Terri Rote é uma apoiante do republicano Donald Trump que votou duas vezes "por estar preocupada" que o seu boletim de voto fosse parar à campanha da democrata Hillary Clinton.
Alguns estados como o Iowa permitem o voto antecipado e foi o que fez Rote no final de outubro. Presa pelo duplo voto, foi libertada após uma fiança de 5.000 dólares e deve regressar a tribunal a 7 de novembro.
Rote sustenta as declarações do seu candidato, Trump, de que as eleições serão fraudulentas, exceto se ele triunfar.
Mas pode isso suceder, uma fraude eleitoral num país democrático? Sim. Existem pelo menos três momentos em que pode ocorrer uma "falsificação" dos resultados eleitorais nos EUA.
O primeiro momento da potencial fraude eleitoral
Este já está a ocorrer antes do dia das eleições, com os votos antecipados, seja como sucedeu com Rote ou com a manipulação para impossibilitar o voto.
A campanha de Trump tem jogado nesse campo das declarações de factos improváveis, exagerando uma tendência dos republicanos com mais de duas décadas.
A "movimentação moderna" para "persuadir os americanos de que os democratas manipulam eleições começou com a administração de George W. Bush", após as eleições em 2000.
Bush ordenou então "ao Departamento de Justiça que descobrisse e processasse tantos casos de fraude eleitoral quantos pudesse encontrar. Na realidade, houve apenas um punhado de genuínos casos de fraude eleitoral em todo o país. Mas Bush demitiu os procuradores dos Estados Unidos que não conseguiram encontrar eleitores fraudulentos para processar, sinalizando aos procuradores do Departamento de Justiça que os seus empregos dependiam de erradicar a inexistente fraude".
Assim, entre 2002 e 2006, a administração Bush conseguiu 86 acusações de fraude eleitoral perante cerca de 200 milhões de votos. Em paralelo, segundo um estudo da Loyola Law School, citado pelo The Guardian, "só ocorreram 31 casos de votantes" que se fizeram passar por outra pessoa "em mais de mil milhões de votos entre 2000 e 2014".
Ari Berman, autor do recente "Give Us the Ballot: The Modern Struggle for Voting Rights in America", explica que "Trump apenas atirou gasolina para um fogo que já estava a arder". Ele lembra que, "durante quase duas décadas, os republicanos têm insistido - sem qualquer prova - de que os democratas estão a roubar as eleições. A ideia foi sempre ganhar uma vantagem eleitoral impedindo que a crescente demografia democrata vote".
O mesmo Berman escreveu como, no estado do Wisconsin, alguns eleitores (afro-americanos ou latinos na sua maioria) estavam a ser prejudicados na obtenção de um documento que lhes permitisse votar.
Como os EUA não têm bilhete de identidade, a carta de condução serve como documento elegível para as eleições - não fosse a entidade estatal pela emissão desse documento se atrasar perante os recente pedidos para os disponibilizar a tempo das eleições, apesar das declarações oficiais em sentido contrário.
Há também estados que estão a dificultar o voto de apoiantes de Clinton, de forma estranha para um português.
Por exemplo, na Carolina do Norte, "qualquer um pode revogar os direitos de voto de outra pessoa sem o seu conhecimento". Basta enviar uma carta para o endereço postal do votante e registar as que são devolvidas, prosseguindo depois com uma nova missiva postal a informar que, face à mudança de residência, foram removidos dos cadernos eleitorais.
A estratégia foi usada pelos republicanos para remover "milhares de eleitores, a maioria deles democratas negros", levando o Departamento de Justiça norte-americano a confirmar a existência dessa "supressão ilegal de votantes".
Não se percebe como foram escolhidos esses eleitores mas sabe-se que, "numa recente purga, mais de 65% dos eleitores removidos eram negros, apesar das pessoas negras representarem apenas 25,9% da população" local.
Noutra notícia sobre este estado, soube-se que apenas um elemento do Partido Republicano no condado de Moore foi responsável pelo sucesso na supressão de 400 potenciais eleitores.
No Texas, onde o último democrata a triunfar foi Bill Clinton em 1992, os votantes defrontaram-se também com a necessidade de apresentar um documento de identificação válido, apesar de esse requerimento ter sido invalidado por um tribunal em agosto passado (basta ao eleitor assinar uma declaração a atestar a sua identidade).
O dia da eleição
O segundo momento propício à fraude eleitoral decorre no próprio dia da eleição, a 8 de novembro.
De facto, o voto está a ser antecipado para evitar confrontos que podem impedir a ida às urnas de certas pessoas. Mas isso está também a antecipar estratégias de milícias e grupos extremistas, como o National Socialist Movement, fações do Ku Klux Klan e o nacionalista American Freedom Party.
As milícias armadas estão a preparar-se para o caso de uma vitória de Clinton. "Eles dizem que não vão disparar o primeiro tiro mas também não vão deixar as suas armas em casa".
