“Infelizmente, os autarcas desta região ainda não se motivaram suficientemente – e por isso têm responsabilidades naquilo que se passa – para aceitar o desafio da Câmara Municipal de Coimbra, que é juntarmo-nos todos e sermos consequentes nas nossas ações reivindicativas, cortando o trânsito na linha [ferroviária] do Norte e na autoestrada A1”, disse à agência Lusa José Manuel Silva.

“Porque aí sim, aí faz-se sentir a verdadeira ação, intervenção e empenho dos autarcas da região”, acrescentou.

Em declarações prestadas no IP3, no final da chamada ‘descida do Botão’, local que não hesitou em classificar de “perigoso”, José Manuel Silva observou que, na questão rodoviária, a engenharia “tem soluções para tudo”.

“É é uma questão de financiamento, porque é claro que os custos [de construir uma autoestrada] não são os mesmos. Mas o IP3 e esta região (…) merecem esse investimento”, considerou.

O autarca defendeu o prolongamento até ao IP3 da autoestrada do Pinhal Interior (A13), que faz a ligação entre a A23, no Entroncamento, passando por Tomar, até à zona de Ceira, a sudeste de Coimbra, e que liga à A1 em Condeixa-a-Nova, e também o prolongamento da A14 Figueira da Foz — Coimbra até Viseu, incorporando o atual troço de 75 quilómetros (km) do IP3, que seria, assim, transformado “em verdadeira autoestrada”.

Questionado sobre a intenção, manifestada à Lusa, do presidente da Câmara de Viseu e da comunidade intermunicipal (CIM) Viseu Dão-Lafões, Fernando Ruas, em reunir com a sua congénere da Região de Coimbra para tomarem uma posição conjunta sobre o IP3, José Manuel Silva avisou que “a retórica nada resolve”.

“É perder tempo. Se é só para retórica, não contem com a nossa presença (…). Se for para definir ações concretas de reivindicação forte, ações de força, para exigir respeito para com esta região, então contem comigo na primeira linha”, vincou.

Já Fernando Ruas mantém a esperança de que “finalmente” o IP3 possa ser “devidamente requalificado”.

“E devidamente requalificado são quatro vias a unir as duas principais cidades do interior”, declarou.

O autarca de Viseu recordou o historial das promessas de obras no IP3 nas últimas duas décadas, destacando o sucedido em 2008, quando o então primeiro-ministro José Sócrates anunciou a criação de uma autoestrada, com direito a placa a assinalar a data, aposta na Câmara Municipal de Mortágua, onde se mantém, sem que o projeto tenha avançado.

Sobre a intervenção agora programada para o IP3, a decorrer até 2027, com o início das obras em 2024 no troço entre Santa Comba Dão e Viseu, mas maioritariamente (20 dos quase 28 km) no concelho de Tondela, Fernando Ruas discordou do troço escolhido para fazer a duplicação inaugural.

“Ocorre exatamente num troço que é aquele que tem menos problemas (…). Eu quero a obra, só que quem tem responsabilidades políticas tem de definir prioridades. Era muito mais importante e mais prioritário onde há estrangulamentos, que é na zona de Penacova”, argumentou.

Em Penacova – município que, juntamente com Coimbra, recebeu em 1991 o primeiro troço, com 24 km de extensão — o presidente da Câmara lembrou que o IP3, quando foi construído, “já nasceu torto”, com “altos níveis de sinistralidade, quase desde o minuto zero, o que levou a que houvesse muita contestação em relação ao seu traçado e à forma como ele foi desenhado”.

O crescente número de acidentes graves, nomeadamente com colisões frontais, levou à colocação, a partir do final da década de 1990, de um separador central em betão, em toda a extensão do troço que atravessa o concelho de Penacova.

“Diminuiu muito a sinistralidade neste troço, sobretudo aqui na zona de Penacova, mas é uma adaptação que se tornou quase definitiva. Ou seja, temos um traçado mais estreito em algumas zonas, o que dificulta o trânsito, sobretudo nas ultrapassagens entre pesados e ligeiros”, observou Álvaro Coimbra.

