Chama-se Margarida Ferreira, é cabo da GNR de Bragança, e há quatro anos que decidiu dedicar-se aos amigos de quatro patas. Durante este tempo já ajudou na recuperação de mais de 900 cães, de forma voluntária e apaixonada. Já resgatou algumas centenas  do canil intermunicipal e comprou outros para evitar o negócio da procriação em massa.

Sentada no imaculado alpendre da sua casa, e sem ruído de fundo, não deixando adivinhar a presença de mais de uma dúzia de cães, vai contando como tudo começou. Faz parte da Amicus Canis (AMICA), uma associação privada sem fins lucrativos, que foi criada em 2010, com sede no Instituto Politécnico de Bragança. Mas, lamentavelmente, como deixa antever Margarida no olhar, a Amica não tem um espaço físico para acolher animais e depende exclusivamente da boa vontade dos voluntários que, como Margarida, recebem os animais nas suas casas para uma nova oportunidade, concentrando a sua ação, sobretudo, na esterilização.

O sonho era a criação de um centro de recolha oficial para acabar, como frisa, “com o pesadelo dos animais e de quem os protege e trata”. E não foi por falta de insistência, pois Margarida já rumou muitas vezes à Câmara Municipal para concretizar o seu pedido: “Mas a resposta é sempre a mesma: há o canil de Vimioso. Mas são coisas diferentes. Um é para reabilitar e o outro é para exterminar, mas meter isso na cabeça das pessoas… só quem percebe o nosso trabalho é que sabe a diferença”.

As verbas para a esterilização dos animais disponibilizadas pela autarquia, a boa vontade dos veterinários em alguns descontos, a doação de bens de particulares, lá vão ajudando a manter um projeto que de fácil não tem nada. “E até os animais que eu tiro do canil de Vimioso sou eu que pago os 19 euros. Muitas das dezenas que me passaram pelas mãos saíram de lá”, sublinha.

Evitar o abate

O trabalho da associação passa também pela interação com a autarquia, em casos em que, por exemplo, um animal é retirado aos donos por maus tratos pela veterinária do município. Com a intervenção dos voluntários, evita-se que os cães sejam abatidos no canil intermunicipal, que funciona no concelho vizinho de Vimioso, existindo em Bragança apenas três celas onde os animais capturados aguardam em média três dias até que seja feita a recolha.

“Tenho agora uma cadela que foi retirada ao dono por maus tratos aqui de uma aldeia perto. Tinha sarna, vinha com três filhos, com golpes, com leishmaniose. Estou a tratá-la há três meses. Já está curada, mas tem que ser acompanhada sempre, como uma doença crónica. É assim que funciona a interajuda para evitar que estes animais sejam abatidos”, explicou a voluntária, acrescentando, de voz exaltada: “mas eu apresentei queixa crime, porque o que importa é retirar os animais a essas pessoas e impedir que voltem a ter animais. O que na maioria dos casos não acontece”.

E não acontece porque, como explicou Margarida, “a lei não protege em nada os animais. E depois nós, associação, ao longo da nossa luta só nos metemos em chatices legais, com custos. A lei tinha que ser severa, tinha que doer. Mas não dói nada. Não há sensibilidade nenhuma. A lei da proteção dos animais é para tapar olhos. Deu mais um lugar a um partido e mais nada”.

“A minha vida mudou muito”

Quase há cinco anos sem férias nem fins-de-semana, e com despesas mensais com os animais a rondar em média os 400 euros, pois são precisas vacinas, desparasitantes, esterilizações, alimentação e muito mais, Margarida lembra o quão complicado é o seu dia-a-dia: “A minha vida mudou muito! E já cheguei a ter 21 cães ao mesmo tempo! Não é fácil ter o espaço sempre limpo e educá-los de forma a que não façam barulho e não incomodem os vizinhos. Imponho regras. E já deixei de comprar muita coisa para mim, mas nada me faz falta. Faz-me falta que os cães estejam bem”.

Da sua cozinha rústica no exterior, só mesmo o nome, pois é onde dorme a maioria dos animais. Os canteiros, todos vedados, evitando tropelias e fugas para a rua. E o mobiliário de jardim, empilhado para que não haja a tentação de uma roídela.

Emotiva e orgulhosa, Margarida fala depressa e explica tudo bem explicadinho: “Não é fácil. Não é um inferno, mas é muito complicado. Abdiquei de tudo porque eu quis e sinto-me bem, porque dá-me um alento à minha vida. Mas tenho pena destes desgraçados. Até me dá mais trabalho lidar com as pessoas do que com estes inocentes. É preciso gostar, mas, principalmente, ter pena delas. Ter compaixão”.

A hora da despedida

Mas os inocentes, como lhes chama, só estão de passagem. Depois de reabilitados, está na hora da sua segunda oportunidade que acontece com a adoção. E, apesar de as pessoas estarem cada vez mais sensibilizadas para a necessidade de acolher estes animais, ainda há quem os devolva novamente à associação, sendo a desculpa das alergias a mais frequente. Para prevenir esta situação, a adoção é concretizada após a assinatura de um termo de responsabilidade onde se inscreve a obrigatoriedade de devolução à instituição caso o processo não corra da forma desejada. “Há pessoas que não têm consciência e felizmente que nos devolvem os animais e não os abandonam novamente”, refere a cabo da GNR.

Margarida tem o registo de todos os animais que saem de sua casa para novos lares e acompanha a nova vida dos cães através, principalmente, das redes sociais, pois vai recebendo fotos, mensagens… mas é sempre o momento em que uma ou outra lágrima fazem das suas. “Custa-me separar deles quando vão para adoção, mas sei que tem que ser. Isto é dar uma segunda oportunidade na vida destes animais que a maior parte não tem. Ao terem uma segunda oportunidade já estão a ser uns sortudos. Depois os novos donos têm que ter a sua responsabilidade”.

Por muitos é mal compreendida e há quem até lhe chame a “Madre Guida dos Cães”, o que para Margarida nada mais não é do que um elogio. São, como diz, “opções de vida que há que respeitar”.

Defendendo-se das más línguas, até porque já lá vai o tempo em que isso a incomodava, Margarida sublinha de forma decidida: “O que faço não prejudica ninguém. Eu, com o meu dinheiro, o meu trabalho, o meu tempo e o meu sacrifício, ajudo quem eu quero. O meu dinheiro dos impostos já deveria ir para ajudar crianças, idosos e os mais desfavorecidos. O que é que vai para os animais? Assassina-los nos canis intermunicipais”.

[Texto: Aida Sofia Lima/Voz de Trás-os-Montes]

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