Na segunda sessão do julgamento, depois da leitura do despacho judicial, Ricardo Sá Fernandes e Miguel Pereira, advogados das famílias de Hugo Abreu e Dylan da Silva, respetivamente, que se constituíram assistentes no processo, indicaram ao coletivo de juízes, presidido por Helena Pinto, que vão recorrer desta decisão. Ricardo Sá Fernandes acrescentou que o seu recurso “deve ter efeito suspensivo”.
O julgamento dos 19 militares do Exército, acusados de vários crimes relacionados com a morte dos dois recrutas dos Comandos, havia sido suspenso na primeira sessão, na quinta-feira, após o procurador do Ministério Público (MP), José Nisa, requerer que os pedidos de indemnização civis (PIC) apresentados solidariamente pelas famílias das vítimas contra o Estado e os arguidos fossem remetidos e julgados nos tribunais administrativos.
Já nesse momento, os advogados Ricardo Sá Fernandes e Miguel Pereira, opuseram-se à passagem dos PIC para julgamento nos tribunais administrativos, assim como outros advogados.
O coletivo de juízes, que tem como um dos auxiliares um coronel do Exército, dado estar em causa o envolvimento de militares, deu 48 horas para que todos os intervenientes se pronunciassem.
Hoje, o coletivo de juízes deu provimento ao requerimento do MP e decidiu que os PIC devem ser julgados nos Tribunais Administrativos e Fiscais, os quais “têm a competência material” para julgar a parte civil deste processo.
Dylan da Silva e Hugo Abreu, à data dos factos ambos com 20 anos, morreram e outros instruendos sofreram lesões graves e tiveram de ser internados durante a denominada ‘Prova Zero’ (primeira prova do curso de Comandos) do 127.º curso de Comandos, que decorreu na região de Alcochete, distrito de Setúbal, a 04 de setembro de 2016.
Em causa estão três PIC apresentados pelas famílias: os pais de Dylan da Silva pedem 400 mil euros enquanto a família de Hugo Abreu exige 300 mil euros, havendo ainda um terceiro pedido efetuado por um dos militares que ficou ferido.
Na sessão de hoje, a maioria dos arguidos indicou ao tribunal que, neste momento, não pretendem prestar declarações sobre os factos imputados na acusação do Ministério Público.
A juíza de instrução criminal Isabel Sesifredo decidiu, a 9 de março, levar a julgamento todos os arguidos nos exatos termos da acusação do Ministério Público, após a fase de instrução requerida por alguns dos arguidos.
Em junho do ano passado, o MP deduziu acusação contra os 19 militares, considerando que os mesmos atuaram com “manifesto desprezo pelas consequências gravosas que provocaram” nos ofendidos.
“Desde o início da denominada ‘Prova Zero’, os formandos foram confrontados com comportamentos profundamente violentos dos formadores e só o medo da prática de comportamentos ainda mais violentos que caracterizaram a atuação de todos os formadores, do diretor da prova, do comandante de Companhia e até da equipa sanitária — médico e enfermeiro -, justificou que os formandos tenham permanecido durante a noite do dia 04 de setembro de 2016 no Campo de Tiro de Alcochete”, frisa o MP.
A acusação acrescenta que, ao sujeitarem os ofendidos a essa “penosidade física e psicológica” durante a recruta, todos os arguidos sabiam que “excediam os limites” permitidos pela Constituição e pelo Estatuto dos Militares da Forças Armadas e “colocaram em risco a vida e a saúde dos ofendidos, o que aconteceu logo no primeiro dia de formação”.
Os arguidos são ainda acusados de cometerem várias agressões contra os recrutas, nomeadamente o facto de obrigarem os formandos a “rastejarem nas silvas”, ou de privarem/racionarem a água aos instruendos, apesar das condições extremas de temperaturas elevadas.
Os oito oficiais, oito sargentos e três praças, todos militares do Exército do Regimento de Comandos, a maioria instrutores, estão acusados de abuso de autoridade por ofensa à integridade física.
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