Para o autarca, o maior problema do IP3 tem sido a “derrapagem nos prazos” de obra: “O Governo tem anunciado, nos últimos anos, uma intervenção para duplicação de 85% do traçado entre Coimbra e Viseu, mas esse calendário tem vindo a ser sucessivamente atrasado. Isso não se compadece com a realidade do país hoje em dia, falamos de milhões e milhões de fundos comunitários, com muitas autoestradas sobretudo no litoral, e temos duas capitais de distrito, Coimbra e Viseu, que deviam, desde há muito tempo, ter uma ligação de autoestrada. E não têm”, lamentou.

Quem também defendeu a criação de uma autoestrada foi o presidente do município de Santa Comba Dão, Leonel Gouveia, que argumentou que “não faz sentido” existirem vias com aquelas características entre Coimbra e a Figueira da Foz (a A14) e outra de Viseu para norte, por Vila Real, até à fronteira de Vila Verde da Raia (A24), “e as duas cidades daqui da Beira não têm uma ligação com perfil de autoestrada”.

“É uma lacuna de há muitos anos, que vem a ser sucessivamente adiada pelos vários governos, mas eu acho que é imperioso que ela [a obra] se conclua rapidamente”, advogou Leonel Gouveia.

Por outro lado, o autarca quer que sejam resolvidos “rapidamente” os constrangimentos existentes no troço que vai “do sul de Santa Comba Dão até à passagem pelo concelho de Penacova”, uma das zonas mais sinuosas do traçado do IP3, onde chega a existir, no sentido Coimbra-Viseu, uma zona em que se circula pela berma, junto a um separador de betão.

Depois, há ainda as questões relacionadas com o trânsito local, que em algumas zonas do distrito de Viseu se confunde com o próprio IP3, nomeadamente onde o Itinerário Principal foi construído utilizando partes da Estrada Nacional 2.

“Hoje, em Santa Comba Dão, este troço sobre o qual estamos a falar, não é IP3, é de trânsito local também, o que condiciona naturalmente a circulação. É necessário, rapidamente, lançar os segundos concursos, para que esta obra se concretize na sua plenitude”, frisou Leonel Gouveia.

IP3 requalificado terá 85% do traçado em perfil de autoestrada

Os 75 quilómetros (km) que ligam pelo Itinerário Principal 3 (IP3) os municípios de Coimbra e Viseu terão perfil de autoestrada em 85% do traçado e a obra deverá estar concluída em 2027, garantiu o ministro das Infraestruturas.

“Estamos a falar do IP3 ficar em 97% da sua extensão em ou via dupla [duas faixas em cada sentido, perfil de autoestrada] ou um mais dois [três faixas alternadas]. E a via dupla em 85% de todo o IP3”, disse à agência Lusa o ministro João Galamba.

Em declarações a propósito das obras previstas para começarem em 2024 num troço de 28 km entre os municípios de Santa Comba Dão e de Viseu, atravessando o município de Tondela, João Galamba explicou que o projeto total se vai desenrolar em três fases de trabalhos, as duas restantes incidindo sobre os troços entre Souselas e Penacova (distrito de Coimbra) e entre Penacova e Santa Comba Dão (Viseu).

“É uma das principais, se não a principal, obra rodoviária, seguramente a maior obra rodoviária de sempre financiada diretamente pelo Orçamento do Estado, sem recurso a fundos europeus. É uma obra da maior importância para a região e, portanto, o Governo, obviamente, que tem inscrita esta obra como uma prioridade absoluta”, frisou o governante.

Construído na década de 1990 para ligar a Figueira da Foz, no litoral do distrito de Coimbra, à fronteira de Vila Verde da Raia (Chaves, distrito de Vila Real), o percurso do itinerário principal, nos dias de hoje, só não é cumprido por autoestrada entre Viseu e Coimbra, troço aberto ao tráfego entre 1991 e 1999 e que, na prática, é o que resta do IP3.

Aludindo ao concurso de 130 milhões de euros lançado em julho para a intervenção de 900 dias (sensivelmente dois anos e meio) de duplicação e requalificação do segmento de via localizado integralmente no distrito de Viseu – e cujo prazo de entrega de propostas já foi prorrogado por duas vezes, nos dias 11 e 28 de setembro – João Galamba revelou que a escolha daquela intervenção inaugural no IP3 deveu-se a ser o troço de maior sinistralidade na última década, com “13 mortos e mais de 20 feridos muito graves”.

