Naquela que é descrita como a primeira pesquisa abrangente sobre a experiência de criminalidade entre a população da UE (incluindo Reino Unido e Macedónia do Norte, único país não-comunitário que tem estatuto de observador junto da Agência para os Direitos Fundamentais), concluiu-se que, no ano que precedeu a pesquisa, quase um em cada três europeus foram vítimas de assédio (o que representa 110 milhões de pessoas) e 22 milhões foram fisicamente agredidos.

O estudo — que envolveu 35 mil inquiridos, dos quais cerca de mil portugueses, entre janeiro e outubro de 2019 — revela que 9% das pessoas na UE experimentaram algum tipo de violência nos últimos cinco anos, com percentagens nacionais que variam entre os 3% e os 18 por cento.

Em Portugal, apenas 4% disseram ter sido fisicamente agredidos, percentagem apenas superada por Malta e Itália. No extremo oposto estão Estónia, Finlândia e República Checa.

Em Portugal, um terço da violência física é atribuída a familiares, seguindo-se amigos e vizinhos e outros conhecidos, e 34% dos casos aconteceram em casa, seguindo-se espaços públicos (jardins, parques, rua) e restaurantes, cafés e lojas.

Em 79% dos casos, a violência foi perpetrada por homens.

Porém, apenas 14% das vítimas reportaram a agressão física, com 44% a justificarem ter “tratado do assunto sozinhos”. O medo de represálias (25%) e a incompetência da polícia (21%) são outras das razões apontadas para não apresentar denúncia.

No contexto da desinformação que relaciona o crime com a imigração, a FRA perguntou às vítimas pela descrição dos agressores, nomeadamente sobre as suas origens étnicas e nacionais.

A maioria dos europeus não identificou traços étnicos e migratórios nos agressores, com os portugueses a ocuparem o segundo lugar entre os que excluem essa ligação, apenas atrás da Finlândia.

No que respeita ao assédio, os portugueses também registam uma média abaixo da europeia, com 24% a dizerem ter sido vítimas nos últimos cinco anos (contra 41% dos europeus).

O assédio ‘online’ reduz a percentagem para 4% (contra 14% na UE). Neste caso, a principal razão (46%) para não terem denunciado as agressões é a desvalorização do que aconteceu — “não era suficientemente grave”.

Ao contrário da violência física, no assédio quase metade dos casos foi perpetrada por desconhecidos.

Em 78% dos casos de violência, os portugueses não recorreram ao apoio de nenhuma organização, seja esta um hospital, proteção legal ou um serviço de apoio à vítima.

O relatório também avaliou os crimes de roubo, com Portugal a registar a taxa mais baixa de casos nos últimos cinco anos (2%, face à média europeia de 8%), e de fraude, com Portugal a registar 9% (face à média de 26%), só à frente de Chipre.

UE: Violência e assédio “muito mais elevados” do que dados oficiais

A violência e o assédio na Europa são “muito mais elevados” do que os dados oficiais, constata a Agência para os Direitos Fundamentais da União Europeia (UE), num relatório divulgado hoje, a que a Lusa teve acesso.

Naquela que é descrita como a primeira pesquisa abrangente sobre a experiência de criminalidade entre a população da UE (incluindo Reino Unido e Macedónia do Norte, único país não-comunitário que tem estatuto de observador junto da Agência para os Direitos Fundamentais), concluiu-se que, no ano que precedeu a pesquisa, quase um em cada três europeus foram vítimas de assédio (o que representa 110 milhões de pessoas) e 22 milhões foram fisicamente agredidos.

O estudo – que envolveu 35 mil inquiridos, entre janeiro e outubro de 2019 – revela que 9% das pessoas na UE experimentaram algum tipo de violência nos últimos cinco anos, com percentagens nacionais entre os 3 e os 18 por cento.

No caso do assédio, 41% dos europeus reconhecem tê-lo experienciado, com taxas que variam entre os 15 e os 62%. Esta percentagem reduz significativamente se o assédio tiver ocorrido no espaço virtual (14%).

