O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, estará em Londres, esta quinta-feira, para celebrar os 650 anos da aliança luso-britânica juntamente com o Rei de Inglaterra, Carlos III. O evento que celebra o Tratado de Paz, Amizade e Aliança, selado na Catedral de São Paulo em Londres, em 16 de junho de 1373, pelo Rei Eduardo III da Inglaterra e o Rei D. Fernando de Portugal começou a ser desenhado em 2018 no quadro de um projeto não lucrativo com o nome Portugal-UK 650.
Maria João Rodrigues de Araújo, doutorada em Música pela Universidade de Oxford onde ensina no Christ Church College, e com um vasto currículo em atividades humanitárias, lidera esta iniciativa e, em entrevista ao SAPO24, diz que "amanhã será o culminar de vários anos de trabalho". Isto porque o Portugal-UK 650, foi lançado em julho de 2019 precisamente no mesmo sítio onde amanhã se encontrarão os dois chefes de Estado, na Capela da Rainha do Palácio de Saint James, em Londres.
"Esta é uma capela que pertencia à Rainha D. Catarina de Bragança, o brasão de armas da monarca está acima do altar e na galeria, algo que combina as armas de Portugal e do Reino Unido num mesmo emblema, por isso é um local profundamente simbólico no contexto da aliança. Depois destes anos de trabalho, voltamos ao mesmo sítio como forma de ação de graças", refere.
O evento que une os dois chefes de Estado, ambos patronos da iniciativa, trata-se de uma cerimónia religiosa anglicana e incluirá leituras de textos bíblicos em português e inglês, bem como música da época em que foi assinado o tratado interpretada por músicos ao vivo e dois coros.
Serão tocados além de compositores britânicos, obras de Diogo Melgaz, compositor português da época e Vicente Lusitano, do século XVI.
No fim da cerimónia, os governantes terão oportunidade de observar, nos National Archives, o original do tratado de 1373, que se mantém em vigor até aos dias de hoje.
Presentes vão estar também representantes oficiais de Portugal e do Reino Unido, entre os quais os respetivos ministros dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho e James Cleverly. Além destes, estarão também o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, embaixadores, D. Duarte Pio Duque de Bragança, o duque de Wellington Charles of Wellesley, descendente de Arthur, o duque de Wellington que lutou contra as Invasões Francesas na Península Ibérica entre 1808 e 1813, bem como todos os voluntários e instituições que tem vindo a contribuir para esta iniciativa sem fins lucrativos.
Depois disto, os promotores da iniciativa irão oferecer ao Rei e ao Presidente um prato da Vista Alegre produzido para celebrar esta data e inspirado nesta capela no palácio de Saint James.
"O objetivo desta cerimónia é refletirmos sobre aquilo que esta aliança pode trazer para o mundo atual, refletindo sobre os oito valores que nos comprometemos na altura: paz, amizade, verdade, fidelidade, constância, sinceridade, amabilidade e solidariedade. Isto foi algo que tentamos por em prática desde 2018 e que tem sido um constante desafio", segundo Maria João Rodrigues de Araújo.
O projeto Portugal-UK 650 uniu cerca de 210 instituições entre autoridades e sociedade civil, de forma voluntária e desenvolveu mais de 300 atividades em escolas, universidades, hospitais, eventos educativos, palestras e comemorações. Envolveu ainda cerca de 1500 artistas em cerca de 57 projetos e 14 estreias mundiais, além de 240 oradores e académicos das mais variadas instituições.
"A beleza destas comemorações é não terem sido como normalmente. Iniciaram-se na sociedade civil e pedimos a diversas instituições oficiais para colaborar, mas sobretudo parte da sociedade e isso será algo espelhado no evento. Geralmente este tipo de eventos são compostos apenas por delegações oficiais, aqui queremos espelhar todo o esforço da sociedade civil que irá continuar depois deste dia", diz a professora.
Acrescenta ainda que "a sociedade não é só autoridades e com o nosso projeto o objetivo foi realçar essa beleza, sem nenhuma utilização do dinheiro público. Foi tudo dado de coração".
Antes deste evento principal, o presidente será recebido no Palácio de Buckingham, onde serão tocados os dois hinos nacionais e os dois chefes de Estado vão passar revista a militares ingleses e a cerca de 25 militares portugueses em parada.
Sobre a relevância da Aliança Luso-Britânica nos dias de hoje a responsável destaca que desde 2018 se tem apercebido que o benefício da aliança é semelhante nos dois países e muito acarinhada pelos governos e chefes de Estado. "Encontramos enorme adesão, tendo em conta os valores comuns que temos, temos inúmeros parceiros de ambos os países, como a Universidade de Oxford, os National Archives, o English National Ballet, entre outros. Fiquei pessoalmente surpreendida com esta contribuição e sei que no próximo ano vamos continuar por vontade destes parceiros", sublinha.
