Centenas de milhares de brasileiros saíram às ruas no último sábado, pedindo a destituição do atual chefe de Estado, Jair Bolsonaro, e uma vacinação em massa no país contra a covid-19.

Apesar de Lula da Silva não ter participado nas convocações para as manifestações, que ocorreram em mais de 100 cidades do país, o antigo mandatário saiu fortalecido, assim uma como uma futura candidatura sua às presidenciais do Brasil, em 2022, avaliou Paulo Baía.

“Embora Lula não tenha integrado a convocação para as manifestações, esse movimento fortalece uma futura candidatura. Com a decisão do Supremo, que tornou Lula elegível, ele é o grande candidato das oposições a Bolsonaro”, afirmou à Lusa o politólogo e sociólogo, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O ex-sindicalista metalúrgico recuperou os direitos políticos há cerca de dois meses e meio, quando o Supremo Tribunal Federal anulou as suas condenações no âmbito da operação Lava Jato, em Curitiba.

Lula já admitiu que concorrerá à Presidência do Brasil, em 2022, “se for favorito à vitória” e se tiver “saúde”.

“A possibilidade de Lula ser candidato desorganizou as outras candidaturas que se vinham ensaiando, como a de Ciro Gomes [antigo candidato presidencial], de Luciano Huck [apresentador televisivo], do Henrique Mandetta [ex-ministro da Saúde], do João Doria [governador de São Paulo]. Essas candidaturas perderam densidade com a candidatura de Lula, que nem é candidato ainda, mas as sondagens mostram uma potência eleitoral de Lula e Bolsonaro”, indicou Baía.

Lula da Silva lidera a corrida eleitoral de 2022 para a Presidência do país e venceria Jair Bolsonaro na segunda volta, segundo uma sondagem do Instituto Datafolha divulgada em 12 de maio.

Nos protestos de sábado contra Bolsonaro, Lula esteve presente em vários cartazes e cânticos de manifestantes, que pediram o regresso político do antigo mandatário, de 75 anos.

“Mesmo Lula não estando presente [fisicamente], a manifestação colocou-o no centro do debate político, num potente movimento de rua. Tratou-se de uma manifestação política que aponta para a saída de Bolsonaro do poder, mas não com a sua substituição pelo general Mourão [atual vice-presidente], mas sim a sua saída nas urnas, em 2022, para Lula da Silva”, indicou o sociólogo.

Nesse sentido, de acordo com Paulo Baía, Bolsonaro enfrentará cada vez mais dificuldades até 2022, antevendo várias manifestações no país nos próximos meses.

“Não posso afirmar que é o começo do fim de Bolsonaro, porque ainda conta com uma sólida base popular, mas posso afirmar que Bolsonaro vai ter dificuldades maiores até 2022, inclusive porque o panorama da economia está muito ruim, estamos a viver uma crise económica profunda e a população vai aumentar as manifestações”, afirmou o cientista político.

Um dos pontos das manifestações de sábado que mais chamou a atenção da opinião pública foi a deficitária cobertura mediática dos protestos pela imprensa tradicional brasileira.

Grandes jornais como O Estado de S. Paulo, Globo ou Folha de S. Paulo têm sido duramente criticados por várias figuras política e por vários setores da sociedade civil, por não terem dedicado grande tempo de antena, nem terem dado destaque de primeira página, aos protestos contra Bolsonaro, ao contrário do que ocorreu com manifestações anteriores, como as contra o Governo de Dilma Rousseff [2011-2016].

Na visão de Paulo Baía, há “dois olhares” com que esta situação pode ser observada.

“Podemos ver a situação com um olhar de boa vontade, em que esses jornais estão numa campanha pelo isolamento social, posicionam-se contra manifestações e vêm defendendo o recolhimento social, tendo-se colocado contra as anteriores manifestações pró-Bolsonaro”, disse.

“Um outro olhar é de que esses órgãos, da grande ‘media’, são contra Bolsonaro, mas também são contra o Lula. Eles apoiaram a operação Lava Jato, apoiaram a prisão de Lula. Então, há um desconforto nos grandes jornais em noticiar a manifestação que coloca Lula no centro dos acontecimentos”, contrastou o brasileiro.

