O anúncio - feito a partir do Palácio de São Bento e depois de comunicado ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa - é o culminar de uma tensão crescente, depois de, ontem à noite, a comissão parlamentar ter aprovado a contagem integral dos nove anos, quatro meses e dois dias de tempo de serviço congelados.
A esta notícia, seguiu-se a convocatória do primeiro-ministro para uma reunião urgente do Governo esta manhã e subsequentes acusações por parte dos partidos de dramatização, de criação de uma crise artificial, de golpe de teatro e de eleitoralismo.
A votação final em plenário no parlamento deve acontecer até 15 de maio, quando a Assembleia da República interrompe trabalhos devido à campanha para as eleições europeias no final do mês. Mas antes dessa (potencialmente) derradeira data, interessa compreender como tudo começou.
Porque se abriram negociações específicas entre professores e Governo?
Com o Orçamento do Estado para 2018, a maioria dos trabalhadores da função pública viu contabilizado o tempo de serviço congelado desde 2011 com base na atribuição de um ponto por cada ano congelado.
Um modelo simplificado que não se pode aplicar aos professores, que progridem na carreira com base em três aspetos cumulativos: o tempo de serviço, a avaliação qualitativa e o cumprimento legal da formação contínua exigida na carreira.
Os professores têm também, à semelhança de outras carreiras na função pública, um estatuto especial, sendo regulados por um diploma legal próprio.
A que entendimento chegaram professores e Governo em novembro de 2017?
Depois de uma maratona negocial com o Governo, cuja última reunião durou mais de 10 horas, os sindicatos saíram do encontro assumindo que não tinham conseguido chegar a acordo, mas tinham assinado uma “declaração de compromisso” para a recuperação do tempo de serviço.
Para os professores não havia dúvidas de que seriam recuperados nove anos, quatro meses e dois dias, ficando para 2018 as negociações para definir de que forma seria feita a recuperação.
Porque terminaram sem acordo as negociações?
Depois de um arranque em dezembro de 2017 na expectativa de ter apenas que negociar “o prazo e o modo” no que diz respeito à recuperação do tempo de serviço congelado, os sindicatos chegaram a junho de 2018 com o ministro da Educação a pôr fim às negociações, retirando, inclusivamente, de cima da mesa a proposta do Governo para contar dois anos, nove meses e 18 dias, que os sindicatos sempre se recusaram aceitar.
Entendem os professores que a contagem do tempo de serviço integral ficou estabelecida na própria declaração de compromisso de novembro, na lei do Orçamento do Estado para 2018 e numa resolução da Assembleia da República de janeiro de 2018, que mereceu a aprovação de todos os grupos parlamentares.
O ministro da Educação afirmou que sem acordo “ficava tudo na mesma”, mas um dia depois, no debate quinzenal no parlamento, o primeiro-ministro, António Costa, desdisse o seu ministro e voltou a abrir a porta às negociações, referindo que, se os sindicatos estivessem disponíveis para voltar à mesa negocial, a proposta do executivo continuava em cima da mesa.
As negociações foram retomadas em setembro, mas voltariam a terminar sem acordo, já que nenhuma das partes cedeu e o Governo insistiu, na sua proposta de Orçamento do Estado para 2019, em manter o tempo de recuperação de serviço em dois anos, nove meses e 18 dias.
Com o PS isolado, o parlamento decidiu contrariar o Governo e inscreveu novamente no Orçamento do Estado uma norma semelhante à que constava no exercício anterior, determinando a negociação do prazo e do modo para a recuperação do tempo de serviço, tendo em conta a sustentabilidade dos recursos do Estado.
Governo e docentes voltaram a sentar-se à mesa na semana passada para novas negociações, mas o executivo mais uma vez não cedeu e o Conselho de Ministros aprovou o diploma com a recuperação parcial do tempo de serviço, enviando-o de seguida para promulgação.
O que fez o Presidente da República?
Começou por vetar o primeiro diploma e devolveu-o ao executivo por entender que era preciso cumprir o Orçamento do Estado para 2019 que obrigava a que o diploma fosse “objeto de processo negocial”.
