Nasceu no Montijo, é economista, foi ministro do Planeamento e das Infraestruturas e agora é cabeça-de-lista do Partido Socialista ao Parlamento Europeu.
Para a União Europeia, Pedro Marques defende um orçamento para a Zona Euro e regressa à ideia de uma Europa a várias velocidades, com os Estados-membros a avançarem em grupos em diferentes áreas.
O ex-ministro promete lutar com todas as forças para melhorar a proposta de orçamento plurianual da Comissão Europeia para 2021-2027, que corta os fundos a Portugal em cerca de 7%, mas que Pedro Marques insiste em dizer que, a preços correntes, representa mais 1700 milhões de euros. E lamenta que o PSD tenha "rasgado" o acordo feito com o PS há menos de um ano para dar poder negocial a Portugal: "faz toda a diferença o governo ir lá sozinho ou ter o maior partido da oposição aliado".
Na pasta, Pedro Marques leva ainda o dossier do combate às alterações climáticas, sobretudo através de alterações nas áreas da produção e da distribuição da energia e dos transportes, e o combate à burocracia: "O número dois da lista é Maria Manuel [Leitão Marques], uma mulher que tem créditos no combate à burocracia em Portugal, com a coordenação do Simplex".
Conhece a lei da cobertura jornalística em período eleitoral?
Sim.
O capítulo VI, Artigo 13.º, diz o seguinte: "Obrigação de revisão: A presente lei deve ser objeto de revisão no prazo de um ano após a sua entrada em vigor". É de Julho de 2015, do tempo do PSD-CDS. Passaram quatro anos e não foi revista. Porquê?
A lei da cobertura das campanhas?
Sim. É o regime que define como deve ser feita a cobertura jornalística, nomeadamente os debates televisivos, privilegiando os maiores partidos, aqueles que têm representação parlamentar, em detrimento dos mais pequenos e dos novos.
Não falei com ninguém que tenha responsabilidades nessa área. Dei apenas o meu exemplo: quando me propuseram, no início deste processo - porque a história dos debates vai longa, andei várias semanas a ser acusado de fugir aos debates, apesar de estarem debates marcados desde dia 1 de março, salvo erro. Nesse dia, estava marcado o debate da RTP, a realizar a 20 de maio...
Antes os restantes candidatos já se tinham cruzado diversas vezes em diferentes debates públicos...
Mas é como lhe digo, estavam marcados debates desde aquela data. Depois vieram os pedidos de debate dois a dois, e era aí que eu queria chegar: propuseram-me um frente a frente com Paulo Rangel, que recusei. Porque penso que não há aqui nenhum direito natural de duas candidaturas serem mais importantes do que as restantes. Pela minha parte, procurei dar um exemplo de democracia e, tanto quanto sei, as cadeias televisivas que têm estado a organizar debates com os partidos com assento parlamentar, também têm organizado debates com os outros partidos.
Sim, mas o cabeça-de-lista de um novo partido pode querer discutir com um candidato com assento parlamentar e não tem hipótese. Criou-se uma espécie de primeira e de segunda divisão. Deve ser assim, em democracia, ou há aqui uma desigualdade?
Não estou a comentar os termos da lei, estou a dizer que recusei fazer um debate a dois se fosse apenas com Paulo Rangel, porque me parece que não existia aqui um direito natural, nem meu nem dele, de sermos especiais em relação aos outros. Sabe que era suposto o primeiro debate na SIC ter sido a 15 ou 16 de abril? Não foi, porque várias candidaturas com assento no Parlamento Europeu pediram para não ter falta no PE.
A minha pergunta era em relação à lei, que devia ter sido revista e que como está não trata todos por igual.
Não sei, não sou deputado à Assembleia da República. Tem de fazer essa pergunta à Assembleia da República. Eu dei o exemplo, dizendo que ou debatia com todos os partidos com assento parlamentar, ainda que dois a dois, ou não debatia com nenhum.
Sobre o financiamento dos partidos e o custo das campanhas: o PS, julgo saber, prevê gastar um milhão de euros. Devia haver um limite de despesas?
