A casa nova é uma doação da empresa de construção civil Mota Engil e integra um lote de mais de cem residências afetadas pelas chamas dos incêndios de há seis meses, que foram parcialmente ou totalmente reconstruídas com o apoio do Estado e de instituições da sociedade civil, e entregues aos respetivos proprietários.
Um pouco por todo o lado nas aldeias afetadas pelos incêndios nos concelhos de Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos são visíveis as obras de recuperação das 264 habitações afetadas pelas chamas.
A Unidade de Missão para a Valorização do Interior (UMVI), que tem coordenado estas operações, refere que a recuperação de mais de uma centena de casas já está concluída, e que as habitações que falta reconstruir “estarão adjudicadas aos respetivos empreiteiros e estarão em obras, provavelmente, até ao final do ano”.
No caso da família Godinho, a entrega da casa, marcada para hoje, é um grande passo para pôr fim a seis meses de angústia, que começaram quando as chamas destruíram a residência familiar, construída aos poucos ao longo de quase 30 anos. O grande fogo calcinou casa e respetivo recheio, destruiu os anexos que guardavam ferramentas e víveres, e matou animais de criação.
A família de quatro pessoas foi dividida e alojada em duas casas de familiares. Desempregado, Joaquim Godinho julgou ter perdido para sempre a sua casa, até que em agosto foi avisado de que a residência seria reconstruída graças a uma doação particular, integrada no fundo REVITA [Fundo de Apoio às Populações e à Revitalização das Áreas Afetadas pelos incêndios ocorridos em junho de 2017].
“A casa [nova] é um bocadinho inferior [à casa anterior], mas pronto, é acolhedora e está muito bem dividida”, disse à Lusa Joaquim Godinho, à porta da nova habitação, onde uma dúzia de operários se afadigam para que esteja tudo pronto antes do Natal. As obras começaram há três meses e deverão estar prontas em tempo recorde.
Joaquim Godinho reconhece o esforço de todos e agradece, sobretudo, à Mota Engil e ao seu principal acionista, o empresário António Mota. “Felizmente, por um lado, tive sorte”, diz o ex-motorista, enquanto faz uma visita guiada à casa nova, uma moradia com tipologia T3, pintada por fora de ocre, com janelas verdes de alumínio.
A casa será mobilada pelo fundo REVITA. Joaquim Godinho espera que sobre algum dinheiro para construir uma estrutura de anexos de apoio à residência: “Não tenho onde meta um saco de batatas, não tenha onde meta ferramentas, não tenho nada. Preciso de uns anexos, não sei se alguém me vai ajudar nesse aspeto”.
A meia dúzia de quilómetros de distância, em Sarzedas do Vasco (Castanheira de Pêra), Maria Fernanda Mendes mostra aos visitantes as obras de recuperação da sua residência, suportadas pela Caritas Diocesana. Maria Fernanda não esconde a satisfação pelo renascimento das traseiras da casa, destruídas pelas chamas, enquanto mostra uma fotografia em formato de cartaz da casa antiga.
“[A reparação] foi feita pela Caritas, que agradeço muito, porque está praticamente bem, só que está uma pinguinha de água aqui a cair, mas a chuva também foi muita e eles têm de rever isso. O resto, só tenho de dizer bem”, diz Maria Fernanda, acompanhada pelo marido, Carlos Mendes.
As obras de recuperação demoraram dois meses e Maria Fernanda não sabe quanto custaram, embora tenha ouvido falar em 50 mil euros. “Até está melhor do que eu tinha”, conclui, lembrando que a sua casa foi uma das que foram visitadas pelo Presidente da República numa das suas deslocações à região.
Maria Fernanda lamenta, no entanto, o atraso na recuperação das 12 casas destruídas na aldeia pelas chamas. Aquela zona foi muito afetada pelas chamas e há a lamentar a morte de cinco pessoas. “Chegam a Sarzedas de São Pedro e viram para trás, não vêm para aqui, ninguém aqui aparece e as obras precisam de ser feitas”, queixa-se. Uma visita ao centro da pequena aldeia permite concluir que há muitas casas onde a recuperação nem sequer começou.
Sem queixas, mas com muitos sorrisos, está Maria do Rosário, 86 anos, moradora no pequeno lugar de Vale Fernandes (Figueiró dos Vinhos), que já recebeu duas vezes a visita do Presidente da República desde que a sua modesta casinha numa colina foi ameaçada pelas chamas, que destruíram anexos, um barracão e mataram animais de criação.
As obras de recuperação quebraram o isolamento da senhora, que vive acompanhada apenas com um filho de pouco mais de 50 anos, com problemas de saúde. Os anexos foram reconstruídos, a eira tem agora uma proteção metálica, a criação de galinhas e coelhos retomada, as visitas dos técnicos da autarquia sucedem-se e o filho começou a receber tratamento médico.
Maria do Rosário fala com entusiasmo de Marcelo Rebelo de Sousa (“gosto muito dele”) e evoca com orgulho as fotografias e as imagens de televisão em que é abraçada pelo Presidente da República, poucas horas depois da tragédia.
“Por acaso, está tudo melhor, [a casa] está pintadinha toda de branco, agora vê-se de longe”, diz Maria do Rosário, que se desfaz em elogios. “Não sei quem é que pagou, mas alguém pagou as obras”, refere, sentada à porta de casa, com vista para o vale, onde a folhagem verde já rebenta entre as árvores queimadas.
Os incêndios que deflagraram na zona de Pedrógão Grande, distrito de Leiria, e Góis, distrito de Coimbra, a 17 de junho, provocaram 66 mortos: a contabilização oficial assinalou 64 vítimas mortais, mas houve ainda registo de uma mulher que morreu atropelada ao fugir das chamas e uma outra que estava internada desde então, em Coimbra, e que morreu em 29 de novembro.
Do incêndio resultaram ainda mais de 250 feridos.
No total foram afetadas 264 casas no incêndio de Pedrógão Grande, o que representa uma estimativa de cerca de 9,7 milhões de euros em obras de recuperação.
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