O coletivo de juízes Michael Peart, Marie Baker e Caroline Costello entendeu que as empresas Amândio Carvalho SA, Rosas Construtores SA e Gabriel Couto SA estavam a usar indevidamente a possibilidade de recurso como um "abuso processual calculado", e que tal iria atrasar o pagamento das indemnizações por mais tempo.

"Chega a uma altura em que deve haver um fim no contencioso, Na minha opinião, esse ponto foi alcançado agora nestes procedimentos", afirmou Caroline Costello, na leitura da decisão do Tribunal de Recurso irlandês, à qual a agência Lusa teve acesso.

O processo remonta a 2009, quando uma inspeção do trabalho verificou o uso de registos falsos do número de horas efetuadas por trabalhadores portugueses ao serviço do consórcio Rac Eire Partnership, formado pelas três empresas portuguesas, contratadas para efetuar obras na autoestrada N7 entre Nenagh e Limerick, na costa oeste da Irlanda, entre 2007 e 2008.

Condenadas na sequência de um processo-crime, as construtoras foram alvo de uma ação civil por um grupo de trabalhadores que tinha sido recrutado em Portugal devido à falta de pagamento por horas de trabalho e também pelas más condições de alojamento em módulos pré-fabricados, pelas quais tinham de pagar aos empregadores.

Segundo relataram, dormiam entre seis a oito pessoas por quarto, as instalações sanitárias funcionavam mal, as águas residuais acumulavam-se no exterior e o lixo era recolhido pouco frequentemente.

Vários tribunais irlandeses, incluindo o Tribunal Superior irlandês, no ano passado, consideraram tais condições inadequadas e condenaram as construtoras a pagar indemnizações, acrescentadas de juros e custas judiciais, de 1,2 milhões de euros.

A juíza Caroline Costello vincou na segunda-feira que este valor não está incluído nos 2,8 milhões de euros a que as construtoras Amândio Carvalho SA, Rosas Construtores SA e Gabriel Couto SA foram condenadas a pagar no âmbito de diferentes processos.

Ao longo destes anos, as empresas, representadas por quatro escritórios de advogados irlandeses sucessivos, continuaram a apresentar recursos contra os valores e as decisões, incluindo um pedido recente para recorrer ao Tribunal Supremo, que avalia casos em que esteja em causa a Constituição.

O advogado dos trabalhadores portugueses, Tom O'Reagan, apresentou ao Tribunal de Recurso documentos indicando que vários advogados ao serviço das construtoras abandonaram o caso alegando dificuldades de relacionamento e falta de pagamento, levando à falta de representação em alguns dos julgamentos.

Sem negar estas situações, os novos advogados da Amândio Carvalho SA, Rosas Construtores SA e Gabriel Couto SA, do escritório Christie & Gargan Solicitors, rejeitaram que os recursos pretendam "frustrar ou obstruir" os processos.

Desde 2015, algumas das sentenças foram convertidas em Títulos Executivos Europeus, um instrumento que reconhece e executa automaticamente créditos por pagar noutro país da UE, para recuperar das construtoras os pagamentos determinados pelos tribunais irlandeses, e estão em curso processos judiciais em Portugal.

Ao fim de uma década de processos e julgamentos, dois dos trabalhadores morreram sem receber as indemnizações devidas, e também estão por pagar as custas judiciais dos advogados de acusação, que têm prestado os serviços sem receber honorários.

As construtoras em causa, que nunca responderam aos pedidos da Lusa para comentar este caso, continuam em atividade, mas deixaram de operar na Irlanda.

Para Maria Manuela Silva, jurista e presidente da Associação Portuguesa na Irlanda, que tem acompanhado este processo do lado dos trabalhadores, as construtoras não deveriam beneficiar de contratos públicos em Portugal, o que considera uma infração à Diretiva 2014 da União Europeia (UE).

Por exemplo, em novembro passado, a câmara de Viana do Castelo adjudicou à empresa Construções Amândio Carvalho, por mais de 5,3 milhões de euros, a construção dos acessos rodoviários ao porto de mar, o que foi confirmado pelo Tribunal de Contas em janeiro.

Este ano, a Câmara Municipal de Loulé adjudicou à Gabriel Couto, após concurso internacional, obras de requalificação da Escola Básica 2,3 D. Dinis, em Quarteira, num contrato de 6,2 milhões de euros cofinanciado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, no âmbito do Portugal 2020.

Esta mesma construtora beneficiou no ano passado de um contrato de 5,9 milhões de euros da Câmara Municipal de Oliveira do Hospital para a construção e reconstrução de habitações destruídos pelos incêndios de 2017.

"Depois da Diretiva 2014, os Estados-membros têm que se assegurar que empresas que concorrem a concursos públicos não estão condenadas por más práticas e, como se vê, tanto a Amândio Carvalho como a Gabriel Couto continuam a concorrer e a ter sucesso em concursos públicos e com dinheiro da UE", lamentou hoje, em declarações à Lusa.