"Não há mal que sempre dure", resume Eunice Lopes, enquanto tenta controlar um "bando" de seis miúdos irrequietos, à entrada das piscinas da Praia das Rocas. Lá em baixo, a água verde-esmeralda das piscinas encaixadas entre duas albufeiras lembra outras paragens e convida a mergulhos refrescantes. "É um oásis", diz Eunice.
A toda à volta, porém, os montes chamuscados lembram que as chamas andaram por ali, há 15 dias, devastando 55 por cento da mancha florestal do concelho, ameaçando casas e pessoas, e levando morte e desespero a tantos lares.
"Foi muito duro", reconhece o engenheiro florestal José Pais, administrador da empresa que gere a Praia das Rocas. José Pais, que mora numa das encostas da serra, teve a casa ameaçadas pelas chamas, tendo-lhe valido um pequeno bosque de espécies autóctones como carvalhos e castanheiros, que travou a progressão do fogo.
Menos sorte tiveram os vizinhos de Nodeirinho, ali ao lado, em Pedrógão Grande, concelho onde começou o fogo de 17 de junho e que provocou 64 mortos e mais de 200 feridos. Chega-se lá pela EN 236-1, a estrada "onde aquilo aconteceu", como diz Maria Luísa, referindo-se à morte de 47 pessoas, surpreendidas pelas chamas e fumo, naquele dia fatídico.
Em Nodeirinho, pereceram 11 pessoas, a maior parte refugiada dentro de casas que foram consumidas pelas chamas. "Conhecia-as a todas. Todas. Ainda estou para entender como fui poupado", relata José Alfredo Jesus. Sentado numa pedra à sombra do que resta de uma latada, com um par de muletas ao lado, emociona-se ao lembrar o caminho das chamas que consumiram os anexos da residência, destruíram o barracão onde guardava tralha e ferramentas, mas pararam à porta da casa principal. "Deus não quis, só pode ter sido isso", diz.
Duas semanas depois do incêndio, Nodeirinho tenta reerguer-se. Há homens em cima de escadotes, reconstruindo as redes de eletricidade e de telefones. Nas bermas da estrada calcinada há equipas de trabalhadores que retiram ramos e detritos.
Meia dúzia de quilómetros mais à frente, na direção de Castanheira de Pera, o ambiente começa finalmente a aliviar. Aos poucos, o verde recupera a primazia. À entrada da vila, que na terça-feira celebra o dia do Padroeiro, São Domingos, a paisagem muda completamente. O vento transporta os risos das crianças que enfrentam as ondas artificiais na Praia das Rocas. Há guarda-sóis e quedas de água. "As crianças esquecem mais rápido", diz Eunice Lopes.
As chamas andaram perto, foi preciso efetuar operações de manutenção, o empreendimento esteve fechado uma semana.
“O incêndio parecia ter sugado a alegria das pessoas", reconhece uma funcionária das piscinas.
José Pais diz que a afluência às piscinas municipais, uma das principais atrações turísticas da região, é menor do que o habitual para esta época do ano. Mas acredita que as coisas vão acabar por se compor. Em 2016, a Praia das Rocas vendeu 120 mil entradas e acolheu ainda mais gente nas áreas de entrada gratuita, com a esplanada e o bar. Números que dificilmente serão batidos este ano.
"Investimentos como este são muito importantes para devolver a região à normalidade. As pessoas precisam de saber que a zona mais verde do concelho permanece intacta e é aí que se situam as principais atrações", explica José Pais.
O engenheiro florestal acredita que o turismo é a chave para "repor a normalidade" e desafia os portugueses a expressarem a solidariedade visitando a região.
"E já que estou em maré de desafios, lanço um repto aos grupos hoteleiros portugueses para que invistam numa unidade de quatro estrelas que sirva os concelhos de Pedrógão, Figueiró dos Vinhos e Castanheira, onde não existe nada do género", diz José Pais, que acredita que "a estratégia florestal é sobretudo uma estratégia territorial".
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