O Holoceno é a atual era geológica do Período Quaternário. Covidoceno é uma espécie inventada de olhar o tempo em que vivemos.
Morreram ontem 291 pessoas em Portugal. É o número mais alto de sempre. Esta é a frase a que tristemente nos habituámos em 2021: o número mais alto de sempre. Vivemos no tempo dos recordes, tudo é enorme e grandioso, todos os números pequenos se afogam debaixo dos maiores.
Esquecemos que cada unidade destes 291 corresponde a uma vida. Uma pessoa que ria, chorava, sentia, amava. Um corpo vivo e que viveu um tempo que chegou ao fim neste tempo exato em que andamos.
Desde o início da pandemia, Portugal já registou 11.012 mortes associadas à covid-19 e 653.878 casos de infeção pelo vírus SARS-CoV-2.
Não sabemos quem são estes mortos. Não sabemos onde e como morreram. Sabemos os grupos etários a que pertenciam, bem como o sexo que lhes foi atribuído. É só.
Qualquer catástrofe que matasse um quarto que fosse do número de hoje seria uma tragédia avassaladora. Morreram 11.012 pessoas e aqui andamos.
Poderá ser o cansaço, aliado a uma qualquer autoproteção que não se quer chocar mais. Poderá ser que morrer com este coronabicho seja só um infortúnio dos incautos aos olhos de quem fica. Poderá ser que estas mortes sejam escondidas e longínquas, sem imagens dramáticas. Poderá ser tanta coisa e não ser nenhuma delas.
Sabemos o que é: são vidas, muitas, demasiadas, a desaparecer todos os dias. Uma que fosse já era uma a mais.
Marcelo Rebelo de Sousa disse já hoje que o Estado de Emergência deverá ser renovado nos termos em vigor. Vamos continuar mais tempo nesta semi-vida, neste tempo paranóico, de vigilância, de desconfiança.
É difícil saber a quem apontar dedos. Mais fácil seria erguê-los ao bicho, que não tinha nada que aqui andar a estragar-nos os arranjos. Depois, apontar o dedo à mirífica vacina, a solução que não resolveu nada. Andou o povo no fim do ano a comer passas por cada laboratório farmacêutico e ainda aqui vamos, no dia três milhões de janeiro a discutir quem vacinar.
Lá fora, as novas variantes obrigam a repensar a forma de usar as máscaras (que tipos? Que locais?). Lá fora, as novas restrições geram confrontos e protestos. Lá fora, alguns confinamentos são levantados, outros impostos nos países exemplares.
Apesar de tudo isto, Portugal é, proporcionalmente, o país no mundo com os piores números.
Comentários