Na apresentação do Plano de Recuperação e Resiliência, António Costa começou por frisar que Portugal vai apenas recorrer integralmente aos 15,3 mil milhões de euros em subvenções a fundo perdido do Fundo de Recuperação, não fazendo tenções de utilizar os empréstimos disponibilizados pela União Europeia dada a situação financeira do país.

No início deste mês, numa sessão do PS realizada em Coimbra, António Costa já tinha dito que Portugal iria procurar "maximizar" o recurso às subvenções e "minimizar" a necessidade de empréstimos em termos de acesso às verbas do Plano de Recuperação e Resiliência da União Europeia, que mobiliza um total de 750 mil milhões de euros, entre subvenções e empréstimos.

Hoje, o primeiro-ministro foi um pouco mais longe.

"Portugal tem uma dívida pública muito elevada e assume sair desta crise mais forte do ponto de vista social, mas também mais sólido do ponto de vista financeiro. Por isso, a opção que temos é recorreremos integralmente às subvenções e não utilizaremos a parte relativa aos empréstimos enquanto a situação financeira do país não o permitir", frisou o líder do executivo nacional.

O primeiro-ministro afirmou também que Portugal quer ser um dos primeiros países a acordar com a Comissão Europeia o seu Plano de Recuperação e Resiliência, dizendo que o país "tem de estar na linha da frente".

Numa intervenção com cerca de 40 minutos, o primeiro-ministro disse que o calendário do seu Governo é o de aprovar o Programa de Recuperação e Resiliência do país em 14 de outubro, entregando no dia seguinte, a 15, o primeiro "draft" à Comissão Europeia.

"Queremos ser dos primeiros países a fechar o acordo com a Comissão Europeia. Queremos fazê-lo porque queremos estar na linha da frente neste trabalho pela resiliência e pela recuperação da Europa", justificou.

Para António Costa, é essencial que Portugal se coloque "na linha da frente", porque a recuperação do país também tem de ser a primeira prioridade.

"Ao mesmo tempo que temos de controlar a pandemia, temos de ser capazes de recuperar a nossa economia, proteger os empregos, recuperar os empregos perdidos e recuperar rendimentos que estão a ser perdidos. Temos de recuperar a trajetória de convergência que tínhamos com a União Europeia", sustentou António Costa no seu discurso que encerrou uma sessão de uma hora e meia e que tinha sido aberta pela presidente da Fundação Champalimaud, Leonor Beleza.

No seu discurso, o primeiro-ministro acentuou que Portugal está perante "um desafio crucial" para o seu futuro.

"Temos de enfrentar este desafio com a convicção de que recuperar não significa voltar onde estávamos. A nossa ambição não pode ser a de chegarmos ao fim e estarmos onde estávamos em fevereiro deste ano. Temos de sair desta crise mais fortes, mais resilientes dos pontos de vista social, do potencial produtivo e da competitividade territorial", sustentou.

De acordo com o líder do executivo, se Portugal acelerar os processos de transição climática e digital, "será um país mais prósperos, com melhores condições para a nova geração".

"E é para a nova geração que este plano da União Europeia foi concebido", acrescentou, hum discurso em que também repetiu os elogios que fizera na véspera ao mandato da germânica Ursula von der Leyen na presidência da Comissão Europeia.

Além da apresentação do Plano de Recuperação e Resiliência, o primeiro-ministro falou também sobre a "prioridade ao pilar social" da presidência portuguesa do Conselho a partir de 1 de janeiro, relembrando que a cimeira de chefes de Estado e de Governo do Porto, nos dias 7 e 8 de maio do próximo ano, será precisamente sobre esse tema.

Da saúde à ferrovia: os projetos em que o plano vai incidir

Na parte do discurso sobre a seleção dos projetos que o Governo português tenciona colocar no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência, além da questão dos prazos (apertados) de execução até 2026, António Costa defendeu que a prioridade "vai para os projetos com duplo efeito".

"Projetos que possam contribuir para a mobilização imediata da economia, visando combater o desemprego, mas também devem ter um efeito estrutural. Cada investimento deve corresponder a uma reforma que mude a perspetiva do futuro do país", advogou.