“Este primeiro troço, para além de ser o troço com maior sinistralidade, é também aquele que ficará todo servido por via dupla em toda a sua extensão, portanto com perfil de autoestrada”, sublinhou o ministro.

Acrescentou que o processo está na fase de recolha de propostas e que a obra deverá começar em 2024: “É, sem dúvida e os números mostram-no, o troço do IP3 onde a sinistralidade é mais elevada. E, portanto, trata-se de uma obra que não só introduz melhorias na mobilidade, mas que salva vidas”, observou João Galamba.

Quanto aos dois troços restantes, os trabalhos encontram-se em “fase final” de licenciamento ambiental, o qual deverá estar concluído até ao final do ano ou no início de 2024, estimando o ministro que estas obras estejam no terreno em finais de 2025.

“O nosso objetivo é ter todo o IP3 modernizado, requalificado, com as obras prontas, até 2027. É um projeto da maior importância, no qual o Governo, obviamente, está fortemente empenhado”, enfatizou o titular da pasta das Infraestruturas.

No entanto, é o próprio João Galamba a ‘abrir a porta’ à possibilidade de as obras poderem ser estendidas até 2029, dois anos depois do prazo inicial, assim os autarcas da região atravessada por aquela via o pretendam, para minimizar os impactos das intervenções na circulação rodoviária de uma das principais vias de ligação ao interior Centro e à fronteira de Vilar Formoso.

“Há a possibilidade – e isso é algo que teremos de falar com os concelhos envolvidos – de fasear um pouco mais as obras, para minimizar as perturbações no trânsito. Isso poderia levar a obra a demorar mais tempo. É algo que temos toda a disponibilidade para falar com os autarcas locais e depois fazer esse faseamento da obra. Mas temos todas as condições para ter a obra pronta em 2027”, garantiu.

Sobre a defesa da transformação do IP3 em autoestrada, feita por presidentes de Câmara como os de Viseu (Fernando Ruas) ou de Coimbra (José Manuel Silva), o ministro das Infraestruturas clarificou que este tema não está nas intenções do Governo.

“O nosso empenho, neste momento, é concretizar o projeto que temos e que é importante que seja feito. Alguns autarcas, nomeadamente o presidente de Câmara de Viseu, aquilo que defendem é um outro projeto, que não este”, frisou.

Notou, a esse propósito, que um eventual abandono do atual projeto “que poderá ser, para alguns autarcas, não perfeito”, e a avaliação de um projeto alternativo de autoestrada, “iria prejudicar a região” e esta “ficaria sem a requalificação do IP3”.

“Só teremos, de facto, uma via única em cada lado em 2% ou 3% de toda a extensão do IP3. Estamos a falar, ainda assim, em melhorias significativas”, alegou João Galamba.

O ministro defendeu também que tem de haver “consciência” do traçado e da geografia “concreta” do IP3: “Há áreas onde, pura e simplesmente, não é possível duplicar o traçado e fazer autoestrada. Nós maximizámos a possibilidade do perfil de autoestrada ou de uma faixa para [veículos] lentos. Portanto, certas zonas com três faixas, em mais de 97% do traçado. Esse é o máximo, vamos o mais longe que o atual IP3 permite”, argumentou o ministro das Infraestruturas.

Mortes no IP3 serão mais de 150 em 32 anos mas faltam dados oficiais

O número de vítimas mortais no Itinerário Principal 3 (IP3) entre Coimbra e Viseu ascenderá a mais de 150 desde 1991, quando a via foi inaugurada, mas faltam dados oficiais e há números díspares entre autoridades.

De acordo com uma avaliação feita pela agência Lusa, o número de vítimas mortais situa-se em 153, levando em conta relatórios de sinistralidade da antiga Direção-Geral de Viação (DGV), Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) e dados fornecidos pela GNR, apesar de as metodologias de cálculo dos acidentes com mortos e feridos graves, e a forma de os divulgar, terem sofrido alterações ao longo dos anos, concorrendo para as discrepâncias encontradas.

