Carregando a responsabilidade e o peso do melhor resultado de sempre de uma candidatura presidencial exclusivamente apoiada pelo BE, alcançado em 2016, e num contexto político manifestamente menos favorável para o partido depois do voto contra o OE2021, Marisa Matias precisava da estrada e da campanha oficial para se afirmar, depois de um período de debates contra todos os candidatos nos quais, segundo os analistas, nem sempre conseguiu marcar muitos pontos.

O ponto forte de Marisa, ao longo das três outras corridas eleitorais que protagonizou, sempre foi o contacto com as pessoas, a empatia nas ruas e, como Francisco Louçã caracterizou, a imagem de que o tempo para quando ouve alguém.

Com sondagens pouco favoráveis, disse desde o primeiro dia que, cumprindo todas as regras sanitárias devido à pandemia, queria estar na estrada para fazer a campanha que, para si, importa: dar voz e um rosto às pessoas que “têm segurado o país” e que são vítimas da crise.

Uma das novidades desta campanha em tempos de covid-19 foi que, antes mesmo de Marisa chegar, uma dupla – algumas vezes uma tripla, quando a energia não estava por perto - esperava sempre a comitiva: um microfone, uma ‘press box’ e um gerador, que permitia evitar os aglomerados de jornalistas.

Esta equipa específica para esta missão montou, dia após dia, o cenário para que as perguntas dos jornalistas à candidata fossem feitas à distância e em segurança, tendo o microfone chegado aos locais mais inusitados: a margem do Tejo, o meio de uma pedreira em Peroselo, o pátio da casa de uma cuidadora informal e até mesmo um passeio esguio bem no coração da Mouraria, com os carros a passar a centímetros dos intervenientes.

Primeiro dar voz e rosto às pessoas com quem se encontrou, depois falar do tema que ali a tinha levado e por fim responder a todas as perguntas dos jornalistas. Marisa seguiu sempre o guião e foi resistindo ao ‘sound bite’ fácil.

No primeiro dia oficial de campanha, Marisa fez questão de mostrar uma das várias ausências que apontou ao presidente recandidato, Marcelo Rebelo de Sousa: as trabalhadoras da Triumph que o Presidente da República não visitou quando estiveram à porta da fábrica a lutar pelos seus direitos.

Daqui, ponte direta para as críticas a Marcelo sobre as suas posições em relação à legislação laboral e também à ação do chefe de Estado em relação a uma das bandeiras principais de Marisa Matias: o SNS.

Das ausências de Marcelo, o caminho de Marisa seguiu, por diversas vezes, para as conquistas do BE do tempo da geringonça que teimam “em não sair do papel” e chegar à vida de quem precisa por, acusa, culpa do Governo, como foi o caso dos pedreiros de Peroselo ou dos cuidadores informais.

Com o agravamento da pandemia, baterias apontadas ao executivo socialista por recusar requisitar todos os meios da saúde, privados e sociais, e colocá-los ao serviço do SNS. Marisa foi do pedido à exigência e chegou mesmo, num comício virtual desde o Porto, ao apelo direto.

A covid-19 não saiu nunca do dia-a-dia – nem da campanha – e sobre este tema as críticas foram para São Bento e para Belém pelo “desencontro total” entre o peso das exigências pedidas aos portugueses para travar a pandemia e os apoios necessários para a vida com dignidade.

Foi, no entanto, o batom vermelho que mudou o tom da campanha.

Marisa foi resistindo sempre a responder às provocações do “candidato da extrema-direita” – nunca citando o nome de André Ventura – mas quando chegaram os insultos pessoais pelo batom vermelho da candidata que, nas palavras do presidente do Chega, a faziam parecer “uma coisa de brincar”, surgiu a primeira reação, perante a pergunta dos jornalistas: o insulto não dizia nada sobre as mulheres, mas tudo sobre “esse senhor”.

Com a onda de solidariedade “Vermelho em Belém” a crescer nas redes sociais – da opositora, mas amiga, Ana Gomes à surpresa do músico brasileiro Chico Buarque, saindo este apoio das fronteiras portuguesas – Marisa fez o seu discurso mais emotivo e mais emocionado, de voz embargada, num comício no Capitólio, em Lisboa, ao qual levou o nome de todas as mulheres que morreram em 2020 às mãos da violência doméstica.

Nessa intervenção atirou a matar: “as mulheres não são coisas de brincar, as mulheres são gente de lutar e, sim, olhos nos olhos e de cabeça erguida".

No dia seguinte, na margem sul, entrou em campo o futebol e a extrema-direita voltou a ser alvo, traçando, a batom vermelho, as linhas que a separam do discurso racista e xenófobo de André Ventura, com uma analogia à seleção nacional.

Ao coro de críticas e avisos sobre o Chega juntou-se José Manuel Pureza – que pintou os lábios de vermelho ao vivo e em direto de Viseu para o mundo – e os fundadores Francisco Louçã e Fernando Rosas, para além do líder parlamentar, Pedro Filipe Soares, que foram aparecendo em diferentes comícios.

No final de cada comício virtual, desde o palco vazio para os “quadradinhos” do ecrã gigante com a imagem dos participantes à distância, Marisa Matias voltava-se sempre para dizer adeus aos que tinham estado a assistir e chegou mesmo a admitir que o seu novo desporto era “ver quem estava”. Foi o calor humano possível nos comícios em várias salas vazias por todo o país fechado devido à pandemia.