“A sensação é sempre a mesma, é que para este período não pode haver sempre uma data, porque quem manda é a natureza. Este ano como choveu muito, até tarde, […] os terrenos ainda estão todos a atascar. Se a erva for cortada agora, os materiais finos, que são esses que propagam os incêndios, ainda vão rebentar todos”, afirmou o presidente da direção da Federação Nacional de Associações de Proprietários Florestais (FNAPF).
Luís Damas notou que o limite do dia 30 deste mês para concluir a gestão de combustíveis “não é exequível” e, por isso, defendeu “o adiamento para até ao fim do mês de maio ou até 15 de junho”, já que, além de ter chovido muito, “não há mão-de-obra”.
“Corremos o risco de estarmos a fazer sem ter depois utilidade nenhuma. [Há] ervas ao nascer e depois quando vier o calor de julho e agosto vai secar tudo, e vai ficar muito material combustível para alimentar os incêndios”, frisou.
A federação irá, por isso, tentar junto dos ministérios da Administração Interna e da Agricultura, que voltou a tutelar as Florestas, que tenham “algum bom senso” e vejam que “a data é impraticável este ano”, tal como aconteceu durante a pandemia de covid-19.
Seja como for, admitiu que, também pela pressão das autoridades, está provado que “essas faixas reduziram a intensidade e até mudaram às vezes o rumo do incêndio”.
“É um grande custo todos os anos e não há, às vezes, mão-de-obra para o fazer, mas muita gente já interiorizou isso porque, na volta da GNR, as pessoas também levam coimas e que não são assim tão pequenas”, vincou Luís Damas.
Para o presidente da direção da ANEFA — Associação Nacional de Empresas Florestais, Agrícolas e do Ambiente, Pedro Serra Ramos, a gestão de faixas de combustíveis “é exequível”, até por lhe parecer que “há uma menor procura de serviços para limpar este ano”.
“Acho que as pessoas começam a não ter capacidade financeira para realizar as limpezas todos os anos”, notou.
O engenheiro florestal reconheceu que o proprietário com possibilidades financeiras e que “sabe que vai ter que limpar se preocupa com isso e contrata para fazer muito cedo”.
Com a chuva recente, referiu, há “áreas com alguma vegetação que pode levantar preocupações”, mas, ainda assim, “se a limpeza tiver ficado bem feita, não haverá muito esse risco”.
Por seu lado, Luís Damas salientou que várias associações de produtores florestais têm “equipas de sapadores que fazem este trabalho” e a cada ano sentem que há “um ritual das pessoas” de recorrerem aos serviços, “tanto dos sapadores como empresas especializadas na limpeza” destes terrenos, após as trágicas mortes nos incêndios de 2017.
Além da limpeza de 100 metros à volta dos aglomerados e de 50 metros em redor de habitações, o dirigente da FNAPF destacou que se está a “mudar a ocupação do solo, a tirar pinhal e eucaliptal e pôr outras culturas, que não sejam tão combustíveis, principalmente de uso agrícola, tanto vinhas como olivais, medronheiros”.
“Portanto, também criar ali à volta das aldeias um cinturão de segurança, com ocupação diferente, que obriga também as pessoas todos os anos a terem a vinha, o olival tratado e também faz ali uma segurança às aldeias”, apontou, assegurando que “é um caminho que se está a fazer”.
Para já, Luís Damas, além do programa Condomínio de Aldeia – que apoia ações de alteração do uso e ocupação do solo e a gestão de combustíveis em redor dos aglomerados, financiado pelo Fundo Ambiental -, destacou a criação das áreas integradas de gestão da paisagem (AIGP), articulando o ordenamento e gestão da paisagem com o aumento de área florestal gerida a uma escala que promova a resiliência aos incêndios e a economia rural.
“Devido ao abandono, a área florestal neste território tem que ser diminuída e tem que ser intercalada com as tais cabras, os tais olivais, outros usos do solo, para que não tenha manchas continuas”, advogou o dirigente da FNAPF, que congrega 41 organizações de proprietários e produtores florestais do continente.
Em resposta à Lusa, a AGIF – Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais explicou que a informação de âmbito regional (por concelhos e freguesias) sobre a evolução da gestão de combustível será feita pelos municípios e privados, a partir deste ano, via Plataforma Interoperável (Plis), pelo que só a partir de 2025 existirão estes dados “compilados e agregados”.
Associação de empresas florestais diz que estratégia deve ser repensada
A gestão de faixas de combustível em terrenos florestais visa prevenir fogos rurais, mas a ANEFA – Associação Nacional de Empresas Florestais, Agrícolas e do Ambiente questiona a limpeza anual e defende que a estratégia deve ser repensada.
“Não entendemos muito a necessidade de repetir anualmente, para os padrões que estão a ser exigidos, ou seja, a altura da erva e esse tipo de situações”, afirmou o presidente da direção da ANEFA, Pedro Serra Ramos, em declarações à Lusa.
