A 10 de maio passado, um alemão de 27 anos esfaqueou quatro pessoas perto de Munique, causando a morte de uma delas. Depois do interrogatório, as autoridades disseram tratar-se de um "desequilibrado", que não agiu movido por objetivos extremistas. Nos últimos meses, este tipo de ataque isolado multiplicou-se na Europa.
Nestes indivíduos, "os delírios foram-se sempre adaptando. Cada vez que a sociedade evolui, os delírios evoluem", explica à AFP o especialista em psiquiatria Daniel Zagury. "Delírios místicos sempre existiram. Com frequência, são os mais perigosos (...) É gente que moldou os seus delírios à atualidade. Hoje, 'Alá é grande' é o que dá um sentido místico e messiânico aos seus actos", acrescentou. "Por isso, há pessoas que lançam o carro contra a multidão, ou esfaqueiam desconhecidos, porque a atualidade alimenta a sua esquizofrenia, os seus ataques delirantes...", completa o especialista.
É preciso evitar, porém, o abuso do termo "desequilibrado". Nos casos de ações extremistas, há poucos doentes mentais, apenas cerca de 10%, estima Zagury. Os outros são "pequenos delinquentes de cabeça vazia, com uma primeira vida de drogas, de contrabando e que depis, na segunda vida, lavam a primeira com um Islão radical; ou ainda, os mais perigosos, gente perfeitamente normal com um compromisso ideológico, sem passado na criminalidade, às vezes com estudos, muito determinados".
'Um Alá mais vingativo'
"Um delírio é algo que dá sentido à existência, quando ela já não o tem", comentou Zagury, que analisou vários desses radicais. Para a psicóloga clínica Amélie Boukhobza, o problema está "em chegar a um acordo sobre o termo 'desequilibrado', porque uma pessoa pode ser próxima do movimento islamita radical e também ter problemas psiquiátricos". "Hoje em dia, a omnipresença do Daesh nos meios de comunicação pode influenciar os mais desequilibrados. De forma geral, nos delírios psiquiátricos, Deus costuma estar presente. Um Deus bom, ou mau. Com a amplitude que o fenómeno Daesh adquire, Deus pode ser substituído por Alá. Um Alá mais presente e vingativo", acrescentou Boukhobza.
"Seria interessante lançar um estudo científico, com um registo de todos os casos. Com frequência, tendemos a dizer que se trata de desequilibrados, mas teria de fazer-se um estudo a sério. Cada caso é particular", reforçou.
O grupo EI já entendeu muito bem que pode tirar proveito dos seus incessantes apelos à ação contra os "ímpios", afirma o psicólogo Patrick Amoyel. "Sabem que, quanto mais ocuparem o espaço mediático, mais eco terão entre a população de fácil radicalização, ou entre os psicopáticos. Representam a antissociedade, o anti-Ocidente. Isso pode canalizar uma radicalidade social sem passar, necessariamente, por uma [radicalidade] política e religiosa", disse Amoyel. "Há aqueles que sabem o que fazem, que o fazem com conhecimento de causa. São os verdadeiros terroristas", alegou. Também há "os que têm psicopatologias de passagem à ação" e, nesses casos, as palavras de ordem do EI podem fazê-los agir, advertiu o psicólogo.
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