Essas questões são hoje claras. Os partidos têm financiamentos públicos em função dos resultados eleitorais. O PS tem um orçamento - que provavelmente não atingirá em termos de despesas efetivas - que será financiado com as subvenções públicas que recebe pelos resultados da sua actividade. Penso que está correto e acho que seria muito pior se regressássemos ao tempo dos financiamentos privados. Não me parece que o financiamento seja um tema que esteja a pôr em causa a nossa democracia, as notícias falsas são um assunto muito mais perigoso.
Não seria mais equitativo e assético, digamos assim, ter orçamentos de campanha mais baixos?
Parece-me que funciona assim perfeitamente, em função dos resultados que cada um acredita que vai ter. Nós fizemos um orçamento e assumimos o risco. Mas há um tema que gostaria de levantar já em relação a entrevistas anteriores, se não me levar a mal.
Não levo.
Fui acusado por Paulo Rangel de ter desviado dinheiro do Fundo de Solidariedade da União Europeia para despesas da administração central ou coisa assim. Mas só por ignorância ou má fé se pode dizer uma coisa dessas. Parece-me difícil que seja por ignorância, porque Paulo Rangel já está há muitos anos no Parlamento Europeu, conhece o regulamento do Fundo de Solidariedade. O regulamento diz, no número 2 do Artigo 3.º, e vou passar a ler: "O fundo tem por objetivo complementar os esforços dos Estados-membros em causa e cobrir uma parte das suas despesas públicas". Que fique claro, e isto foi absolutamente esclarecido com os responsáveis da Comissão Europeia, que o fundo complementa despesas públicas.
"Desde a criação do euro a Europa tornou-se um espaço muito mais desigual"
Está a falar dos 50,6 milhões do Fundo de Solidariedade para os incêndios de Pedrógão?
Chegámos ao ponto de os senhores do PSD virem dizer que tinham sido os responsáveis pelo acionamento do fundo, o que é outra vez ignorância ou má fé. Foi o meu Ministério [do Planeamento e das Infraestruturas] que acionou o pedido à Comissão Europeia em função daquela catástrofe, o que nos permitiu assegurar cerca de 50 milhões de euros de financiamento, dos quais 25 milhões foram para infraestruturas municipais e o restante para recuperação de equipamentos, para as horas de voo a mais por causa do combate aos incêndios, para a recuperação de estradas florestais. Tudo isto é o que pode ser pago nos termos do regulamento do fundo. O valor está fixado no regulamento e equivale a uma percentagem das despesas com as regiões afetas reportadas pelo Estado português. Estamos completamente tranquilos com a utilização do Fundo de Solidariedade e é tudo escrutinado pela UE.
"A Europa afastou-se das pessoas neste período: fomos penalizados, fomos oprimidos com as medidas de austeridade"
Está esclarecido. Agora vamos falar da visão do Partido Socialista para a União Europeia - que, por vezes, não parece ser a mesma para António Costa e para os deputados que estão no Parlamento Europeu.
A nossa visão é absolutamente alinhada, só temos um líder, só temos uma liderança. Essa visão para a Europa tem a ver com uma ideia de reforma do projecto europeu que começámos a fazer já nesta legislatura com o exemplo de alternativa que construímos em Portugal. Desde a criação do euro, e com as reformadas da legislação laboral, da legislação da concorrência, com a falta de política industrial, a Europa tornou-se um espaço muito mais desigual. Em particular com a crise financeira e com a crise das dívidas soberanas, tornou-se ainda mais desigual, no sentido em que a resposta foi profundamente desproporcionada. A Europa afastou-se das pessoas neste período: fomos penalizados, fomos oprimidos com as medidas de austeridade.
Como é que se volta a aproximar os cidadãos da Europa ou como é que se inverte esse caminho?