O engenheiro florestal acrescentou que as limpezas anuais, para a associação, “têm uma preocupação acrescida”: em muitos casos as pessoas focam-se em limpar as áreas em que é obrigatório, “mas depois deixam para trás a gestão das áreas florestais em si”.
“Ou seja, como o dinheiro não chega para tudo, aquilo que acaba por se notar é que há uma preocupação - o pouco dinheiro que há serve para limpar, para não serem sujeitos a coima -, mas depois fica a gestão florestal por fazer, porque já não há dinheiro”, explicou, admitindo que isso possa não ser “assim tão positivo do ponto de vista da prevenção” dos fogos rurais.
Para o dirigente, estará na altura de “voltar a sentar os diferentes atores que participam nisto à volta da mesa”, para discutir “se vale a pena continuar com esta estratégia”, porque muitas vezes é limpa a faixa dos 50 metros ao redor de um edifício “e depois o resto é uma desgraça”.
Segundo o mais recente relatório anual do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais, de 2022 – o documento de 2023 será entregue ao Governo em breve –, foi reportada a “execução global de 73.248 hectares (menos 14.210 hectares face a 2021, uma diminuição de 17%), não se atingindo o valor acumulado estabelecido pelas entidades”.
O documento reporta, em termos de gestão de combustível, 65.693 hectares (ha) em 2019, 70.387 ha em 2020 e 88.058 ha em 2021.
Estes números não incorporam, “por falta de mecanismos adequados de reporte, a maioria das entidades privadas (proprietários florestais e agrícolas, individuais ou coletivos) e autarquias”, que têm um peso bastante relevante, refere-se no relatório.
Em relação ao Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), o decréscimo deveu-se à diminuição de 50% da área executada com recurso ao fogo controlado e queimadas (1.829 ha) e diminuição de 10% da área executada em mosaicos (14.523 ha), face ao ano anterior.
O documento regista ainda o ligeiro aumento na execução de rede primária (7.871 ha) e na proteção de áreas de elevado valor através de 18 projetos-piloto (1.901 ha).
O relatório de 2022 sublinha ser “cada vez mais urgente o reforço de medidas que estimulem o envolvimento privado e o consequente investimento em medidas de silvicultura, boa gestão após exploração florestal”, entre outras.
A limpeza de terrenos agrícolas e florestais, a concretizar até 30 de abril, padece, no entanto, da escassez de mão-de-obra por todo o país.
“Há zonas mais afetadas que outras, todas as empresas estão a sofrer um bocadinho com falta de pessoal qualificado para fazer os trabalhos”, referiu Pedro Serra Ramos, salientando que as empresas, como perceberam que a situação “vai ter continuidade”, foram investindo na mecanização.
A realidade é também conhecida da Federação Nacional de Associações de Proprietários Florestais (FNAPF).
“Já há robôs também de limpeza. Já há outros sistemas mais avançados, mecanizou-se muito”, disse o presidente, Luís Damas, reconhecendo que haverá sempre dependência de mão-de-obra, para trabalhos manuais ou trabalhadores especializados na operação das máquinas.
Em zonas como Abrantes, distrito de Santarém, ainda é possível encontrar trabalhadores portugueses, enquanto outras empresas “têm já equipas constituídas por imigrantes”, em zonas como Viseu ou Oliveira do Hospital, onde há muita indústria.
O dirigente avançou que “as regiões do litoral têm alguma dificuldade de mão-de-obra”, até por no interior alguns trabalhos poderem ser complemento à atividade local.
Pedro Serra Ramos frisou que, “na maior parte dos casos”, os imigrantes também “não estão preparados para a realização destes trabalhos”.
“A tendência será cada vez mais procurarem soluções de mecanização que, de alguma forma, colmatam esta falta de mão-de-obra, porque é diferente” conseguir-se “atrair os jovens para trabalhar, por exemplo, com robôs e desmatação, do que para agarrar numa motorroçadora e andarem a cortar mato”, vincou.
Para Serra Ramos, a prevenção deveria ser feita a partir da gestão do espaço florestal, o que não tem acontecido, e “a prova está no nível de arborização”, que “é praticamente nula”.
“Os proprietários muitas vezes não têm receita disponível para pagar uma gestão profissional florestal e, portanto, deveria ser aí que o Estado devia investir muito mais do que na limpeza pura e dura de pequenas áreas, apenas para proteção junto aos espaços urbanos”, defendeu.
Passados sete anos dos trágicos incêndios de 2017, vincou, “já se deveria ter apontado a estratégia para uma gestão profissional da floresta”, em vez de “apostar apenas na sensibilização das pessoas”, e de preparar o futuro da prevenção da floresta em relação às alterações climáticas e fogos rurais.
“Está na altura de nos sentarmos à mesa e fazer aquilo que […] pode ser chamado de um plano de sustentabilidade da floresta portuguesa”, propôs o responsável da ANEFA, quando, a mais de metade do prazo e só com 870.000 árvores plantadas, se está longe da meta da União Europeia da plantação de 3.000 milhões de árvores no espaço europeu.
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