Em outubro de 2022, Dinal De Alwis foi encontrado morto. O jovem de 16 anos suicidou-se após ter sido vítima de extorsão sexual. Segundo a Polícia Metropolitana de Londres, horas antes da sua morte, Dinal recebeu mensagens de um homem que ameaçava divulgar duas imagens íntimas suas «a todos os seus seguidores» caso não lhe enviasse dinheiro.
Tal como muitos outros jovens vítimas deste crime, Dinal bloqueou o chantagista, mas o homem enviou mensagens de outro número a pressioná-lo. Dizia: «Achas que bloqueares-me iria parar-me? O que queres que eu faça – queres que envie [as imagens] para todos os teus seguidores? Porque é que não me pagas? 100 libras?» Dinal não aguentou a pressão, e enviou mensagens de despedida à família antes de se suicidar.
Dinal não está sozinho. À Quebrar o Silêncio chegam, cada vez mais, pedidos de ajuda de homens e rapazes que foram alvo de extorsão sexual e que não sabem o que fazer. Nestes casos, o perpetrador ameaça divulgar os conteúdos sexualizados que conseguiu extrair, caso a vítima não envie dinheiro e/ou cartões de oferta. O montante solicitado varia e, muitas vezes, o autor do crime acaba por partilhar, junto da família, amigos e colegas de trabalho, os conteúdos íntimos, independentemente de receber ou não o pagamento.
Segundo o FBI, esta ameaça crescente tem resultado num número alarmante de mortes por suicídio e, de acordo com o National Center for Missing & Exploited Children (NCMEC), a extorsão sexual com fins lucrativos tem vindo a aumentar. Cerca de 79% dos criminosos demandam dinheiro em vez de mais conteúdos sexualizados.
A extorsão sexual afeta, cada vez mais, jovens rapazes
Entidades como o Federal Bureau of Investigation (FBI) têm registado um aumento de casos de extorsão sexual financeira dirigidos a vítimas menores de idade, enquanto que, no Reino Unido, a National Crime Agency (NCA) refere que os adolescentes, geralmente rapazes, estão a ser enganados para enviarem fotografias suas nuas ou seminuas a burlões e chantagistas. Segundo a NCA, em 2024, foi comunicada às autoridades inglesas uma média mensal de 117 denúncias de extorsão sexual de crianças e jovens.
A extorsão sexual é um crime em que o perpetrador utiliza fotografias ou vídeos íntimos e/ou de natureza sexualizada da vítima – atualmente, com recurso à Inteligência Artificial, os conteúdos não têm de ser imagens ou vídeos reais – para a forçar a fazer algo contra a sua vontade. Através desta coerção, o agressor pode obrigar a vítima a produzir mais conteúdos, a pagar para evitar a divulgação dos mesmos, e a prestar favores ou outros benefícios, sob ameaça de expor os conteúdos ou informações comprometedoras.
Este crime pode assumir diferentes formas. Nos ambientes online e espaços digitais, os chantagistas tendem a utilizar aplicações de encontros, redes sociais, websites de webcam/streaming e de pornografia. Para seduzirem as vítimas e conquistarem a sua confiança, os perpetradores costumam adotar uma identidade falsa, fazendo-se passar por raparigas ou mulheres para aliciar rapazes e homens a trocar imagens e conteúdos íntimos e sexualizados. As vítimas são levadas a acreditar que se trata de uma troca mútua e segura, e as imagens e vídeos acabam por ser usados para as extorquir. Os agressores podem ameaçar divulgar esses conteúdos caso a vítima não cumpra as exigências impostas.
Sabemos que rapazes mais jovens e adolescentes são particularmente vulneráveis a este tipo de violência, especialmente aqueles que sentem atração pelo mesmo sexo. No entanto, homens adultos e heterossexuais também são alvo deste crime.
Denunciar ou não denunciar?
Os homens vítimas de extorsão sexual sentem dificuldade em denunciá-lo devido a estereótipos de género e ao medo do julgamento social. Muitos sentem-se isolados e impotentes, receando que pedir ajuda resulte numa maior exposição ou represálias por parte do perpetrador. Esta barreira ao apoio e à denúncia pode agravar as consequências emocionais e psicológicas do crime. Quanto às crianças e jovens, a vergonha, o medo e a confusão que sentem quando são apanhados neste ciclo, impedem-nas muitas vezes de pedir ajuda ou de denunciar o abuso.
Nada na violência sexual é simples, e o abuso sexual de homens e rapazes tem ainda muitas camadas de silenciamento, tabus e preconceitos. A extorsão sexual é mais uma das expressões deste crime que, por não ser falado, encerra as vítimas num silêncio que, mais uma vez, apenas beneficia os abusadores e prejudica as vítimas.
Se é ou foi vítima de extorsão sexual ou de algum crime deste tipo, contacte a Quebrar o Silêncio através da linha de apoio 910 846 589 ou via email apoio@quebrarosilencio.pt.
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Ângelo Fernandes é o fundador da Quebrar o Silêncio — a primeira associação portuguesa de apoio especializado para homens e rapazes vítimas e sobreviventes de violência sexual — e autor de “De Que Falamos Quando Falamos de Violência Sexual Contra Crianças?”, um livro dirigido a pais, mães e pessoas cuidadoras com orientações para a prevenção do abuso sexual de crianças.
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