O Ministério Público anunciou hoje que iniciou uma investigação devido à publicação, por agentes das forças de segurança, de mensagens nas redes sociais com conteúdo discriminatório e que incitam ao ódio.

“Confirma-se a instauração de inquérito sobre a matéria. Corre termos no DIAP [Departamento de Investigação e Ação Penal] de Lisboa”, disse a Procuradoria-Geral da República, em resposta à agência Lusa.

Um dia antes, o ministro da Administração Interna ordenou à Inspeção-Geral da Administração Interna a abertura de um inquérito à veracidade destes casos.

Mas o que se passou?

Um consórcio de jornalistas de investigação (Público, Expresso, SIC, Visão e Setenta e Quatro), e que inclui também advogados e académicos,divulgou entre esta quarta e quinta-feira mais de três mil publicações de militares da GNR e agentes da PSP, feitas nos últimos anos.

Estas mensagens apresentam conteúdos racistas e xenófobos, além de casos de incitação à violência e ao ódio.

No trabalho são apresentados diversos casos de publicações como: “Procura-se sniper com experiência em ministros e presidentes, políticos corruptos e gestores danosos”, diz o texto sobre a imagem do cano de uma espingarda que um militar da GNR de Vendas Novas publicado no Facebook. “Enquanto não limparem um ou dois políticos, não fazem nada…”, sugere um militar da GNR de Setúbal no grupo fechado Colegas GNR.

Segundo a mesma investigação, todos os agentes e militares da PSP e da GNR que escreveram estas frases nas redes sociais estão no ativo. “Muitos deles usam o seu nome verdadeiro e os seus perfis pessoais para fazer ameaças e praticar uma longa lista de crimes públicos, bem como dezenas de infrações muito graves aos seus códigos de conduta e estatuto profissional”, prossegue a reportagem.

Infrações aos códigos de conduta?

Sim, além dos crimes relacionados com incitação ao ódio, este tipo de prática nas redes sociais é proibida pelos códigos de conduta tanto da PSP como da GNR.

Sem surpresas, tanto uma instância como a outra emitiram comunicados públicos, repudiando este tipo de violência, pedindo que os responsáveis sejam devidamente disciplinados e assegurando que estão em prática normas e códigos de conduta para prevenir este tipo de situações. 

Já houve punições quanto a casos assim?

Sim, mas em muito menor número face à escala que a reportagem parece apontar. Segundo o Ministério da Administração Interna, onze elementos da PSP, GNR e SEF foram alvo de processos disciplinares por racismo ou ódio nos últimos quatro anos, existindo ainda 18 casos pendentes na Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI).

No caso da Guarda Nacional Republicana, entre 2018 a 2022, um militar foi alvo de uma pena disciplinar de repreensão escrita agravada e a um outro foi aplicada a pena de 45 dias de suspensão agravada, bem como a sua transferência compulsiva pelo período de quatro anos.

Foram ainda remetidos à IGAI três procedimentos disciplinares relativos a 17 arguidos militares da GNR, sendo que a um deles foi aplicada a pena disciplinar de “separação de serviço”.

Em relação à Polícia de Segurança Pública, entre 2019 a 2022, dois agentes foram alvo de multas, três foram suspensos, um teve como pena disciplinar a repreensão e outro polícia foi demitido. Neste momento estão pendentes nove procedimentos disciplinares em relação a agentes da PSP.

O MAI indica ainda que há um procedimento disciplinar aplicado a um inspetor do SEF, o qual se encontra com a tramitação suspensa a aguardar a decisão de um tribunal. Atualmente, estão ainda pendentes nove procedimentos disciplinares em relação a inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

Como é que o Governo reagiu?

Quarta-feira à noite, logo depois da emissão da reportagem na SIC, o Ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, enviou uma nota às redações, dizendo ter determinado “à Inspeção-Geral da Administração Interna a abertura de inquérito, imediato, para apuramento da veracidade dos indícios contidos nas notícias” emitidas “sobre a alegada publicação, por agentes das Forças de Segurança, de mensagens nas redes sociais com conteúdo discriminatório, incitadoras de ódio e violência contra determinadas pessoas".

As alegadas mensagens, que incluem juízos ofensivos da honra ou consideração de determinadas pessoas, "são de extrema gravidade e justificam o caráter prioritário do inquérito agora determinado à IGAI", refere José Luís Carneiro no comunicado.

Já hoje, durante o dia, Carneiro pronunciou-se sobre o tema. “Esta situação que conhecemos agora, por intermédio desta investigação realizada por um conjunto de jornalistas, exige da nossa parte uma atitude de grande lucidez, firmeza, determinação e consequência”, afirmou.

E os partidos?

Tanto o BE como PCP pediram audições urgentes ao ministro da Administração Interna na Assembleia da República.

Da parte dos bloquistas, é dito que “qualquer comportamento ilícito por parte de membros das forças de segurança é absolutamente intolerável, sob pena de colocar em causa a confiança e a credibilidade de uma instituição basilar do Estado, que, nos termos da lei, detém o monopólio do uso da força”.

É por esse motivo que requerem a audição urgente de José Luís Carneiro na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias “quanto às denúncias de atos ilícitos praticados por membros da PSP e GNR”.

Já os comunistas disseram que “estas práticas são violadoras dos valores constitucionais e expressam incitamento à violência e a comportamentos de ódio racista e xenófobo”. “Importa ouvir as entidades com responsabilidade sobre esta área e, igualmente, esclarecer as medidas futuras que assegurem a defesa da legalidade democrática em respeito pelos valores consagrados” na Constituição.

Por seu lado, o PS reagiu com bastante menos determinação, com a deputada Joana Sá Pereira a dizer que o partido acompanha “com preocupação” estas notícias, mas que pretende agir com prudência quanto ao caso. “O que temos que fazer é esperar com serenidade os resultados dessa investigação e depois refletirmos sobre ela e tirarmos, isso é fundamental, as ilações que dessa investigação possamos produzir”, referiu.

No espectro oposto, o Chega disse ser contra atitudes “de racismo, xenofobia ou discriminação”, mas colocou a tónica na “atitude persecutória” contra polícias da parte do Governo. André Ventura classificou como “amostra muito insignificante” os casos conhecidos e referiu que se trata de “estados de alma”.

O líder do Chega indicou que o partido vai expor o caso à Comissão Europeia, para “denunciar o clima de intimidação à polícia e de humilhação à polícia que algumas entidades estão a levar a cabo, sobretudo o Ministério da Administração Interna e o ministro da Administração Interna”.