Perante uma plateia com autarcas, representantes dos governos regionais e de parceiros sociais, António Costa frisou também que os projetos no quadro do plano "devem ser executados em parcerias com as autarquias, com o terceiro setor, com as empresas e com as universidades e politécnicos".

"Um plano que tem um prazo tão exigente de execução, se for executado centralmente pelo Estado, então é impossível de cumprir até 2026", justificou o primeiro-ministro.

A partir do quadro de elegibilidades apresentado pela Comissão Europeia, António Costa destacou depois a circunstância de pertencer ao executivo nacional a definição das prioridades para responder "a três dimensões fundamentais: Enfrentar as maiores vulnerabilidades sociais do país, aumentar o potencial de crescimento, e reforçar a competitividade e a coesão territorial".

"Portugal tem várias vulnerabilidades sociais. Identificámos três como prioritárias para este plano: O reforço da capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde e das instituições de solidariedade para idosos, com a conclusão até 2026 da rede de cuidados continuados integrados; a habitação; e a erradicação da pobreza na periferia das principais cidades do país", apontou.

Outra parte do discurso do primeiro-ministro foi dedicada à questão do aumento do potencial produtivo do país, com uma aposta na reindustrialização, através do reforço das qualificações da população ativa, com maior investimento na inovação.

Além de defender uma modernização do Ensino Profissional e a existência de programas específicos para reforçar as formações superiores nas áreas das ciências, tecnologias, artes e matemáticas, António Costa considerou igualmente essencial o desenvolvimento de "uma agenda de reindustrialização".

"Temos de colocar em conjunto os centros de produção de conhecimento, as autarquias locais e as empresas, porque esse triângulo virtuoso é fundamental para valorizar economicamente o melhor da produção de conhecimento que o país tem, para territorializar esses mesmos centros de produção de conhecimento e para que haja empresas que são capazes de produzir em Portugal para o mercado global novos produtos e novos serviços", advogou.

Na perspetiva do líder do executivo, em Portugal, em termos de discurso político, fala-se bastante na necessidade de se captar investimento direito estrangeiro.

"Isso é fundamental, Portugal é um país aberto a todo o investimento direito estrangeiro. Mas, para além do investimento direto estrangeiro, temos de valorizar o investimento que fizemos no enorme capital de conhecimento que o país gerou. A cientista portuguesa Elvira Fortunato recebeu um prémio de investigação da Comissão Europeia na semana passada. Ora, não sei se temos cem Elviras Fortunatos, mas há em todas as nossas universidades e politécnicos um enorme potencial que já está suficientemente maduro para o valorizarmos economicamente", defendeu.

Ou seja, para o primeiro-ministro, para Portugal ter "uma economia diversificada e com maior valor acrescentado, com mais e melhores salários e que trave os riscos de emigração da sua geração mais qualificada, então o país tem de possuir empresas mais competitivas".

"Isso acontece nas indústrias tradicionais, mas pode e deve acontecer em novas áreas industriais sobretudo para acelerar as transições digital e climática", referiu, numa intervenção em que voltou a preconizar o desenvolvimento no país do "cluster" da ferrovia.

"Portugal pode servir de exemplo para os outros países europeus" defende Von der Leyen

Durante a sua intervenção, Ursula Von de Leyen começou por destacar Lisboa como o local certo para falar dos planos de recuperação e resiliência europeus pois "o passado e o presente Portugal e de Lisboa podem ser o guia para o futuro da Europa".

Destacando desde o clima de startups nacionais e dos feitos desportivos dos atletas portugueses às paisagens naturais de Portugal, a presidente da Comissão Europeia descreveu o país como tendo "uma mistura perfeita de modernidade e tradição".

Elogiando a forma como os portugueses "responderam com responsabilidade, humildade e solidariedade à pandemia" e também a "a decisão histórica em garantir direitos de cidadania a migrantes e requerentes de asilo para obterem cuidados de saúde", Ursula Von de Leyen disse que Portugal não só foi um exemplo no combate à pandemia, como pode sê-lo durante a recuperação.