Chegámos ao governo e dissemos: isto pode ser feito com a reposição de direitos, com o aumento de direitos sociais, com investimento e emprego e, mesmo assim, com as contas certas. Disseram-nos que não: "Não podem nada aumentar o salário mínimo nacional, não podem nada repor direitos, senão não vão cumprir o que prometem em termos de contas públicas". Foi-nos dito que não tínhamos alternativa, que teríamos de manter a mesma linha de austeridade porque era o que estava a ser aplicado a toda a Europa. Respondemos: temos alternativa e vamos demonstrar que é possível. E conseguimos. Lutámos contra as sanções, saímos do procedimento de défice excessivo, recuperámos a procura interna, aumentámos o salário mínimo, aumentámos as pensões, tudo com as contas em ordem. E dissemos na Europa: este é o modelo que queremos também para os próximos cinco anos.
Como é que pretende aplicar este modelo à Europa, o que significa isso?
Propusemos no Parlamento Europeu - votações chumbadas pela direita - a flexibilização de regras de aplicação do Tratado Orçamental, a criação de um orçamento para a Zona Euro, para promover mais convergência. E já conseguimos o mandato do Conselho Europeu - uma grande vitória de Mário Centeno no Eurogrupo e de António Costa, que acompanhei, no Conselho Europeu. Também votámos a criação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, apenas no plano dos princípios, que agora queremos tornar efetivo: legislação para a conciliação, para a igualdade salarial entre homens e mulheres, para as condições de trabalho, para os direitos sociais.
O Pilar Europeu dos Direitos Sociais compreende 20 princípios, a questão está em como torná-los efetivos.
Estamos a definir o Pilar Europeu dos Direitos Sociais em muitas situações - até fomos acusados pela esquerda portuguesa e PCP, que votou contra uma proposta de regulamento para a sua aplicação por achar que em Portugal já temos mais do que está na legislação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais. Mas o que estamos a dizer é: temos de regulamentar a criação efetiva de um conjunto de direitos sociais no plano europeu que correspondam a um avanço social. Queremos que as pessoas voltem a sentir que a Europa está a governar para elas.
Porquê a convergência a partir da Europa e não a partir de Portugal?
Estamos a falar de definir condições do ponto de vista de direitos sociais e laborais, do ponto de vista do funcionamento da economia e da sociedade. Por exemplo, ao nível das alterações climáticas estamos a falar de definir condições básicas que, no fundo, sejam um avanço social europeu. Quando digo que quero um salário mínimo em toda a Europa por profissão, estou a dizer que tem de passar a haver um salário mínimo nos países ou setores onde não há. Quando digo que quero energias renováveis e interligações entre os países para o aproveitamento das energias renováveis de uns países no consumo dos outros, estou a fazer um avanço do ponto de vista europeu. Quando digo que quero interligações dos transportes para que possa haver ligações ferroviárias e marítimas em condições e não tenha de ser tudo transporte rodoviário, estou a fazer um avanço ao nível europeu. Quando digo que quero uma autoridade europeia para as condições do trabalho, estou a garantir que estamos a estabelecer padrões mínimos de condições de trabalho em toda a Europa... Os países, querendo, podem ir mais longe, mas estamos a falar de avançar para um patamar de direitos sociais que não temos em várias áreas.
"Somos a favor da existência do orçamento da Zona Euro e somos a favor da criação de receitas próprias da União Europeia"
O que é de certa forma irónico, porque Portugal tem dos piores índices de transposição de diretivas comunitárias para o direito nacional. Vamos começar pelo orçamento para a Zona Euro. Qual é exactamente a ideia do PS?
A definição do orçamento da Zona Euro para o próximo ciclo, ou seja, cujo mandato ficou estabelecido no último Conselho Europeu, mas que tem de ser implementado, é da maior importância. É uma coisa completamente nova: temos uma zona monetária que não tem orçamento próprio e, por isso, quando há crises financeiras e não se fez o trabalho de casa prévio para promover a convergência entre países, as divergências são mais prováveis. Não há instrumentos de estabilização.
Como será financiado esse orçamento de Zona Euro? Só com a saída do Reino Unido a EU vai perder 70 mil milhões de euros...
De várias formas: com receitas próprias da União Europeia ou com transferências dos Estados-membros. Uma das linhas que está na proposta de quadro financeiro plurianual é uma coisa chamada Reform Delivery Tool, um mecanismo de apoio às reformas para a convergência dos países. Uma das ideias é estender esse mecanismo e ser essa a base do orçamento da Zona Euro, seja com a fonte de financiamento ali prevista, seja com financiamento adicional. Outra hipótese é canalizar para ali receitas próprias da Zona Euro, como impostos sobre o digital, impostos sobre as transações financeiras ou sobre indústrias poluentes.