Baía achou “estranhíssimo” a imprensa não ter noticiado uma manifestação com a dimensão da que ocorreu na Avenida Paulista, em São Paulo, mas observou que os jornais enfrentaram um paradoxo, de “serem contra Bolsonaro, e ao mesmo tempo, não querem noticiar o impacto as manifestações”, por causa de Lula.

“Então, dá para ter um olhar de boa vontade, mas, se observarmos com mais detalhe, vemos a preocupação dos ‘media’ com um regresso e crescimento de uma campanha do Lula”, concluiu Baía, em declarações à Lusa.

Protestos de movimentos "inorgânicos" serão mais frequentes

A forte adesão às manifestações, que tiveram lugar em mais de 100 cidades do Brasil, surpreendeu até mesmo algumas áreas da oposição e algumas organizações, que esperavam um número menor de pessoas nas ruas devido à pandemia de covid-19.

A presença inesperada de centenas de milhares de cidadãos nas ruas deu-se devido a movimentos inorgânicos, que se organizaram na internet contra Jair Bolsonaro, numa convocatória "muito mais por fora dos partidos e das organizações sindicais", explicou Paulo Baía.

"As organizações sindicais e alguns partidos ponderaram que não era o momento de fazer uma manifestação, por causa da pandemia. Então, esses grupos mais autónomos é que puxaram a manifestação, sobretudo movimentos de moradores periféricos e jovens", afirmou o cientista político.

"Fiquei muito impressionado com a grande presença de jovens, que ainda não estão vacinados, mas que foram muito ativos, principalmente em São Paulo, que acolheu a maior manifestação, mas também no Rio de Janeiro ou em Brasília. Acredito que, a partir de agora, outras manifestações vão acontecer, com maior densidade e com maior público, mas frisando que as de sábado já tiveram uma adesão razoável e surpreendente dentro do atual clima de pandemia", frisou.

Na visão do especialista, os protestos poderiam ter sido muito superiores, e com um impacto ainda maior, se tivesse ocorrido uma convocação dos sindicatos, de mais Organizações Não-Governamentais (ONG) e de outros setores da sociedade civil.

Contrariamente às manifestações pró-Bolsonaro que decorreram durante a atual pandemia, as organizações dos protestos de sábado pediram aos participantes para adotarem as medidas preventivas contra a covid-19 e distribuíram máscaras e gel desinfetante, recomendações que tiveram grande adesão, mas que não conseguiram evitar aglomerações.

O dilema entre o discurso pró-isolamento social, defendido por médicos e cientistas, e o incentivo a aglomerações, resultou em diferentes níveis de participação, com importantes organizações sindicais a não convocarem a população e os seus membros.

Apesar de a pandemia no Brasil caminhar para uma terceira vaga, Paulo Baía avaliou que o cansaço da população face ao Governo foi mais forte.

"O que eu avalio é que há um cansaço da população. A população está cansada, sufocada, em função dos impactos da pandemia, dos impactos no seu dia-a-dia, na falta de dinheiro, de emprego, de verem pessoas morrer", disse à Lusa o professor universitário.

Nesse sentido, deu-se um movimento alavancado em duas frentes: uma no sentido de pedir o afastamento de Jair Bolsonaro da Presidência brasileira, levado a cabo, sobretudo, pelos setores mais organizados da juventude; e outra dos que pedem "vacina para todos", que defendem um processo de imunização em massa para a população brasileira.

Segundo Paulo Baía, não foram só os movimentos inorgânicos e os jovens que surpreenderam nas manifestações do passado sábado, mas também a "quebra do monopólio" observado nos últimos anos no Brasil, onde a direita dominava os protestos no país.

"Outro dado importante que eu vejo na manifestação foi que se quebrou o monopólio que se estabeleceu a partir de 2016 até 2018, de manifestações de direita, e de 2019 até agora, de manifestações a favor de Bolsonaro. Esse monopólio foi quebrado e estabeleceu-se um contraponto, de uma manifestação contra Bolsonaro", salientou o especialista.