A associação completa hoje quatro anos e, por ocasião do aniversário, o presidente da Quebrar o Silêncio adiantou à agência Lusa que desde 2016 recebeu 371 pedidos de ajuda da parte de homens e jovens vítimas de abuso sexual, algo que considera ser “uma evolução positiva”.
“No ano passado [2019] registámos 99 pedidos de ajuda de homens, neste ano [2020] registamos 120 e temos notado que apesar de a grande maioria dos casos que chegam até nós serem homens na casa dos 35 anos, também temos notado alguns pedidos por jovens na casa dos 20, o que também para nós é importante perceber porque estamos a chegar a outro público, a outros homens que precisam do nosso apoio”, destacou Ângelo Fernandes.
De acordo com o responsável, a maioria dos homens que procura a ajuda da associação tem à volta de 35 anos, o que significa que passou “cerca de 20 anos em silêncio por causa do abuso” de que foi vítima.
“Quando vemos que há jovens na casa dos 20 anos que nos pedem ajuda parece-nos positivo porque estamos a encurtar o longo período de silêncio”, sublinhou.
Ângelo Fernandes explicou que, na maior parte dos casos dos homens e rapazes que procuram a ajuda da associação, o abuso aconteceu durante a infância, mas há também situações em que o abuso aconteceu já durante a adolescência ou até mesmo na fase adulta.
Casos com homens adultos continuam a ser residuais, andam na “casa dos 5% a 10% dos nossos casos, mas se pensarmos que no primeiro ano não havia sequer essa percentagem, já começa a indicar que há aqui uma mudança”, salientou.
De acordo com Ângelo Fernandes, também ele uma vítima deste tipo de crime, quem chega à Quebrar o Silêncio procura vários tipos de ajuda, e se há quem queira partilhar a sua história e confirmar se o seu caso foi ou não de abuso sexual – “porque acreditam que os homens não podem ser vítimas de violência sexual” – outros procuram apoio psicológico para conseguir ultrapassar as consequências traumáticas.
“Nós precisamos cada vez mais de trazer para a conversa, quando falamos de violência sexual, esta dimensão traumática que esta experiência teve nas vítimas e que o apoio psicológico especializado ajuda a ultrapassar as consequências”, apontou o responsável.
No global, Ângelo Fernandes considera positiva a evolução que a associação tem feito tendo em conta a diversidade cada vez maior de casos que chegam, apontando que “à medida que os homens vão conhecendo esta realidade” e percebem que existem outros homens que também foram abusados, mais facilmente pedem ajuda.
“É muito positivo porque significa que a nossa mensagem está a passar, a chegar a mais homens, e cada vez mais cedo conseguem perceber que não estão sozinhos e que há alguém que pode ajudá-los a ultrapassar estas consequências”, sublinhou.
Na opinião do presidente da associação, também tem ajudado os testemunhos de vítimas que estão no ‘site’ da Quebrar o Silêncio, graças aos quais há “quase sempre um efeito bola de neve”: “Um homem que testemunha ajuda sempre outros a fazer o mesmo porque assim percebem que não estão sozinhos”.
Atualmente, a associação ajuda semanalmente 21 homens vítimas de violência sexual com apoio psicológico, registando-se mensalmente uma média de 10 novos pedidos de apoio, que tanto pode ser feito pela própria vítima, como por familiares ou amigos que queiram ajudar.
“Nos últimos meses temos registado mais ou menos cerca de 20 a 24 atendimentos regulares por mês, ou seja, homens que todas as semanas têm apoio psicológico regular connosco. No passado tínhamos 14, 15 apoios regulares por mês, neste momento estamos com entre 20 a 24, portanto é quase o dobro”, destacou.
Para 2021, Ângelo Fernandes tem já uma série de projetos em vista, nomeadamente o lançamento de um guia para a comunicação social com orientações para a elaboração de notícias sobre violência sexual, a realização de ‘workshops’ para pais e mães sobre como prevenir e agir em caso de suspeita, além de uma ação de formação para profissionais educativos, já que, como sublinhou, “uma em cada cinco crianças é vítima de violência sexual”.
Apesar do trabalho feito, Ângelo Fernandes não tem dúvidas em afirmar que ainda há muito por fazer: “Em termos sociais ainda falta muito por conquistar, ainda falta muito para reconhecer e aceitar que os homens também podem ser vítima de violência sexual”.
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