"As receitas resultam da cobrança de taxas sobre as multinacionais do digital, sobre as transações financeiras e sobre o setor ambiental"
O que defende o PS?
Nós somos a favor da existência do orçamento da Zona Euro e somos a favor da criação de receitas próprias da União Europeia, que não são tecnicamente impostos europeus, porque os tratados não preveem essa possibilidade, mas é dinheiro cobrado de forma coordenada em todos os Estados-membros para que possamos quadrar o círculo. O que corresponde a dizer que não queremos cortes nas políticas tradicionais, até queremos políticas novas e centralizadas na Europa, como o Horizonte Europa, pelo que é preciso dinheiro, até para compensar a saída do Reino Unido. As receitas, como disse, resultam da cobrança de taxas sobre as multinacionais do digital, sobre as transações financeiras e sobre o setor ambiental, e podem ser significativas.
Isso significa o fim da unanimidade ou uma cooperação reforçada, como se faz?
Só podemos avançar com a cobrança deste tipo de receitas em cooperação reforçada, como tínhamos começado nas transações financeiras - é irónico que quem está contra isto fez parte do governo que começou a cooperação reforçada para as transações financeiras, o PSD-CDS -, ou com unanimidade, para avançar em bloco e as empresas não poderem andar a fugir de uns países para os outros. A proposta que está em cima da mesa é um princípio de cooperação, não em unanimidade, mas em maioria, para o combate à evasão fiscal, nomeadamente na área do IVA, e, lá mais para a frente, daqui a muitos anos, numa aproximação das bases fiscais, para que os países não andem numa espécie de concorrência a ver quem alisa mais a sua base fiscal para captar grandes empresas, SGPS, que pagam poucos ou nenhuns impostos. Estou muito confortável com a ideia de eventualmente termos de abandonar em algumas situações a regra da unanimidade para conseguir combater a evasão fiscal e a fraude.
Estamos a falar de recursos financeiros e não queria deixar de lhe perguntar: qual a posição do PS face à atual proposta de quadro financeiro plurianual da Comissão Europeia, que prevê um corte de 7% dos fundos a Portugal?
Primeiro, não há corte nenhum de 7% dos fundos a Portugal, porque só há uma proposta da Comissão Europeia - já agora, de um comissário europeu de direita que Paulo Rangel tinha obrigação de ter influenciado, uma vez que não gosta da proposta. O que está em cima da mesa é uma proposta da Comissão Europeia, a primeira proposta, e nada mais que isso. Há reconhecidamente uma evolução dessa proposta em relação ao critério do PIB per capita, segundo o qual deveríamos ter lá 30% e não 7% de variação, como disse o comissário Carlos Moedas, por isso considerou esta uma boa proposta, um bom princípio de negociação.
"Vou lutar com todas as minhas forças para melhorar esta proposta [fundos de coesão]"
A proposta para 2021-2027 prevê para Portugal cerca de 21,2 mil milhões de euros a preços constantes de 2018 ao abrigo da política de coesão, contra 22,8 mil milhões no quadro atual, o que dá menos cerca de 7%.
O que é factual é que temos 1700 milhões de aumento dos fundos a preços correntes nessa proposta. Eu diria que, como é só uma proposta, também não há nenhum aumento de 1700 milhões de euros definido. Por metade disso, no fim da negociação há sete anos, Durão Barroso veio a Portugal dizer "ganhámos uma pipa de massa para Portugal". Enquanto deputado ao Parlamento Europeu, vou lutar com todas as minhas forças para melhorar esta proposta. Registo, contudo, que na hierarquia dos países que mais recebem ou que menos recebem, apesar de sermos um dos países que mais fundos já recebia, Portugal passa de oitavo para quinto lugar no ranking dos países que mais fundos recebe por pessoa. Mas como disse, e o primeiro-ministro também já disse a mesma coisa, vou lutar por melhorar esta proposta. O PS estabeleceu um acordo com o PSD há menos de um ano, cerca de um mês antes de a Comissão Europeia ter apresentado a proposta, para dar força a Portugal na negociação, porque faz toda a diferença o governo ir lá sozinho ou ter o maior partido da oposição aliado.