Desde logo, entre 1991 e 1998, não há dados oficiais públicos sobre o número de acidentes graves ocorridos no primeiro troço a ser inaugurado, a ligação de 24 quilómetros (km) entre Souselas (Coimbra) e Penacova, nem sobre os troços do distrito de Viseu, que entraram em funcionamento até ao final da década de 1990.

Uma das poucas informações disponíveis sobre a primeira década do IP3 está integrada numa recolha feita pelo Diário de Notícias, em 2010, e apenas sobre o troço de 21 km no município de Penacova (Coimbra), que, na altura, registava, segundo relatórios operacionais da época, um total de 104 mortos em 19 anos.

Os dados oficiais disponíveis na página de internet da ANSR referem-se a relatórios de sinistralidade oriundos da antiga DGV (1999 a 2006) e daquela autoridade rodoviária (a partir de 2007 até aos dias de hoje), mas só a partir de 2004, e com algumas exceções, é que os dados de acidentes graves no IP3 são consistentes.

Até então, em cinco anos, de 1999 a 2003, apenas são públicos os números de acidentes ocorridos em ‘pontos negros’ [lanço de estrada com o máximo de 200 metros de extensão, no qual se registaram, no ano em análise, pelo menos cinco acidentes com vítimas] do IP3 (que variavam entre dois e cinco "pontos negros") naquele período e apenas no distrito de Coimbra.

Esses totalizaram, naqueles cinco anos e segundo os mesmos relatórios, quatro mortos e 17 feridos graves em 90 acidentes. Falta nestes dados, entre outros exemplos, o acidente mais grave alguma vez ocorrido no IP3 (14 mortos e 24 feridos), o despiste para uma ravina no Vimieiro (Santa Comba Dão) de um autocarro da Câmara Municipal de Viseu que transportava idosos, em março de 2001. Era uma zona não assinalada como "ponto negro".

Em 2004, porém, a DGV passou a apresentar relatórios distritais de sinistralidade, que incluíam uma listagem de acidentes com mortos e feridos graves, com o dia e hora da ocorrência, localização por concelho e via de comunicação.

Em seis anos, até 2009, a ‘contabilidade’ de acidentes graves da DGV e ANSR (esta a partir de 2007) no IP3 resultou num total de 29 mortos e 46 feridos graves. Santa Comba Dão (10 mortos), Viseu (seis mortos em dois acidentes, ambos em 2006) e Penacova e Tondela (cinco mortos cada) foram os municípios onde se registaram mais vítimas mortais naquele período, a maioria devido a colisões frontais.

A partir de 2010, os mortos, em todo o território nacional, passaram também a ser contabilizados a 30 dias e não só no local do acidente e durante o transporte até à unidade de saúde, como sucedia até então.

Nesse primeiro ano de novas regras, a ANSR apenas indica um morto em Penacova, não havendo dados dos restantes concelhos. Entre 2011 e 2018 (oito anos), os números oficiais ascendem a 21 mortos e 59 feridos graves, com destaque para 2017, o único ano em que não se registaram vítimas mortais no intervalo analisado.

A Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária - a quem a Lusa pediu, por escrito, há três semanas, os números de acidentes com vítimas mortais no IP3, desde 1991, não obtendo qualquer resposta – voltou a alterar, em 2019, o formato da informação pública: deixaram de existir relatórios distritais (com indicação de dia, hora e local do acidente) para passar a um único relatório nacional, tendo desaparecido, nesse ano, a listagem de acidentes e a contabilização de mortos a 30 dias.

Sem dados de 2019, esses foram fornecidos pela GNR, que, a pedido idêntico ao da ANSR, respondeu com números de acidentes, vítimas mortais e feridos graves, mas apenas no período entre 2018 e a atualidade, nos distritos de Coimbra e Viseu.

Segundo a GNR, em 2019, o IP3 registou dois mortos e três feridos graves, todos no distrito de Viseu. Daí para a frente, a ANSR passou a publicar uma lista nacional de acidentes com vítimas mortais, a qual, quando comparada com os números da GNR, contém várias discrepâncias.

