo. O conteúdo está lá. Talvez, e gostaria muito de sublinhar o talvez, a maneira como nós por vezes nos expressamos, não seja a mais contundente, não seja a mais perfeita, mas aquilo que importa, aquilo que verdadeiramente conta, é a substância”, frisou.
Numa altura em que decorre o prazo para que cheguem ao Grupo VITA ou às Comissões Diocesanas de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis os pedidos de indemnização por parte de vítimas de abusos no seio da Igreja — o que pode acontecer até ao final do ano -, Rui Valério disse não ter ideia de quanto poderá custar à Igreja o processo indemnizatório.
“Essa é uma matéria que neste momento está a ser refletida e trabalhada”, afirmou, sublinhando que o importante é que tudo seja feito “para a reparação das pessoas no seu todo, da sua dignidade, da sua vida”.
Repetindo uma palavra de “solidariedade total e absoluta para com as vítimas” e suas famílias, o patriarca afirmou que a questão dos abusos é um tema que o “comove profundamente”, pois enquanto padre acompanhou duas situações de pessoas que foram vítimas de abusos por parte de familiares.
“Num caso um pai, num caso um tio. E, meu Deus, a vida dessas pessoas é uma não vida. (…) Este é um tema que me suscita uma dor, uma palavra de solidariedade, compaixão”, disse.
Quanto à sensibilização no seio da Igreja para que casos de abuso não se repitam, Rui Valério foi perentório: “É uma aberração e, por isso, a Igreja, provocada por esta circunstância, estabeleceu critérios de formação, de acompanhamento, para que isto nunca mais [aconteça]”.
O bispo sublinhou ainda que as medidas tomadas pelo Patriarcado de Lisboa são dirigidas, não apenas aos sacerdotes, “mas a todo aquele laicado que colabora diretamente com crianças, com pessoas nos seus diversos estatutos, desde a catequese aos escuteiros, a centros sociais e a outros”.
“Tudo foi e está a ser feito para que haja aqui uma consciencialização, uma formação para que nós compreendamos que o abuso é um pecado hediondo que não é compreensível e não é aceitável”, concluiu.
A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) aprovou em abril a criação de um fundo, “com contributo solidário de todas as dioceses”, para compensar financeiramente as vítimas de abuso sexual no seio da Igreja Católica em Portugal.
Os pedidos de compensação financeira deverão ser apresentados ao Grupo VITA ou às Comissões Diocesanas de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis entre junho e dezembro de 2024.
Posteriormente, uma comissão de avaliação determinará os montantes das compensações a atribuir.
O Grupo VITA foi criado pela CEP em 2023, na sequência do trabalho da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica – que ao longo de quase um ano validou 512 testemunhos de casos ocorridos entre 1950 e 2022, apontando, por extrapolação, para um número mínimo de 4.815 vítimas.
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