O que diz esse acordo?
Esse acordo diz que Portugal não pode perder fundos a preços correntes. Ou melhor, diz que a política de coesão não pode perder fundos a preços correntes. Que fique claro que a proposta apresentada pela comissão aumenta a preços correntes os fundos para a Europa em 2% e para Portugal em 8%. Esse acordo está cumprido por excesso. O acordo foi assinado por mim e por Castro Almeida, vice-presidente do PSD, na presença de António Costa e de Rui Rio, a direção máxima dos dois partidos. Ainda assim, Paulo Rangel decidiu rasgar e renegar esse acordo. Registo que faz mal ao futuro da negociação estarmos a perder a união que tínhamos criado com aquele acordo.
Como é que Portugal é o 5.º país que mais fundos recebe per capita e é o antepenúltimo em termos de crescimento na Zona Euro?
Ótima questão. Mais do que andar a dizer às pessoas se as contas dos fundos são a preços reais [constantes] ou preços correntes... Se há muitos anos estamos entre os que mais recebemos, porque não conseguimos convergir tanto. Os fundos de convergência, os fundos de coesão permitem, ou deviam permitir em condições normais, aos países mais da periferia europeia, que têm um PIB per capita mais baixo do que a Alemanha, do que a Holanda, do que a Bélgica, aproximarem-se do nível médio de desenvolvimento desses países. Acontece que com a criação do euro, com o conjunto de reformas feitas com a criação do euro, as condições de competitividade no espaço europeu foram de tal modo que os países que já eram muito competitivos, nomeadamente no setor industrial, os partidos do centro da Europa, permaneceram muito competitivos e, de alguma maneira, beneficiaram do alargamento brutal do mercado interno. E os fundos de coesão não foram suficientes, fosse pela sua utilização, fosse pela sua quantidade - não vou fazer agora esse debate - para compensar essa divergência. Portugal só voltou a convergir com a média do euro desde a sua criação, há quase 20 anos, nos últimos dois anos, quase três, se tudo correr bem.
"Só promovendo empresas inovadoras e emprego qualificado conseguimos sair deste paradigma do centro da Europa competitivo e do sul da Europa de baixos salários."
Continuamos com crescimentos muito baixos por comparação. Como é que isto se resolve?
Penso que só se resolve com um orçamento de política de coesão e da PAC ambicioso, certamente com um orçamento da Zona Euro a promover a efetiva convergência, não com uma política de salários baixos no sul da Europa e de inovação no centro da Europa, mas estendendo a toda a Europa este paradigma de promoção da inovação. Dou-lhe um exemplo: a minha gestão dos fundos comunitários, que também tem sido muito criticada pela direita, mas já estou habituado, pegou num quadro comunitário cuja prioridade era a inovação nas empresas e ao fim de três anos tinha pago 2 mil milhões de euros às empresas e ainda fez uma reprogramação que acrescentou a capacidade de aprovar e pagar mais 5 mil milhões de euros. Só promovendo empresas inovadoras e emprego qualificado conseguimos sair deste paradigma do centro da Europa competitivo e do sul da Europa de baixos salários. Nunca me ouvirá dizer que a adesão à União Europeia ou os fundos de coesão não foram importantes para Portugal: reduzimos brutalmente o abandono escolar, aumentámos muito significativamente a percentagem de pessoas com o secundário ou superior, reduzimos dramaticamente a mortalidade infantil, reduzimos a pobreza dos idosos para metade e reduzimos muito significativamente a pobreza em geral. Agora, a convergência foi insuficiente e foi particularmente mais penalizadora para nós no período posterior à criação do euro.
Mais de um bilião de euros para repartir pelos Estados-membros entre 2021-2027. Quais devem ser, para o PS, as prioridades?