Grupos como os Oath Keepers ou os Three Percent Security Force, que ressurgiram com as declarações de Trump, querem ter os seus membros a vigiar os locais de votação. Segundo o Southern Poverty Law Center (SPLC), no ano passado, existiam 276 milícias ativas, perante as 42 registadas em 2008. Em 2015, esta organização não-governamental registou 892 grupos "ativos de ódio" nos EUA.
Andrew Anglin, editor de um site neo-nazi, diz estar a preparar a vigilância das eleições com câmaras escondidas nos locais de voto. Em Filadélfia, pretende "fornecer bebidas alcoólicas e marijuana ao 'ghetto' da cidade", no dia das eleições, para "persuadir os residentes a ficarem em casa".
"A possibilidade de violência no próprio dia ou próximo do dia da eleição é real", segundo Mark Potok, do SPLC, porque Trump "tem dito aos seus partidários há semanas, semanas e semanas que eles estão prestes a ter a eleição roubada pelas forças do mal em nome das elites".
E depois das eleições?
A última potencial movimentação fraudulenta para ganhar as eleições ocorre na contagem dos votos.
A gestão federal importa quando 31 dos 50 estados são atualmente liderados por republicanos - mas é improvável uma manipulação a esse nível.
"Cerca de 75% dos votos em eleições federais têm uma cópia em papel e a maioria das máquinas de votação eletrónica não está ligada à Internet - embora tenham outras falhas e possam ser vulneráveis a adulterações. Mas a fraude eleitoral para mudar uma grande eleição - seja pela adulteração, compra de votos ou má gestão oficial - atrairia rapidamente a atenção pela sua escala necessariamente grande".
As declarações de Trump sobre a perda das eleições por fraude ocorreram na Pensilvânia. "A única maneira de perdermos, na minha opinião - e eu estou a falar a sério, Pensilvânia - é se a fraude continuar", disse.
Porquê a Pensilvânia? Foi um estado em que os republicanos perderam em 2008 (na altura, com o candidato Mitt Romney), alegadamente "devido a fraude". Mas também porque é um "swing state" (onde não é claro antecipadamente qual a intenção de voto) e onde as máquinas eletrónicas de voto são utilizadas sem registo em papel do voto.
Numa eleição em que existem votos antecipados, votos por correio, incluindo o eletrónico, e com máquinas de votação, quem quiser atacar os resultados só tem de se preocupar com os estados "swing state" que podem influenciar o vencedor, explica Mat Gangwer, da empresa de segurança Rook Security. Até porque atacar a infraestrutura dispersa dos resultados eleitorais "diretamente torna a tarefa de 'hacking' praticamente impossível", segundo o FBI.
"Se eu fosse um hacker, não atacaria os sistemas de voto", dizia também Amol Kabe, vice-presidente de gestão de produto da empresa de segurança Netskope. "Esperava até os dados das votações estarem agregados e depois 'hackava' esses dados".
No entanto, no final de setembro, o diretor do FBI, James Comey, revelou existirem ataques aos sistemas de registo de eleitores. As atividades de "scanning" podem ser um "preâmbulo para potenciais atividades de intrusão", antecipou Comey (um republicano que se viu envolvido em polémica por lançar publicamente uma nova investigação sobre Hillary Clinton).
Era também o que faria Carson Sweet, responsável técnico da empresa de segurança CloudPassage. Para alterar a votação em estados relevantes, iria "comprometer as bases de dados online dos eleitores antes das eleições". Isto não pode ser feito de forma generalizada - era um "pandemónio" -, mas feito de forma "consistente" e discreta, obviamente.
"A próxima eleição presidencial dos EUA pode ser manipulada e sabotada, e podemos nunca saber que isso sucedeu", explicava a Computerworld, antecipando que técnicos informáticos serão requisitados para analisar as máquinas eletrónicas de voto em caso de suspeita de fraude eleitoral.
Os resultados podem ser ínfimos ou, como diz Daniel Lopresti, do Computer Science and Engineering Department da Lehigh University na Pensilvânia, "não há forma de confirmar que se pode acreditar nos resultados de uma máquina".
Dois vencedores ou perdedores?
A dificuldade ocorre também em acreditar em dois candidatos com personalidades tão opostas, que instalaram a dúvida, pelos seus atos ou omissões. E, perante a dúvida, o lado perdedor nas eleições arranjará argumentos para sustentar a sua derrota eleitoral e fragilizar o vencedor.
Um interveniente inesperado destas eleições, Vladimir Putin, ironizou em outubro sobre quem teria feito um ciberataque para conhecer os e-mails de Hillary Clinton no Partido Democrata. Ser ou não a Rússia é "histeria" com o sentido de "distrair os americanos daquilo que os hackers descobriram: 'a manipulação da opinião pública'".
Certo é que para qualquer um dos dois finalistas, apesar dos outros candidatos de que pouco se fala, a próxima terça-feira (após a primeira segunda-feira de Novembro) revelará um presidente dos EUA a braços com a justiça, seja pelos casos sexuais de Donald Trump ou pelos e-mails de Hillary Clinton.
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