As duas entidades coincidem em 2020 – um morto em Viseu (Mortágua) – mas não nos anos seguintes de 2021 e 2022: a GNR não apresenta quaisquer dados de acidentes nesses dois anos em Viseu, e, no distrito de Coimbra, registou 208 acidentes, com um morto (em 2022) e cinco feridos graves.

Já a ANSR, nos mesmos dois anos, assinala quatro mortos: três mortos em Viseu em 2021 e um morto em Coimbra em 2022, algo que não sucedia naquele município desde 2007.

Nos dados enviados à Lusa, a GNR aponta 560 acidentes ocorridos no IP3 no distrito de Coimbra, entre 2018 e a atualidade, e apenas 47 (12 vezes menos) no distrito de Viseu, cujo percurso é sensivelmente o dobro em quilometragem.

Por último, nos primeiros seis meses deste ano, a ANSR não tem registo de vítimas mortais no percurso total do IP3, enquanto a GNR assinala três acidentes no distrito de Viseu (com um morto e quatro feridos graves) e 58 acidentes em Coimbra, com dois feridos graves.

Associação de utentes diz que falta de separador central continua a provocar mortes no IP3

A Associação de Utentes e Sobreviventes do IP3, criada em 2001 para reivindicar melhorias naquele Itinerário Principal, alega que a falta de separador central em troços do distrito de Viseu continua a provocar mortes devido a colisões frontais.

Em declarações à agência Lusa, Álvaro Miranda, responsável daquela associação, notou que o número de acidentes mortais diminuiu significativamente no distrito de Coimbra após a colocação, no início da década de 2000, de um separador central em betão entre a zona de Souselas e Oliveira do Mondego (concelho de Penacova), o que não sucede em Viseu, onde existem troços com três faixas sem separação entre elas.

“Relativamente ao número de acidentes graves com vítimas mortais, quando reivindicámos a colocação do separador central era no intuito de diminuir as colisões frontais que existiam e que, por decisão política, só foi colocado em todo o distrito de Coimbra, não foi colocado no distrito de Viseu. E o que viemos a assistir e a constatar, depois da colocação do separador central, é que os acidentes com vítimas mortais diminuíram muito”, vincou Álvaro Miranda.

Situação diferente, enfatizou, ocorre, ainda nos dias de hoje, no distrito de Viseu, onde se “continua a assistir (…) a acidentes com vítimas mortais e acidentes graves, motivados pela não colocação do separador central”.

Em 2018, a associação entregou na Assembleia da República uma petição com mais de sete mil assinaturas para que o IP3 fosse intervencionado e, a exemplo dos autarcas da região, Álvaro Miranda defende a transformação em autoestrada daquela via de 75 quilómetros (km) entre Coimbra e Viseu, mas sem portagens.

“Nós exigimos a requalificação integral de todo o IP3, em perfil de autoestrada, mas sempre sem portagens. Para melhorar as condições de tráfego e as condições de segurança de todos os utentes que circulam nesta via”, frisou.

O dirigente associativo notou ainda que o tráfego no IP3 – via que faz a ligação ao interior Centro e à fronteira de Vilar Formoso – é constituído por muitos veículos pesados de mercadorias, e que, à data de hoje, também devido ao encerramento para obras da linha ferroviária da Beira Alta, circulam naquele Itinerário Principal cerca de 18 mil viaturas diárias.

Quem passou cerca de 30 anos de vida ligado à segurança e à fiscalização de trânsito, foi Célio Dias, ex-militar da antiga Brigada de Trânsito da GNR, que acedeu recordar à Lusa, de “forma pedagógica e informativa”, algumas histórias relacionadas com as suas funções no IP3.

Célio Dias integrou, de moto, a escolta do então primeiro-ministro Cavaco Silva, que nos anos de 1990 se deslocou ao IP3. Lembrou, a esse propósito, o tipo de piso existente na estrada, uma mistura de betão e cimento: “Aquilo não era betuminoso, nem era bem cimento. Levantava tanto pó que nós nem tínhamos bem a noção em que tipo de pavimento estávamos a circular”, argumentou.

“O início deste IP3 foi dramático, todos os dias havia acidentes, gravíssimos. E dentro da nossa área, tínhamos a descida do Botão [entre Penacova e Coimbra], onde eu e os meus camaradas de serviço observámos autênticas desgraças”, afirmou.

