
“Nas finanças não há sorte nem azar, há procrastinação. Quando não fazemos as coisas no momento em que temos de as fazer, temos sempre azar, e o problema da maior parte das crises financeiras – e das quais, infelizmente, Portugal não se livrou –, foi precisamente isso: procrastinação”, disse o antigo ministro das Finanças na comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública.
O apontamento foi feito perante os deputados para justificar o contexto em que foi estruturado o acordo de capitalização contingente (CCA) para a compra do Novo Banco pelo fundo Lone Star, em 2017, e em que se encontrava o sistema bancário português.
Mário Centeno apontou que no final de 2015, cerca de 75% dos depósitos da banca portuguesa “estavam em instituições que ou estavam resolvidas, a caminho de uma resolução, sem capital ou que não tinham planos de negócios compatíveis com a sua sobrevivência enquanto instituições bancárias”.
A situação, que disse ser insustentável para um modelo de crescimento das economias modernas, fazia com que o sistema bancário em Portugal estivesse “inoperante do ponto de vista estratégico” e operacional.
O atual governador do BdP assinalou que foi nesse contexto que o Fundo de Resolução (FdR) deu uma resposta “muito complexa” numa resolução que foi “bastante experimental” do ponto de vista económico e financeiro.
Ainda assim, sublinhou que a decisão tinha enquadramento jurídico e legal – sustentado pelas decisões de tribunais.
A existência do CCA foi também justificada pela imposição de um prazo por Bruxelas para a venda do Novo Banco em dois anos, mas também pela ausência de condições para renegociar com Bruxelas as condições acordadas em 2014, aquando da queda do Banco Espírito Santo (BES).
No entender do governador, a existência do prazo implicava que, caso falhasse, havia apenas duas saídas: ou uma liquidação do banco, ou, caso as autoridades europeias permitissem, uma nova resolução.
“Aprendemos, ao longo do tempo e com grandes dificuldades, que renegociar é muito mais difícil do que negociar, porque renegociar obriga-nos a rever todas as premissas com que nos colocámos de início num processo, a maior parte das vezes, como estas, porque não tínhamos condições de cumprir os compromissos que tínhamos assumido”, acrescentou, registando que “agir tarde é o melhor sinal de dificuldades” no futuro.
Mário Centeno afastou ainda que um processo de resolução seja “um jardim florido”.
“Vamos ter de ser muito humildes e tentar perceber qual é o momento em que cada coisa está a ser feita para percebermos o que é que ainda podemos fazer em cima dessa qualquer coisa”, disse.
O responsável do regulador bancário recordou a audição parlamentar em que esteve em abril de 2017, quando ainda era ministro e o CCA ainda não tinha sido concluído, e na qual mencionou que na sua intervenção “refere a palavra riscos uma dúzia de vezes”.
“Ninguém escondeu a ninguém o que é que estava em causa naquele momento, e é muito simples de entender porquê: porque os problemas estavam no balanço do Novo Banco. Foi por isso que em agosto de 2015 não foi vendido, foi por isso que foi preciso encontrar um mecanismo (…) que pudesse acomodar aquela venda”, acrescentou.
Centeno rejeitou uma personalização do CCA e registou que este foi feito com ajuda de entidades como a Comissão Europeia, o BdP, o Ministério das Finanças, o Mecanismo Único de Supervisão ou o Banco Central Europeu (BCE).
Sem este CCA, o governador acredita que “não teria sido feita a venda do Novo Banco”.
“Não há nem elogios, nem autoelogios. É um esforço enormíssimo de compromisso da República Portuguesa que foi cumprido e que foi antecipado”, atirou.
Sobre a antecipação do fim do CCA, anunciado no início de dezembro pelo banco à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), Mário Centeno defendeu que poderia ter sido antecipado “muito mais no tempo”.
“Posso dar-vos esta opinião minha: podia ter sido antecipado muito mais no tempo. Poder-se-ia ter fechado o mecanismo, e era se calhar desejável para o sistema bancário português e até para a instituição Novo Banco que isso tivesse acontecido”, opinou.
O governador assinalou que, apesar de controlado, o mecanismo poderia ter sido “mais controlado”, mas registou que “nenhum instrumento criado no setor financeiro com intervenção do Estado em Portugal” teve o mesmo número de auditorias que o CCA.
Mário Centeno disse ainda que a partir do momento em que deixaram de existir injeções do FdR no Novo Banco, tem havido um contributo positivo para as contas públicas, na ordem dos 250 milhões de euros – as contribuições pagas pela banca ao fundo.
Para o futuro, Centeno registou a possibilidade de uma alteração no reembolso dos empréstimos do FdR ao Estado, mas remeteu-a para o futuro.
“Nós antecipamos que este aumento de resultados na banca é transitório, é cíclico, e que depois este ciclo irá convergir para valores mais reduzidos nos resultados da banca. O futuro dirá como esta evolução se vai fazer. Eu diria que, nessa altura, era um melhor momento para alterar aquilo que é o equilíbrio que hoje temos”, afirmou.
O CCA foi negociado durante o processo da compra do Novo Banco pelo fundo Lone Star, em 2017, e foi ao abrigo deste que o Fundo de Resolução injetou mais de 3.000 milhões de euros no banco.
O fim antecipado do acordo de CCA deverá ter um impacto de 62,7 milhões de euros nos resultados da instituição, que passa agora também a poder distribuir dividendos, como indicou a instituição financeira num comunicado enviado à CMVM em 09 de dezembro.
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