Em entrevista à agência Lusa, a propósito do Dia Mundial da Luta Contra o Cancro, que se assinala a 04 de fevereiro, João Oliveira lamentou que a construção do novo edifício do IPO não estivesse prevista no Orçamento do Estado (OE) para 2022, que foi chumbado e levou à dissolução da Assembleia da República.

“Ficámos muito animados porque este projeto, que é de vários milhões de euros, estava claramente inscrito no Orçamento do Estado para 2021, mas infelizmente não o vimos mencionado no Orçamento de Estado para 2022”, disse, esperando que na proposta do novo OE volte a estar inscrito.

João Oliveira alertou que, “se o edifício não for construído, é a globalidade da prática do instituto que vai ficar em perigo” e “a funcionalidade global, apesar de “muitos outros milhões de investimento” que já estão concretizados no IPO.

O presidente do IPO defendeu que a sua construção “é de uma premência enorme”, porque é um edifício destinado a atos de saúde em ambulatório.

“A oncologia tem evoluído nos últimos anos para uma ampla utilização [do ambulatório] com grandes benefícios, quer na comodidade dos doentes, quer em certa medida nos custos, mas sobretudo na fluidez e na facilidade com se praticam os cuidados”, salientou.

Atualmente, o ambulatório está repartido por “cantos do hospital” que foi feito numa altura em que o doente oncológico estava internado e havia “consultas simples, sem grandes coisas”.

Atualmente, o ambulatório tem cirurgia, “imensos exames, até invasivos”, em que as pessoas ficam umas horas e vão para casa.

O oncologista explicou que o projeto corresponde a um plano funcional que o IPO já fez e reviu de acordo com as observações feitas pelas autoridades de saúde competentes.

Os passos seguintes são as autorizações para lançar os projetos de arquitetura e depois a construção do edifício que ficará situado no atual parque de estacionamento virado para a Praça de Espanha.

De acordo com João Oliveira, foi preciso reprogramar o projeto em função das alterações feitas na Praça de Espanha e, sobretudo, em função dos novos conceitos de gestão hospitalar na sequência da pandemia de covid-19, nomeadamente as áreas de espera dos doentes e os locais onde se fazem os atos de diagnósticos e terapêuticos que têm que ter características diferentes de circulação de ar e distanciamento entre as pessoas.

A par da construção do novo edifício, o IPO fez “muitas obras de grande vulto” nas instalações existente, como no bloco operatório que passou a ocupar um piso do edifício, passando cinco para nove salas de operações com as mais “modernas tecnologias cirúrgicas”.

Também foi construída uma nova unidade de transplantação de medula, com a passagem de sete para 12 quartos, e modificado o um serviço de imuno-hemoterapia.

Em 2011, o instituto tinha um acelerador linear no serviço de radioterapia. Atualmente tem sete e está em processo de aquisição do oitavo, “indispensável para todo o tratamento de radioterapia”.

O IPO pretende também criar um serviço de terapêuticas celulares que, apesar de já serem praticadas no instituto, envolvem muitos outros serviços, precisando de “uma organização diferente, mais dedicada” que permita uma abordagem mais integrada às doenças, sobretudo hematológicas, como os linfomas de alto grau de malignidade ou leucemias agudas quando se tornam refratários a outros tratamentos.

O responsável salientou que entidades externas de avaliação dizem que o IPO de Lisboa tem sido “um muito bom utilizador das verbas que são postas à sua disposição” seja dos OE, seja dos financiamentos europeus de diversos programas do qual tem sido beneficiário.

“Temos tido uma percentagem de concretização muito alta mesmo no contexto nacional. Até por isso, é preciso fazer justiça ao IPO e conferir-lhe a capacidade de se renovar do ponto de vista da estrutura das instalações”, defendeu.

Despesa do IPO de Lisboa com medicamentos aumentou 50% em três anos

A despesa do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa com medicamentos aumentou 50% nos últimos três anos, representando atualmente cerca de dois terços dos gastos da instituição.

“Podemos dizer que gastamos dois terços em medicamentos e, se calhar, os medicamentos não têm dois terços da importância no tratamento do cancro, nomeadamente nos tumores não hematológicos, que é essencialmente cirúrgico”, observou.

O médico oncologista salientou que a cirurgia é o tratamento e até a cura da maior parte dos cancros, mas admitiu que esta despesa com medicamentos “é inevitável” e que “não é um problema específico do IPO de Lisboa, não é um problema específico de Portugal, mas é um problema”.

Analisando a evolução da despesa com medicamentos nos últimos três anos, precisou que, em 2019, foi de 46 milhões de euros, em 2020 aumentou para 53 milhões e no ano passado a estimativa aponta para um valor acima de 66 milhões.

Sobre as razões deste aumento, afirmou: “O número de doentes tratados não aumentou, o que aumentou foi o número de medicamentos que é aplicado a cada doente e aumentou sobretudo o preço unitário dos medicamentos”.

“Não há nenhum medicamento que venha mais barato do que o anterior e, muitas vezes, medicamentos que se tornam mais baratos, porque já são mais antigos, são substituídos sempre por medicamentos mais novos e mais caros, às vezes, sem um acréscimo correspondente de benefício”, sustentou.

Mas, disse, “é assim que o mercado funciona. O que é certo é que quer em Portugal quer nos outros países não parece ter diminuído a disponibilidade para pagar”.

João Oliveira sublinhou que as empresas farmacêuticas vão colocando os medicamentos no mercado ao preço que percebem que quem compra está disposto a pagar e, vincou, “tem sido impossível até agora romper esta cascata”.

“Há ‘démarches’ a nível europeu e a nível internacional, mas não vi grandes resultados. É quase um fatalismo”, criticou.

Questionado se a despesa também aumentou por serem medicamentos inovadores, comentou que geralmente quando nascem já vêm com “cara inovadora” e já vão ser pagos como inovadores.

“Também é um vício de prática que precisava ser corrigido e que eu espero que a literacia sobre a saúde, o conhecimento e a compreensão do que se passa exatamente na prestação de cuidados venha a corrigir isto no futuro, mas é um caminho prolongado”, lamentou.

O presidente do IPO de Lisboa notou que enquanto cada nova contratação “é escrutinada finamente” pelos ministérios da Saúde e das Finanças, mesmo que seja para empregar uma pessoa com o ordenado mínimo, já no que respeita a “esta enorme despesa com medicamentos há muito pouco escrutínio”.

“Percebemos que isso é um sinal de confiança por parte do Governo e das outras entidades escrutinadoras sobre a utilização que fazemos dos medicamentos, mas também por isso é que um instituto como o IPO se sente na obrigação de avaliar o mais rigorosamente possível de que forma é que está a fazer essa despesa”, defendeu.

No seu entender, isso é uma obrigação do Instituto até pelos ensinamentos que pode dar para o resto do Serviço Nacional de Saúde sobre a utilização de medicamentos.

“Queremos fazer jus à confiança que em nós depositam perante as entidades de que dependemos, uma confiança que nos permite lidar com estas despesas enormes, mas achamos que devemos corresponder a essa confiança com maior investigação sobre a efetividade destes tratamentos”, reconheceu João Oliveira.

* Por Helena Neves (texto), da agência Lusa