Agradecendo a António Costa pelo seu papel no histórico acordo de apoio aos estados membros para combater a crise económica provocada pela pandemia, a presidente da Comissão Europeia destacou como as prioridades de Portugal são as mesmas do "Next Generation EU", o plano de recuperação e resiliência da União Europeia

“Portugal não está só bem colocado para tirar o máximo do ‘Next Generation EU’, como pode dar um ‘blueprint’ [projeto] para os outros”, disse Ursula von der Leyen, apontando como exemplo o “forte ênfase nas reformas” do programa europeu que encontra, em Portugal, um país com “enorme experiência” de reformar.

Von der Leyen evocou o terramoto de 1755, ocorrido numa fase “de grande mudança e progresso na Europa”, como “exemplo de renovação e recuperação” em tempos de pandemia, também ela ocorrida num momento de “profundas mudanças na Europa” como as transições energética e digital.

“A necessidade de voltarmos a levantar-nos é hoje tão importante como no séc. XVIII”, afirmou, admitindo que “os tempos são diferentes” e exigem “formas de fazer as coisas diferentes”, mas destacando que o plano de recuperação de Portugal “espelha as prioridades” do fundo de recuperação europeu (Next Generation EU).

Daí parte importante do plano europeu ser o investimento “na sociedade de amanhã”, em que, disse, Portugal tem vantagem pelos investimentos que fez “sobretudo na transição verde e digital”.

No plano ambiental, Von der Leyen deu como exemplo os incêndios florestais a que “Portugal está infelizmente habituado”, que aumentaram de frequência e intensidade devido às alterações climáticas.

“Isto é só o princípio [dos efeitos] das alterações climáticas. Há uma necessidade urgente de agir, mas também uma enorme oportunidade para todos os que investirem cedo na transição”, disse.

A terminar a intervenção, a presidente da Comissão elogiou a “extraordinária responsabilidade e resiliência” dos portugueses à pandemia, como antes à crise económica e financeira, ou antes mesmo, ao longo da história.

“Portugal é um país de grandes exploradores […] Um país que sempre navegou em águas não cartografadas ‘Por mares nunca antes navegados’, para citar o grande Luís de Camões. Não posso pensar num país melhor para nos guiar por esta tempestade e para rumar ao nosso futuro”, concluiu Ursula von der Leyen.

Para esta sessão de apresentação do Plano de Recuperação e Resiliência, por António Costa, e do Plano de Recuperação da União Europeia, por Ursula von der Leyen, foram convidados representantes das 27 comunidades intermunicipais, das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, da Associação Nacional dos Municípios Portugueses e da Associação Nacional de Freguesias.

O plano português, cujas linhas gerais foram apresentadas no passado dia 21 aos partidos e debatidas no parlamento na quarta-feira passada, mereceu críticas da esquerda à direita, com as forças políticas a mostrarem-se contudo disponíveis para dar contributos.

De acordo com o compromisso alcançado em julho passado, Portugal receberá 15,3 mil milhões de euros em subvenções (a fundo perdido), incluindo 13,2 mil milhões de euros, até 2023, através do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, o principal instrumento do Fundo de Recuperação.

Na segunda-feira, numa conferência de imprensa conjunta do primeiro-ministro e da responsável política alemã, António Costa fez rasgados elogios à presidente da Comissão Europeia.

"Ursula von der Leyen tem conduzido a União Europeia de forma exemplar num momento tão difícil no atual quadro de pandemia que tem atingido duramente a Europa. Sob o impulso da Comissão, a forma como a União Europeia tem enfrentado esta crise é um exemplo de como a união faz a força e reforça a capacidade de todos de podermos estar à altura desta crise", sustentou o primeiro-ministro.

Na mesma conferência de imprensa, que antecedeu um jantar de trabalho em São Bento, o primeiro-ministro também pediu "noção de emergência" para se feche o mais rapidamente possível o programa de recuperação europeu e disse esperar que os processos de ratificação pelos Estados-membros não comprometam os avanços já registados.