Rugui Djaló, cidadã guineense residente em Portugal, é acusada de ter submetido à prática Maimuna, a filha (agora com 3 anos), durante uma estadia de três meses na Guiné-Bissau, em 2019.
Quando voltou da viagem à Guiné, em março de 2019, Rugui levou Maimuna a um centro de saúde, porque a filha estava vermelha na zona genital, apontando como causa a combinação entre as fraldas e o calor do país africano de língua portuguesa de onde haviam regressado recentemente.
As enfermeiras que a atenderam identificaram uma infeção urinária e suspeitaram que esta tivesse sido causada por uma excisão genital. Posteriormente, a perícia médica feita a Maimuna confirmou essa possibilidade.
Na audiência de alegações finais, a 17 de dezembro do ano passado, a procuradora do Ministério Público pediu a aplicação de uma pena de prisão efetiva a Rugui Djaló, na convicção de que "teve conhecimento e consentiu o que foi feito" à sua filha.
A procuradora justificou o pedido de pena de prisão efetiva - não obstante a arguida, de 20 anos, não ter antecedentes criminais - com a "gravidade extrema" do crime, "violação de direitos humanos" para a qual se impõe "tolerância zero".
Por seu lado, o advogado de defesa, Jorge Gomes da Silva, assegurou que, dada a natureza da tradição do fanado (ritual de iniciação da Guiné que inclui a excisão feminina), a arguida não teria submetido a filha num dia e voltado para Portugal logo a seguir, nem teria levado a menina ao centro de saúde, sabendo de antemão que teria cometido um crime.
Nas alegações finais, o advogado sensibilizou o tribunal para a juventude da arguida, que "não é uma delinquente" e "luta pela vida, pautando a sua conduta pelas regras" de Portugal.
"Dou a minha vida pela minha filha", garantiu, no final da sessão de alegações finais, Rugui Djaló, que pertence à etnia fula, uma das que tradicionalmente mantêm a prática de mutilação genital.
O tribunal de Sintra marcou a leitura da sentença para hoje, às 14:00. A mutilação genital feminina é considerada crime autónomo em Portugal desde 2015.
A Guiné-Bissau – onde a mutilação genital feminina é punida por lei desde 2011 – é o único país de língua portuguesa que figura nas listas internacionais sobre a prática, estimando-se que metade das suas mulheres tenham sido excisadas.
Segundo dados oficiais, 39% das crianças guineenses com menos de 15 anos tinham sido excisadas em 2010 (antes da criminalização), percentagem que desceu para 30% em 2014.
Em Portugal, onde reside uma representativa comunidade guineense, os profissionais de saúde da região de Lisboa registaram 129 casos de mutilação genital feminina em 2019, o dobro em relação a 2018.
Este registo não decorre de mutilações genitais praticadas recentemente em território nacional – o que nunca foi provado ter acontecido –, mas sim da sinalização de vítimas nele residentes submetidas à prática fora do país e, na maioria dos casos, num passado não recente.
O Governo – que coordena o projeto “Práticas Saudáveis – Fim à Mutilação Genital Feminina – sublinhou, em fevereiro do ano passado, aquando do último balanço, que o aumento do número de casos registados reflete a capacitação dos profissionais de saúde para o diagnóstico destas situações.
Estima-se que em Portugal vivam 6.500 mulheres excisadas, na maioria originárias da Guiné-Bissau.
A mutilação genital feminina – que consiste na retirada total ou parcial de partes genitais, com consequências físicas, psicológicas e sexuais graves, podendo até causar a morte – ainda é uma prática comum em três dezenas de países, sobretudo africanos, estimando-se que ponha em risco três milhões de meninas e jovens todos os anos e que cerca de 200 milhões de mulheres e meninas tenham já sido submetidas à prática.
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