Para justificar o desfasamento entre a pesquisa e os dados oficiais relativos à criminalidade, a Agência para os Direitos Fundamentais (FRA, na sigla em inglês) nota que “as vítimas de crimes, tipicamente, não reportam as suas experiências” e que “frequentemente têm dificuldades em aceder aos seus direitos e podem sentir-se sem voz”.

Apenas um terço das vítimas reportou os ataques físicos sofridos e somente um décimo fez o mesmo no caso do assédio.

A denúncia aumenta se a violência física tiver um caráter sexual (para 60%), mas diminui se o agressor for familiar (22%).

A agência com sede em Viena, capital austríaca, considera que agora ficou clara “a real extensão do crime na UE” e aponta os grupos mais vulneráveis: nos últimos cinco anos, foram mais vítimas de ataques físicos os jovens dos 16 aos 29 anos (23%), as pessoas de minorias étnicas (22%), as pessoas LGBTI ou não-heterossexuais (19%) e as pessoas com deficiência (17%).

Citado no comunicado sobre os resultados da pesquisa, o diretor da FRA, Michael O’Flaherty, assinala que a UE tem legislação para assegurar proteção às vítimas de crimes, mas os governos nacionais “têm de fazer mais para garantir às vítimas os seus direitos e fornecer-lhes o apoio de que precisam”.

Por outro lado, “as vítimas frequentemente desconhecem os seus direitos” e acabam por não reportar os crimes por “medo de retaliação ou intimidação por parte dos agressores”.

É ainda frequente que as vítimas considerem que a agressão que sofreram não foi grave. Entre as principais razões para não denunciarem o sucedido estão ainda a incompetência das autoridades (23%) ou mesmo a falta de confiança na polícia (14%).

A FRA insta os Estados-membros a que garantam o acesso à justiça, providenciando a todas as vítimas “informação adequada, apoio e proteção”, nomeadamente habilitando-as a avançarem com procedimentos criminais.

Apenas um em cada três inquiridos reportou à polícia os casos de violência física e os episódios de assédio foram denunciados por apenas 11%. “Os grupos que são mais alvo de crimes de ódio – pessoas de minorias, LGBTI e com deficiência – reportam incidentes de violência mais frequentemente”, nota a FRA.

Os governos devem “prestar particular atenção às necessidades específicas” dos grupos mais vulneráveis e informá-los “de uma forma que eles percebam”, apela a agência.

Além disso, acrescenta, o apoio prestado às mulheres deve ser melhorado. Mais de um terço da violência física contra as mulheres aconteceu em casa (37%), com 69% a indicarem efeitos psicológicos posteriores.

Nos casos de assédio, perto de três em quatro casos (72%) foram praticados por pessoas que elas não conheciam e a maioria aconteceu em público.

Perto de duas em três mulheres assumem que evitam ir para locais sem gente (apenas 36% dos homens) e 41% admitem ter receio de ficarem sozinhas com alguém conhecido de quem temam investidas de assédio ou agressão (apenas 25% dos homens).

Já quando os homens são vítimas, a violência acontece mais no espaço público e é mais perpetrada por desconhecidos.

Como os agressores são maioritariamente homens (numa proporção “esmagadora” se estivermos a falar de violência física, realça a FRA), os Estados-membros devem incluí-los na educação para a prevenção da violência.

A FRA assinala as disparidades entre os Estados-membros, que refletem “diferenças de cultura e níveis de confiança”, mas, em geral, mais pode ser feito para “encorajar e facilitar” a denúncia do crime.

O relatório também avaliou os crimes de roubo e fraude (bens e serviços). No primeiro caso, a média europeia situa-se nos 8% nos últimos cinco anos, enquanto que no segundo sobe para 26% - e aqui, os jovens e os mais instruídos são mais vulneráveis, "possivelmente porque fazem mais compras online”, aponta a FRA.

Tanto nuns como noutros, estes crimes têm taxas de denúncia mais altas (72% no roubo, 95% na fraude bancária).

Se mais de metade dos europeus interviria se presenciasse um caso de violência, já apenas 17% estariam disponíveis para testemunhar em tribunal.