Enalteceu, por outro lado, a ação dos comandantes de destacamento da GNR, que, na altura, eram “autênticos técnicos da área de segurança rodoviária”. As suas intervenções, em conjunto com instituições “que falavam umas com as outras”, contribuíram para melhorar a segurança no IP3, percebendo as “irregularidades em termos da estrutura de via”, e pugnando para alterações da sinalização ou para a defesa da colocação do separador central no distrito de Coimbra, o que acabou por suceder.

“Em Almaça [Mortágua], houve um sinal de STOP que esteve montado ao contrário mais de cinco anos. Todos os dias se faziam relatórios por causa do sinal e passado uns cinco anos é que foi alterado”, ilustrou o antigo cabo-chefe da GNR.

Olhando para o IP3 hoje, Célio Dias não deixou de apontar falhas, por exemplo, na descida do Botão, onde existe um radar de controle de velocidade que obriga a reduzir a marcha para os 60 km/h (quilómetros/hora). Ali, a estrada está reduzida a uma faixa de rodagem no seu percurso descendente, porquanto a existente mais à direita está encerrada, com detritos variados e pedras que caíram, ao longo dos anos, das barreiras adjacentes.

O ex-militar defendeu a instalação de um radar de velocidade média entre dois pontos no Botão, notando que quem reduz a velocidade ao passar pelo radar existente no topo, pode, depois, acelerar descida abaixo.

Contou, a esse propósito, que numa altura em que não existiam ainda separadores centrais, um dos condutores, ali fiscalizados pela GNR, foi detetado a 140 km/h “e a fazer a barba enquanto conduzia”.

Por outro lado, adiantou Célio Dias, se a sinistralidade no IP3 “diminuiu bastante com os separadores centrais, as vias de tráfego são muito diminutas” em largura.

“Se houver necessidade de fazer outro tipo de abordagem, quer policial, quer na área do socorro, é dramático”, resumiu.

Já Horácio Ferreira, comandante da corporação de Brasfemes, a norte de Coimbra, que tem também a parte inicial/final do IP3 na sua área de atuação, assinalou “algumas dificuldades” no acesso à descida do Botão.

“Se houver um acidente na descida, temos de subir ao nó do Lorvão [em Penacova] e voltar para trás. E, apesar de haver portões de acesso a meio da subida e da descida, esse percurso alternativo também demora tempo”.

Outros constrangimentos decorrem do facto de via “ser estreita” – na descida há muros de betão de um lado e do outro – “porque mesmo que [os condutores] queiram encostar para se passar, não é larga o suficiente para caberem dois carros”, explicou.

A agência Lusa tentou ouvir o comandante dos Bombeiros de Penacova, uma das corporações com mais atividade de socorro ao longo da história do IP3, mas os contactos resultaram infrutíferos.

Empresários consideram uma provocação a falta de investimento no IP3 e querem UE a pagar autoestrada

Associações empresariais das regiões Centro e de Coimbra consideraram uma provocação a falta de investimentos no Itinerário Principal 3 (IP3), criticaram anúncios de construção de uma autoestrada que não avançou e defenderam a aplicação de fundos europeus naquela via.

Em declarações à agência Lusa, José Couto, presidente do Conselho Empresarial do Centro (Cec), criticou o anúncio da transformação do IP3 em autoestrada, com ligação à A13 a sudeste de Coimbra, feito há 15 anos e que não teve seguimento, e manteve as críticas à situação atual, concretamente ao troço escolhido para o primeiro alargamento de via e às “indefinições” que, disse, estão a pôr em causa investimentos na região.

“As infraestruturas [rodoviárias] são fundamentais e o IP3 parece-me fundamental no contexto da coesão social e económica desta região. Não fazer isto [os investimentos] é provocatório, porque não fazer significa que nos estão a condicionar o crescimento e evolução desta região”, argumentou José Couto.

