No mesmo dia em que a Agência Portuguesa do Ambiente deu luz verde ao aeroporto o Montijo, várias organizações ambientalistas anunciaram que irão recorrer aos tribunais e à Comissão Europeia para impedir que a obra avance.

Todas elas consideram que o Aeroporto do Montijo vai "contra as leis nacionais, as diretivas europeias e os tratados internacionais". O comunicado é assinado por oito organizações: Almargem, ANP/WWF, A Rocha, GEOTA, LPN, FAPAS, SPEA e Zero.

Num dos pontos, é referido que "as falhas na informação apresentada levam as associações a questionar a forma como a própria segurança das operações aéreas está a ser avaliada, dado o risco posto por espécies que não foram devidamente estudadas", como é o caso dos milherangos ou das íbis-pretas que invernam no local.

Ao SAPO24, Joaquim Teodósio, coordenador de conservação terrestre da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), refere que estas duas espécies foram escolhidas "pelo seu simbolismo em termos da área".

"São duas espécies de aves aquáticas ou limícolas, que utilizam estas zonas de sapal e de estuário e que têm vindo a ser cada vez mais relevantes no Estuário do Tejo, o que se verifica pelo número de aves que todos os anos têm vindo a ser ali observadas", começa por explicar. "São espécies migradoras, que utilizam o estuário durante o período de invernada. Passam aqui o inverno e depois vão reproduzir-se na primavera e no verão para outros sítios, principalmente para o norte e centro da Europa.

A nível de números, estas aves "têm populações de grande dimensão", estimando a SPEA que existam cerca de 50 mil indivíduos de cada espécie, registados no último ano. "São espécies que têm estado em expansão na Europa e que têm estado a aumentar a sua presença no estuário do Tejo no inverno, todos os anos", diz.

Para Joaquim Teodósio, há uma "falha de rigor no estudo que foi apresentado", uma vez que existem várias implicações que não foram consideradas. Com ele estão todas as organizações que assinam o comunicado divulgado.

"Podemos considerar antigos os dados que são utilizados no Estudo de Impacte Ambiental, uma vez que muitos deles são oriundos de trabalhos de campo de 2002 e 2003. Nessa altura estas espécies de aves ainda eram avistadas em números muito pouco significativos. São espécies que circulam em grandes bandos, neste momento", refere.

Aves vs aviões

Existem, portanto, dois cenários a ter em conta: a interação das aves com os aviões e as alterações no espaço natural das espécies.

No caso dos milherangos e das íbis-pretas, que são espécies de médio porte, é necessário "considerar muito bem a possível interação com voos", o chamado birdstrike, ou seja, a possibilidade de colisão entre os aviões e uma ou mais aves, com prováveis danos.

"Isto aumenta bastante os riscos de segurança para as aeronaves que ali possam cruzar. E é um exemplo que nós achamos bastante indicativo da falta de dados atuais e de robustez a nível da caracterização da avifauna e de tudo o que está decorrente disso", refere.

Por outro lado, "é preciso ver a dimensão das espécies que serão perturbadas, a perturbação que irá decorrer da operação dos aviões na zona da reserva natural, o número de espécies que irá sofrer com esse impacto". Contudo, "a questão da perturbação [do aeroporto] para as espécies migradoras ou para as espécies que ocorrem no estuário é muito difícil de quantificar", pelo que "deveria ser evitado ao máximo modificar o seu habitat", defende Joaquim.

"Estamos a falar de espécies que utilizam o estuário durante o período de invernada ou como paragem durante as suas migrações para reabastecer e recuperar energia para voos que podem ser de centenas de quilómetros ou milhares. Por isso é que o estuário é protegido, para que possam ter ali repouso e alimento para depois fazer estes voos tão longos", reforça. "Se elas tiverem de ser constantemente perturbadas, se tiverem de procurar sítios de menor qualidade, possivelmente vão sofrer maior mortalidade durante as suas migrações e isso irá também afetar depois as zonas para onde elas se vão reproduzir. Mesmo os esforços de conservação que são feitos noutros países podem depois ficar condicionados pela perturbação que elas vão sofrer em Portugal, no estuário do Tejo".