Já este ano, o Governo agendou novas negociações com as estruturas sindicais dos professores e que terminaram em março sem acordo. O diploma de recuperação de dois anos, nove meses e 18 dias do tempo congelado entre 2011 e 2017 foi aprovado em Conselho de Ministros a 07 de março e promulgado pelo Presidente a 11 de março. Marcelo Rebelo de Sousa justificou a decisão dizendo que assim garantia que os professores recuperavam pelo menos uma parte do tempo de serviço congelado em 2019.
O que fez a Assembleia da República?
Depois de promulgado pelo Presidente da República, PSD, Bloco de Esquerda e PCP, CDS-PP e Verdes anunciaram a apreciação parlamentar do diploma para introduzir alterações que garantam as reivindicações dos professores.
Em sede de especialidade, PCP e BE à esquerda e PSD e CDS-PP à direita deixaram o PS isolado e aprovaram juntos alterações que consagram que o tempo a ser contado são nove anos, quatro meses e dois dias, e não apenas os dois anos, nove meses e 18 dias que o Governo pretendia devolver.
Aprovaram ainda que essa parcela de tempo – os cerca de três anos – serão devolvidos até 2020, mas com efeitos a janeiro de 2019, e que o tempo congelado não poderá ser contado para efeitos de aposentação, negando aos sindicatos uma das suas exigências.
O tempo remanescente aos cerca de três anos, ou seja, cerca de 6,5 anos de tempo de serviço serão devolvidos de acordo com o que for acordado entre sindicatos e Governo, em novas negociações a retomar em 2020, das quais deve sair um calendário para a recuperação total do tempo de serviço.
O que fez o Governo?
Numa declaração ao país a partir do Palácio de São Bento, o primeiro-ministro ameaçou apresentar a demissão do Governo se as propostas de alteração ao decreto do Governo aprovadas em sede de especialidade sejam aprovadas em votação final no plenário da Assembleia da República, colocando a pressão do lado dos partidos sobre o desencadear de uma eventual crise política.
Logo depois de conhecidas as implicações das alterações aprovadas no parlamento o primeiro-ministro convocou o Governo para uma reunião de urgência e duas horas antes da declaração ao país reuniu-se com o Presidente da República, a quem deu conhecimento da sua intenção. Vários ministros fizeram declarações no sentido de dramatizar os impactos da decisão do parlamento, dizendo que estava em causa a governabilidade.
O que fizeram os partidos que aprovaram a contagem integral?
PSD, PCP, CDS-PP e BE fizeram declarações no mesmo sentido, acusando o Governo de promover uma crise artificial, de montar uma farsa ou um golpe de teatro e de agir em nome de calculismo eleitoral. O CDS desafiou o Governo a apresentar uma moção de confiança.
Do lado do PS, que apoia o Governo, Carlos César, líder parlamentar dos socialistas, considerou difícil repetir o modelo da ‘geringonça’ se PCP e BE não retomarem “o sentido de responsabilidade”.
Que efeitos teve a aprovação da contagem integral do tempo de serviço para os professores nas outras carreiras?
As centrais sindicais vieram pedir tratamento igual dado aos professores para as outras carreiras da função pública que também estiveram congeladas.
Quanto custa a contagem do tempo de serviço dos professores?
O custo é um dos maiores pontos de discórdia entre Governo e sindicatos. Segundo o Governo, a recuperação de menos de três anos de tempo congelado tem um custo anual aproximado de 200 milhões, mas a contagem dos nove anos, quatro meses e dois dias tem um custo estimado pelas Finanças de 635 milhões de euros.
O que acontece à luta dos professores?
Os professores tinham previsto avançar com greves às aulas durante o 3.º período assim como às avaliações e com uma manifestação nacional a 5 de outubro, véspera das eleições legislativas, que coincide com o Dia Mundial do Professor, caso até lá não fossem acolhidas as suas reivindicações.
Todavia, com a decisão do parlamento, os sindicatos disseram que vão avaliar “com mais cuidado” o que foi decidido, remetendo para a próxima semana uma decisão sobre as ações de luta que estavam em cima da mesa.
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