Claramente esta área de que acabei de lhe falar, a inovação. Mas não tem de ser só na inovação para os países do centro da Europa e nem nos programas geridos centralmente em Bruxelas, também pode e deve ser nos programas no âmbito da coesão geridos em cada país. Para que a aposta na inovação não redunde em mais desigualdades na Europa, é essencial que o pilar das qualificações seja também uma prioridade. Há muitos anos um especialista em desigualdade escreveu que as desigualdades são o resultado de uma corrida entre a inovação e as qualificações. Se eu quero, e quero, que a Europa acompanhe e seja líder na digitalização da economia e da sociedade, tenho de acompanhar com grande esforço o lado das qualificações.
As alterações climáticas, de que já falou, serão uma das áreas com maior dotação financeira no próximo quadro plurianual...
A área das alterações climáticas é absolutamente essencial, quer na promoção das energias eficientes, quer nas interligações de países, para quando Portugal produzir energia eólica em excesso, por exemplo, ou houver tecnologias adequadas de armazenamento, que ainda não estão disponíveis em mercado, poder vender essa energia aos países do centro da Europa, diminuindo a sua dependência. Ou para promover interligações adequadas do lado dos transportes: o transporte de mercadorias, e até de pessoas, mas sobretudo de mercadorias, deve ser mais ferroviário e marítimo e menos rodoviário, que é muito mais poluente.
Gostava que me falasse de medidas concretas para atingir os objetivos a que se propõe.
Fazer o caminho que fizemos. Continuar a generalizar o acesso ao ensino superior - ainda temos um gap significativo no acesso ao ensino superior, ainda podemos fazer mais do lado da ação social escolar. E podemos e precisamos de fazer mais formação ao longo da vida. Precisamos apostar no data analytics, ou seja, em pessoas com capacidade de analisar o manancial absurdo de informação que hoje está disponível no mundo e que tem um valor brutal. É tudo potencial de criação de emprego. E, obviamente, de atração de empresas, para garantir que vêm centros de competência e de excelência para Portugal. No caso das alterações climáticas já dei uma ideia e o Parlamento Europeu já fez caminho na questão dos plásticos e dos descartáveis. Mas dou muita importância à questão das energias renováveis e da união energética europeia para podermos ser mais eficientes na utilização da energia...
Que em Portugal é das mais caras da Europa.
Não somos o país com a energia mais alta, temos preços algo elevados, custos de transporte de energia elevados e um potencial muito grande de melhoria dos custos da energia. Mas temos de eletrificar o transporte individual, seja o carro elétrico ou a hidrogénio ou o que seja. Mobilidade suave, mobilidade elétrica, mas mobilidade europeia, nomeadamente de mercadorias. Lançámos o concurso, e a obra deve estar para começar com o visto do Tribunal de Contas, para a maior obra ferroviárias dos últimos 100 anos, o troço entre Évora e Elvas. Os espanhóis estão a fazer a ligação entre Madrid e Badajoz, o que significa que ficaremos com o pedaço que está em falta no chamado corredor atlântico de ligação ao centro da Europa completo. Acontece que França, certamente por razões orçamentais, decidiu travar por uns 15 anos o pedaço que falta imediatamente a seguir aos Pirenéus e à entrada em França. Sem este tipo de ligações feitas, não podemos falar em descarbonizar o transporte de mercadorias. Isto pode resolver-se com mais políticas europeias, com a Europa a financiar a taxas mais altas as interligações críticas.
"A Europa tem de cooperar muito mais com os países de origem [dos refugiados], tem de ter também fronteiras seguras, com certeza, mas tem de ter uma política de acolhimento de refugiados solidária. Isso ainda não foi alcançado."
Já falámos aqui daquelas que são as principais preocupações dos cidadãos europeus, segundo o Eurobarómetro. Falta a imigração e o terrorismo. Que políticas defende o PS nestas duas matérias?