A solução, para quem se debruça sobre estes assuntos, mostra-se fácil: "são tudo coisas que têm de ser devidamente analisadas e avaliadas e, se não houver informação suficiente ou se for impossível obtê-la, deveremos evitar avançar. Devemos utilizar o princípio da precaução: é melhor não arriscar do que estar a jogar quer com questões de conservação, quer com a questão da segurança dos aviões e com os problemas que isso traz", reflete.

Além disso, "as medidas de compensação que foram propostas [para balançar estes problemas] não vão compensar seja lá o que for, porque também não é demostrado de que forma é que realmente vão ter sucesso e, além disso, muitas delas já são obrigações do Estado português quanto à conservação daquelas áreas, que estão também classificadas como Rede Natura 2000, por terem importância a nível europeu", realça Joaquim Teodósio.

As restantes críticas

A problemática da Declaração de Impacte Ambiental não diz respeito apenas às aves. Joaquim explica que, na verdade, as associações que querem travar a construção do aeroporto estão "contra o processo de seleção, que não houve. Este é um estudo avulso, feito ali para o Montijo, quando deveria ser realmente uma avaliação ambiental estratégica para toda esta solução do aeroporto de Lisboa", diz.

Por isso, devia ter "as diferentes opções, as diferentes alternativas de localização, sejam aeroportos complementares, sejam um aeroporto novo. Isso é que deveria ser feito, porque só com um estudo comparativo devidamente fundamentado — com dados atuais, com uma boa análise do que são os impactos de cada uma das soluções — é que poderíamos ficar seguros de escolher a melhor opção".

Neste caso, as associações ambientalistas defendem que "o próprio estudo não dá uma garantia de ser uma boa opção e, sendo a única hipótese que foi colocada na mesa, acaba por não ter uma boa fundamentação técnica".

"Não é só na questão das aves, é também a nível da saúde pública, do ruído, da poluição, dos riscos para a operação dos aviões, do próprio local de implementação do aeroporto a nível do que se tem falado de geologia, dos sedimentos que ali ocorrem", começa por enumerar Joaquim. Mas a lista continua. "Também há a questão da subida do nível médio do mar, da próprio ordenamento [do aeroporto] e de como isso irá afetar tudo o que são estruturas que possam vir a surgir perto e isso é completamente omisso neste estudo que foi apresentado", reforça.

Travar o aeroporto

As oito associações de ambiente encontram-se, neste momento, a trabalhar em conjunto para tentar travar a construção do aeroporto dadas as condições. Joaquim Teodósio explica o que está a ser feito e o que fica em calha para depois.

"Estamos a preparar uma queixa para o tribunal em Portugal contra este processo, pela forma como está a ser levado a cabo, seguido de uma queixa para a Comissão Europeia. Tendo em conta a possibilidade de os trabalhos poderem vir a começar num futuro breve, também equacionamos providências cautelares ou o que for necessário para que se tenha tempo de encontrar realmente a melhor solução" para a construção de um aeroporto, diz.

"Parece-nos que esta teimosia de forçar o Montijo ainda vai atrasar mais a encontrar uma solução adequada para esta questão tão estratégica a nível nacional", remata.


Algumas das espécies relevantes no estuário do Tejo, segundo dados fornecidos pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves:

Aves no estuário para invernada: Alfaiate; Milherango; Tarambola-cinzenta; Pato-trombeteiro; Garça-branca-pequena; Ganso-comum; Marrequinha Anas crecca; Sisão; Ibis-preta.

Aves no estuário para reprodução: Garça-vermelha; Pernilongo; Perdiz-do-mar.

Aves no estuário de passagem: Flamingo; Maçarico-de-bico-direito.

Outras aves no estuário: Águia-caçadeira; Águia-pesqueira; Peneireiro-cinzento.

Existem, no estuário do Tejo e áreas terrestres adjacentes, 35 espécies de mamíferos, 194 espécies de aves com presença regular, 9 espécies de répteis e 11 de anfíbios, além de 101 espécies de peixes registadas.

Muitas das espécies presentes no estuário estão ameaçadas e são relativamente raras, uma vez que estão em declínio a nível europeu.

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