Fernando Mendes Silva, de 70 anos, comunicou a morte do filho à MEO, apresentando a certidão de óbito, com vista ao cancelamento do contrato de serviço de telecomunicações, para a operadora "deixar de fazer débitos diretos" na conta da vítima, um funcionário da Câmara de Castanheira de Pera que morreu na Estrada Nacional 236-1, nos incêndios de junho.
"Quando recebi a carta fiquei atónito", disse à Lusa Fernando Mendes Silva, que a 07 de julho recebeu a informação da MEO de que iria ser faturada (por débito direto), "a título de penalização", a quantia de 139,32 euros por o cancelamento do contrato decorrer ainda durante o período de fidelização.
A carta foi enviada para a morada de Fernando Mendes Silva, em Figueiró dos Vinhos, mas ainda endereçada ao filho, Fernando Rui.
"Fiz a reclamação, entrei em contacto com um assistente e mandei um e-mail para eles a explicar a situação", disse o pai da vítima, que na segunda-feira recebeu uma mensagem a dizer que "ainda estão a resolver a situação".
Confrontada pela agência Lusa, a MEO escusou-se a prestar qualquer comentário.
"A questão não é os 139 euros. É a atitude", referiu Fernando, criticando a burocracia que tem enfrentado "por tudo e por nada".
Além da situação com a operadora de telecomunicações, Fernando Mendes Silva comunicou à seguradora Fidelidade o falecimento do filho e a destruição total do veículo para anular o débito "de mais seis meses de seguro".
No entanto, "passado um tempo", a seguradora acabou por debitar o valor.
Na terça-feira, após ser confrontada pela agência Lusa, a Fidelidade voltou a contactar Fernando Mendes Silva a pedir "desculpa pelo sucedido" e a referir que iriam devolver a importância que tinham debitado, contou o pai da vítima.
Questionada pela Lusa, a seguradora explicou que "já não conseguiu travar o pagamento da apólice por a mesma se encontrar em processo automático no momento da comunicação da ocorrência", sublinhando que já estava em contacto com o familiar do titular do seguro para "devolver o valor" que tinha sido pago.
O especialista em Direito do Consumo Mário Frota mostrou-se "perplexo" com a situação com que Fernando Mendes Silva se deparou.
"A morte é uma das causas de extinção dos contratos. Os contratos caducam com a morte do titular. Tendo caducado, não há rigorosamente qualquer prestação em dívida", frisou o presidente da Associação Portuguesa de Direito do Consumo (APDC).
Mário Frota, afirmando-se "espantado", sublinhou que a situação "é aberrante".
Sobre o que se deve fazer, o especialista explicou que numa situação destas a pessoa "não deve pagar e deve imediatamente cancelar o débito direto" e apresentar uma reclamação no livro de reclamações, numa das lojas da empresa ou através da via eletrónica.
No caso de telecomunicações, deve depois recorrer ao tribunal arbitral de conflito de consumo (no caso dos concelhos de Pedrógão Grande, Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pera é o tribunal de Coimbra), enviando uma carta a expor a situação.
O recurso a este tribunal é gratuito e evita que as empresas "apresentem uma injunção no Banco Nacional de Injunções", que obriga os familiares a recorrer a advogado.
No Tribunal Arbitral de Conflito de Consumo, apenas será necessário ter uma "apreciação negativa" desse organismo, a dizer que o contrato caducou e que "a pessoa não deve nada".
Já no caso de seguradoras, os familiares podem dirigir-se ao tribunal arbitral competente nessa área, o Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros.
Mário Frota considerou que, seja no caso das vítimas de Pedrógão Grande, seja noutro caso qualquer, as empresas que tomam estas posturas "deveriam ser condenadas pelos danos morais que causam nos familiares".
O incêndio que deflagrou a 17 de junho em Pedrógão Grande (distrito de Leiria) e alastrou a outros concelhos, demorando uma semana a ser extinto, fez 64 mortos, segundo as autoridades.
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