Deu o exemplo dos investimentos da Citroen na zona de Viseu e Mangualde: “Nós queremos que a Citroen possa investir na região Centro e na região junto a Viseu e Mangualde. Para que isso aconteça, é muito importante que se encontrem infraestruturas que facilitem a comunicação, a fluidez dos negócios e também das populações, com os fornecedores e com os clientes. Há que criar todo este ecossistema que permita, não só, captar o interesse dos investidores, e fazer com que continuem a investir nesta região”.

Lembrou que, sem autoestrada, a entidade a que preside acabou a defender uma via duplicada, onde tal fosse possível, com condições de segurança, projeto semelhante ao que o atual Governo tem em curso.

“O Cec considerou que já que não conseguiríamos ter isso [a autoestrada] em tempo útil, então avançar para uma solução que permitisse o alargar do traçado do IP3, dotado da maior segurança, que permitisse a circulação num perfil que, na maior parte do seu traçado, tivesse duplicação de vias”, explicou.

“Essa seria a solução que mais considerámos de imediato”, acrescentou, mesmo notando que na zona de Penacova, distrito de Coimbra, existe uma “limitação” na duplicação de vias face à orografia do terreno montanhoso, “mas nada que em termos de engenharia não pudesse resultar numa solução com mais rapidez [de circulação] e segurança”.

Apesar de o projeto estar em curso, face aos atrasos que já apresenta desde que a requalificação do IP3 foi anunciada pelo primeiro-ministro, António Costa, em 2018, José Couto afirmou que falta capacidade de decisão e que o Governo “não quis ouvir” os presidentes de Câmara e os empresários da região.

“Quem tem de decidir nestas situações, umas vezes parece que é a Infraestruturas de Portugal, outras vezes o ministério das Infraestruturas, outras parece-nos que não é ninguém e que há aqui um vazio de capacidade de decisão. E é um vazio terrível, porque este vazio é, mais ou menos, empurrar com a barriga para a frente, o que significa que ninguém vai decidir absolutamente nada”, acusou.

O anúncio de 130 milhões de euros para obras de requalificação, provenientes do Orçamento do Estado (o custo da duplicação do troço de 28 km entre Santa Comba Dão e Viseu, previsto para entrar em obra em 2024), levou o Cec a entender que “a zona que, provavelmente, menos necessitava de obras, era aquela que ia ter uma intervenção”, observou José Couto.

Apesar dos constrangimentos apontados, o empresário e dirigente do Cec alegou que se tem assistido “a um processo de evolução económica notável, mesmo com estas limitações e mesmo com más vias de comunicação”, considerando o IP3 como “crucial para a coesão dos territórios”.

Já Horácio Pina Prata, presidente da Associação Empresarial da Região de Coimbra (Nerc), frisou que a solução apresentada pelo Governo para o IP3 foi “pequenina”, por não o transformar “definitivamente” em autoestrada.

“A região merecia, a região exigiu isto, os autarcas exigiram, as associações empresariais, houve situações que foram refletidas. Infelizmente, o Governo não aproveitou as famosas verbas do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] para dar essa prenda a esta região, que bem necessitava, e que, obviamente, urge resolver de vez”, sublinhou o empresário.

Antigo vice-presidente da Câmara de Coimbra, no mandato de Carlos Encarnação, Pina Prata enfatizou que se o projeto de requalificação do IP3 em curso for concretizado, com 85% dos 75 km de extensão em perfil de autoestrada, como anunciado pelo Governo, o ministro das Infraestruturas, João Galamba, “vai ter de resolver os outros 15% que faltam”, defendendo o recurso a fundos europeus.

“Para isso é que há coesão territorial, para isso é que há verbas para a coesão territorial, para isso é que há PRR. Onde é que está o famoso PRR, que podia estar adaptado a realidades destas para resolver determinados tipos de problemas?”, questionou o dirigente do Nerc.

“Conseguiram resolver isso na região Norte, com justificações muito mais difíceis de fazer. Têm aqui que na região Centro fazer isso e o Nerc lança esse repto ao ministro: o ministro já foi eleito aqui pela região [nas listas do Partido Socialista à Assembleia da República], que resolva de vez este assunto do IP3. Se não resolveram até agora, que resolvam e transformem em perfil de autoestrada o que falta fazer”, sublinhou Pina Prata.

* Por José Luís Sousa, da agência Lusa