Quanto ao envolvimento dos chefes de Estado, conta-nos ainda que "o primeiro a dar-nos apoio foi o Rei Carlos III. Em 2018, fui saber o que é que a Rainha, na altura Isabel II achava sobre fazer-se algo comemorativo, reuni com ela no Palácio de Buckingham, mas, de facto, quem nos deu o principal apoio para esta iniciativa foi o Rei Carlos III, que inclusivamente emprestou a capela para o evento. De seguida, juntou-se como patrono Marcelo Rebelo de Sousa, mas devo deixar uma palavra de elogio à equipa do Rei que nos tem ajudado muito, sendo que este evento é realizado com o apoio do palácio".
Recorde-se que o início formal da aliança Luso-Britânica, a mais antiga aliança diplomática ainda em vigor, remonta à segunda metade do século XIV. Porém se analisarmos corretamente as relações entre os dois países já no século XII é conhecido o episódio da Segunda Cruzada. Em 1147, um grupo de cruzados oriundos do Inglaterra e do norte da Europa no seu caminho para a Terra Santa, aportam no Porto e vão ajudar D. Afonso Henriques a reconquistar Lisboa. Depois da cidade ser reconquistada a maioria dos cruzados seguiu para a Terra Santa, enquanto outros ficaram em Portugal. Foi o caso de um grupo de ingleses, de entre os quais se destaca Gilbert de Hastings, que se tornou o novo Bispo de Lisboa.
“karissimi fratis nostri & amici Regis Portigalen”
Desde este episódio que a amizade entre os dois países se manteve, ainda que com períodos de maior e menor proximidade. Esta amizade é atestada em duas cartas, datadas de junho de 1199, nas quais o Rei João de Inglaterra já se refere ao Rei de Portugal como “karissimi fratis nostri & amici Regis Portigalen” e ordena que os embaixadores de Portugal sejam recebidos com as maiores honras. As relações comerciais foram reforçadas pelo tratado Luso-Britânico de 1352, assinado entre o Rei Eduardo III e Afonso Martins Alho, que agia em representação dos mercadores e marinheiros de Portugal.
É apenas na segunda metade do século XIV que as relações entre ambos os países ganham maior estabilidade. Os fundamentos jurídicos da aliança Luso-Britânica encontram-se em três tratados desse período: o Tratado de Tagilde (10 de julho de 1372), o Tratado de Londres (16 de junho de 1373), que será celebrado esta quinta-feira e o Tratado de Windsor (de 9 de maio de 1386).
O Tratado de Tagilde foi firmado em 10 de julho de 1372, na Igreja de S. Salvador de Tagilde (município de Vizela, Braga), entre o rei D. Fernando I de Portugal e os representantes de João de Gante, Duque de Lencastre e quarto filho do rei Eduardo III de Inglaterra. Este tratado sela a aliança destes dois pretendentes ao trono castelhano e é considerado o preâmbulo da aliança que ainda hoje vigora.
O Tratado de Paz, Amizade e Aliança, de 16 de Junho 1373, foi assinado entre Eduardo III, Rei de Inglaterra, e D. Fernando, Rei de Portugal com o objetivo de promover oito valores essenciais: paz, amizade, verdade, fidelidade, constância, sinceridade, amabilidade e solidariedade.
“Haverá daqui em diante entre nós uma verdadeira, fiel, constante, mútua e perpétua paz e amizade, união e aliança e ligas de sincero afeto”, dizia o Artigo I, Tratado da Aliança, valores agora celebrados. Desde esta altura, este tratado nunca foi revisto, tendo sido posteriormente confirmado em várias ocasiões.
Em 9 de maio de 1386, é assinado o Tratado de Windsor entre D. João I de Portugal e Ricardo II de Inglaterra. Este acordo ratifica a “liga, amizade e confederação perpétua” entre os dois monarcas com a obrigação de auxílio mútuo, sendo igualmente firmado em perpetuidade. É um tratado que tem uma amplitude de conteúdo maior que os dois anteriores, ao consagrar no seu articulado a liberdade de comércio e de trânsito dos naturais de cada uma das partes no território da outra parte “como se fossem seus naturais”.
Uma das primeiras consequências práticas deste tratado foi propiciar o início da gestão diplomática para o casamento entre D. João I de Portugal e Filipa de Lencastre, filha de João de Gante. O casamento, que se celebrou em 2 de fevereiro de 1387, iniciou um período de grande proximidade entre as duas casas reinantes. Esta aliança tornou-se ainda mais próxima quando o filho de João de Gante, que era cunhado de D. João I de Portugal, se tornou Henrique IV de Inglaterra.
Já dentro do contexto destas celebrações, a 13 de junho de 2022, em Downing Street, foi assinado um acordo bilateral, pelos primeiros-ministros de ambos os países na altura Boris Johnson e António Costa em que voltavam a prometer numa declaração conjunta as promessas do Tratado Luso-Britanico de Tagilde que cumpria nesse ano 650 anos. Na altura, tal como amanhã na capela, o documento original do Tratado de Tagilde esteve em exposição durante a assinatura do acordo bilateral.
As comemorações dos 650 anos do “Tratado de Paz, Amizade e Aliança” assinado em Londres 16 junho de 1373, iniciam-se amanhã pelas 11:00 e a programação completa pode ser vista aqui.
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