Se não se importar, associaria a imigração ao tema dos refugiados, talvez porque na cabeça das pessoas é tudo a mesma coisa. E trataria da seguinte forma o tema dos refugiados: julgo que temos de fazer mais como Europa, temos sido muito pouco solidários entre nós nessa matéria. De facto, há grandes frustrações quanto à resposta que tem sido dada por vários países europeus, embora Portugal lidere no bom exemplo. Mas temos de fazer um combate sem tréguas ao tráfico de seres humanos no Mediterrâneo, onde continua a morrer muita gente. A Europa tem de cooperar muito mais com os países de origem dessas pessoas, tem de ter também fronteiras seguras, com certeza, mas tem de ter uma política de acolhimento de refugiados solidária. Isso ainda não foi alcançado, porque os países têm direito o soberano sobre a adoção ou não de determinadas políticas. Lamento que ainda não se tenha conseguido dar esse passo, é um dos desafios que temos pela frente.
No caso da imigração?
A Europa está a envelhecer significativamente, como Portugal, tem um problema gravíssimo de demografia em geral. Queremos continuar a ter condições para ter rendimentos dignos em várias fases da vida e para isso temos de ter mais população ativa. Além da recuperação das taxas de natalidade, vamos, provavelmente, ter de contar com imigrações mais significativas, como já tivemos noutros ciclos de desenvolvimento da Europa, ou como têm outros continentes, basta olhar para a situação dos Estados Unidos. Temos de ter coordenação europeia também, mas admito que no fim das contas os Estados-membros terão de avaliar isto em função da sua situação económica e da capacidade que têm no acolhimento de migrantes. De qualquer forma, acredito que a questão das migrações é e vai ser importante numa perspetiva estratégica para o desenvolvimento do continente europeu.
E chegámos à questão do terrorismo, um fenómeno a que Portugal tem, aparentemente, sido poupado.
Mas uma vez temos de fazer aqui um combate sem tréguas e utilizar todos os mecanismos de coordenação de informação a nível europeu, segurança de fronteiras...
Tem falado em interligação ao longo da entrevista, neste momento as diversas polícias têm muitas falhas na partilha de informação e não há um cruzamento de dados efetivo.
Já fizemos caminho, a Europa não faz tudo de uma vez e de um momento para o outro. Há sempre muitas preocupações com os dados e muitos mecanismos de partilha de informação, mas está-se a fazer caminho, infelizmente por más razões, porque o terrorismo nos entrou pelo continente a dentro. E temos e cooperar com os países vizinhos, com o Magrebe, com o Médio Oriente, etc., no desenvolvimento económico e social desses territórios, na estabilização política desses territórios.
O que deve ser da União Europeia e o que deve ser dos Estados em matéria de soberania?
Sou pela União Europeia e pelo aprofundamento do processo europeu e penso que podemos e devemos dar passos de aprofundamento dessa integração, o que quer dizer ir partilhando soberania em algumas áreas. Provavelmente não o iremos fazer a 28 ou 27 ao mesmo tempo em todas as áreas, fá-lo-emos com avanços diferenciados. Os exemplos de Schengen ou do euro, como a zona estruturada permanente na área da defesa, mostram como podemos ir partilhando soberania ou cooperando para desenvolver determinadas áreas ao nível europeu em benefício dos povos europeus. Se nalgumas matérias não formos conseguido a unanimidade, podemos ir fazendo as cooperações reforçadas, como no caso da taxa para as transações financeiras. Dou-lhe um exemplo a propósito do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, uma área onde a soberania dos Estados tem sido praticamente total. A UE pode definir em linhas gerais um salário mínimo e deixar o quantitativo para cada Estado a nível nacional. Mas também pode definir que cada hora trabalhada na pode ser inferior a xis - até para garantir a mobilidade em condições adequadas de concorrência entre Estados-membros.
"[Se o Reino Unido sair da UE ] há, de facto, um risco de a Europa se voltar para si própria, para dentro do continente, e isso será trágico, entre aspas, para a Europa do ponto de vista geoestratégico"
Com a saída do Reino Unido, se sair e quando sair, quem vai defender os interesses atlânticos?
