Em declarações aos jornalistas, o líder parlamentar do PSD, Paulo Mota Pinto, precisou que são introduzidas três grandes alterações à lei 32/2008, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas, para corrigir as principais objeções apontadas no acórdão do TC conhecido no final de abril.

“Em primeiro lugar, proibimos a circulação e transferência de dados para fora de Portugal e da União Europeia”, apontou o antigo juiz do Tribunal Constitucional.

Em segundo lugar, acrescentou, o diploma do PSD prevê uma redução do prazo de conservação dos dados para 12 semanas “a contar da data da conclusão da comunicação” (atualmente a lei prevê um ano), salientando que na Alemanha este prazo é atualmente de dez semanas.

Finalmente, o projeto-lei dos sociais-democratas prevê a notificação dos envolvidos quando esta já não puder pôr em causa a investigação criminal.

“Prevemos que a lei se aplique imediatamente a processos pendentes e tentamos que alguns deles possam ser ainda salvaguardados”, frisou.

Numa norma transitória do diploma, estabelece-se que “em processos pendentes e em que já tenha sido deduzida acusação no momento da entrada em vigor da presente lei” é lícita a utilização de metadados que tenham sido conservados por um período superior 12 semanas, desde que inferior a um ano.

“Esperamos que o projeto possa ser agendado proximamente e que, para o futuro, possa resolver o problema”, apontou.

Paulo Mota Pinto defendeu que o projeto-lei do PSD “expurga, elimina completamente as inconstitucionalidades” que foram apontadas pelos juízes do Palácio Ratton para o futuro, embora admita que a norma transitória possa suscitar dúvidas.

“Nós prevemos neste projeto que para os dados que não tenham sido conservados mais de 12 semanas quando foram utilizados não haverá problema. Prevemos também que, para aqueles processos em que já foi deduzida acusação com base nesses dados, mesmo que conservados por mais de 12 semanas e menos de um ano, esta lei os salvaguardaria”, afirmou.

Mota Pinto disse ter consciência que “esta disposição é problemática e pode ser incompatível com os efeitos do TC”, manifestando-se disponível para a sua discussão na especialidade, até depois de conhecida a nova decisão do Tribunal depois de analisar a arguição da Procuradora-geral da República em que é defendida a nulidade da decisão.

Questionado se existiu algum entendimento prévio com o PS, o deputado respondeu negativamente, dizendo que o partido sentiu que era seu “dever avançar com este projeto-lei”.

Sobre os receios de que o acórdão do TC possa pôr em causa milhares de processos, Paulo Mota Pinto procurou desdramatizar.

“Penso que se tem criado uma situação de alarme social excessiva, exagerada. Só estão em causa casos investigações que assentem exclusiva ou decisivamente em dados conservados entre 12 semanas e um ano, não sei se são muitos”, afirmou.

Na sequência de um pedido de fiscalização sucessiva da Provedora de Justiça, o Tribunal Constitucional (TC) declarou inconstitucionais as normas da chamada "lei dos metadados" que determinam a conservação dos dados de tráfego e localização das comunicações pelo período de um ano, visando a sua eventual utilização na investigação criminal, num acórdão de 19 de abril tornado público no dia 17.

O TC considerou que, ao não se prever que o armazenamento desses dados ocorra num Estado-membro da União Europeia, “põe-se em causa o direito de o visado controlar e auditar o tratamento dos dados a seu respeito” e a “efetividade da garantia constitucional de fiscalização por uma autoridade administrativa independente”.

Por outro lado, entendeu que guardar os dados de tráfego e localização de todas as pessoas, de forma generalizada, “restringe de modo desproporcionado os direitos à reserva da intimidade da vida privada e à autodeterminação informativa”.

O possível impacto desta decisão nos processos com recurso a metadados na investigação criminal desde 2008 está já a ser questionado por diferentes agentes judiciários e foi comentado pelo Presidente da República, que sublinhou a posição “muito firme” dos juízes do TC.

PSD acusa Governo de “inércia negligente” sobre metadados e defende necessidade de rever Constituição

Em declarações aos jornalistas na Assembleia da República, Paulo Mota Pinto, além de apresentar este projeto-lei, deixou também duas notas políticas.

“Este caso mostra claramente que existiu uma inércia, diria até uma inércia negligente, do legislador, em particular do Governo, que estava alerta desde 2014, depois 2016 e depois 2020, com três acórdãos do Tribunal de Justiça do Luxemburgo sobre esta matéria”, afirmou.

O deputado e antigo juiz do TC considerou que “o Governo estava avisado de que isto ia acontecer”, uma vez que se tratava de jurisprudência europeia.

“Este caso mostra também a conveniência, senão mesmo a necessidade, de discutir estas matérias num quadro mais abrangente de revisão constitucional”, alertou.

O projeto de revisão da Constituição que o PSD tem pronto - mas que poderá nem ser entregue no parlamento - contém uma norma em que se alarga o acesso de dados ao sistema de informações da República.

No artigo relativo à inviolabilidade do domicílio e correspondência (34.º), e que atualmente prevê que “é proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal”, os sociais-democratas acrescentam a frase “e de informações da República, mediante decisão e com controlo judiciais”.

“Pensamos que a evolução da jurisprudência nos últimos 25 anos deveria ser tida em conta e considerada no quadro de uma revisão constitucional”, defendeu.

O PSD vai escolher o seu próximo presidente em eleições diretas em 28 de maio e o atual líder, Rui Rio, já se comprometeu a não entregar o diploma no parlamento (bem como outro sobre a lei eleitoral da Assembleia da República) caso pelo menos um dos candidatos à liderança se oponha.

São candidatos anunciados o antigo líder parlamentar Luís Montenegro - que já defendeu que estes diplomas estruturantes deveriam esperar pelo próximo presidente - e o antigo vice-presidente Jorge Moreira da Silva, que não manifestou objeções quanto à lei eleitoral, mas disse desconhecer o texto do PSD sobre a revisão da Constituição.