Espero que Portugal seja um dos pontas de lança dessa defesa. Também não dou como certa, neste momento, a saída do Reino Unidos da União Europeia, embora ache mais provável isso do que o seu contrário, mas esperava que o Reino Unidos pudesse eventualmente mudar de posição. Ninguém sabe como vai acabar a situação do RU, mas se vier a sair há, de facto, um risco de a Europa se voltar para si própria, para dentro do continente, e isso será trágico, entre aspas, para a Europa do ponto de vista geoestratégico. Vemos uma realidade mundial em que os Estados Unidos se tornaram muito mais isolacionistas com Trump, por pressões do Congresso e por um conjunto de razões e até de pressões eleitorais internas, e agora estão preocupados em corrigir os acordos de comércio com os países que competem mais com a indústria americana: fizeram isso com o NAFTA e estão a tentar fazer isso com o acordo com a China. Se chegarem a fechar o acordo com a China e com o Japão, permanentemente nos braços dos EUA, estamos a assistir à ideia de voltar outra vez estrategicamente o mundo económico para o Pacífico, e isso é muito mau para a Europa.
O que deve a UE fazer para que isso não aconteça? O que defende o Partido Socialista?
A Europa não pode fechar-se sobre si mesma depois da saída do Reino Unido, ou sobretudo com a saída do Reino Unido, e tem de afirmar a sua vocação atlântica e transatlântica, tem de cooperar com a América do Sul, tem de concluir o TTIP [Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento] com os Estados Unidos e tem de cooperar também com o Extremo Oriente e definir as suas relações comerciais com a China. A prioridade que temos na nossa próxima presidência da União Europeia é que a relação com África seja absolutamente crucial. O continente africano está aqui ao lado e do ponto de vista geoestratégico é um absurdo não contar com África para o desenvolvimento mundial. Devemos-lhe a obrigação de cooperar, mas também temos de procurar ali oportunidades de desenvolvimento. É prioridade para a nossa presidência e, já agora, prioridade para o Partido Socialista Europeu nos próximos cinco anos.
Tem-se falado dos problemas dentro do PPE (Partido Popular Europeu) por causa do Fidesz de Orbán: suspende, expulsa, corrige. O PPE não é a única família com problemas no Parlamento Europeu, o S&D tem tido a sua dose, por exemplo, com o PSD da Roménia. Como é que estas questões se resolvem?
Na minha opinião, e já chamei a atenção sobre isso, ou este partido e este governo acompanham as condições estabelecidas pela União Europeia e cumprem as regras de um Estado de direito democrático, ou isto não pode continuar assim. Há poucas semanas congelámos unilateralmente as nossas relações com o PSD romeno e só sairemos desta situação se eles cumprirem as condições de Estado de direito estabelecidas. Há, apesar de tudo, uma diferença importante entre a Roménia e a Hungria ou a Polónia: não foram estabelecidos mecanismos de verificação do cumprimento das regras do Estado de direito ao abrigo do Artigo 7.º. Se vierem a ser abertos processos desta natureza é porque evoluiu a gravidade das situações. Aqui não há cinzento.
"É inaceitável qualquer tentativa da normalização da extrema-direita"
É possível que estes partidos venham a minar a Europa por dentro e...
O que mina a Europa por dentro é a extrema-direita, que é outro filme. Os nacionalistas e a extrema-direita é que estão a dar cabo do projeto europeu. Estes partidos não estarão bem na nossa família política se não cumprem as regras do Estado de direito democrático. Agora, Orbán e o Fidesz ou o PSD romeno são coisas diferentes.
Corre-se ou não o risco de estes partidos serem votados nos seus países e terem o direito de estar representados na União Europeia - Parlamento, Conselho e Comissão - e irem minando o projeto europeu? Pergunto: como se pode prevenir isso?
Só se pode prevenir isso sendo intransigente em questões que tenham a ver com o cumprimento das regras de Estado de direito democrático, sendo absolutamente intransigente com a normalização da extrema-direita. É inaceitável qualquer tentativa da normalização da extrema-direita, portanto, governos com a extrema-direita dentro do governo ou acordo políticos como aconteceu na Andaluzia. Para mim isso é uma linha vermelha. A Europa tem mecanismos legais que já pôs a funcionar no caso da Polónia e que determinaram alterações de lei no país. O mesmo está em curso em relação à Hungria, e se tiver de acontecer noutros países acontecerá.
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