Um Papa que quer modernizar a Igreja Católica 

A reforma da Cúria Romana (o governo da Igreja Católica), implicando a sua modernização, fusão de serviços e transparência, era uma das questões mais prementes do conclave que elegeu Jorge Bergoglio, mas algumas medidas têm encontrado resistência interna. A reforma, avisou, "não tem fins estéticos".

O Papa tem nomeado cardeais de países que nunca tinham tido representação no colégio cardinalício, alargando assim a diversidade, além de terem menos de 80 anos, o que lhes permite eleger um novo papa e participar no conclave.

Com estas nomeações, Francisco tem procurado assegurar que uma maioria de cardeais pense como ele e, assim, seja menos provável a eleição de um papa conservador para lhe suceder.

Além disso, criou comissões para reformar a organização económica do Vaticano ou para rever o funcionamento do Instituto para as Obras de Religião, conhecido como Banco do Vaticano.

O Papa também tem criticado a atuação de membros do clero, quando recorda que a Igreja deve servir os outros e não servir-se a si própria.

“Como eu gostaria de uma Igreja pobre, para os pobres”, desabafou. Noutro momento, disse: “Os padres e as freiras têm de ser coerentes com a pobreza. Quando vemos que o primeiro interesse de uma instituição paroquial ou educativa é o dinheiro, isto é de uma grande incoerência".

O Papa tem insistido na necessidade de atribuir postos-chave a mulheres e leigos, no âmbito da reforma do Governo da Igreja de Roma, e anunciou a ntenção de criar uma comissão para estudar a possibilidade de as mulheres acederem ao diaconado, podendo substituir os padres em alguns sacramentos, como o batismo.

Além disso, Francisco sugeriu recentemente a possibilidade de ordenar homens casados, em particular em locais onde há escassez de padres.

“A Igreja não pode ser uma 'baby-sitter' para os cristãos, deve ser uma mãe e é por esta razão que os laicos devem assumir as suas responsabilidades de batizados.”

Uma crise monetária... e humana

“Esta economia mata”. Esta é uma das ideias mais fortes do seu pontificado, que referiu na sua exortação apostólica ‘Evangelii Gaudium’, em 2013, e que tem servido para ilustrar as suas críticas aos efeitos da crise económica.

“A crise que estamos a viver é a crise da pessoa, que já não conta; só o dinheiro conta”, disse, numa ocasião, e, noutro momento, comentou: “O [sem-abrigo] que morre não é notícia, mas se as bolsas caem 10 pontos é uma tragédia. Assim, as pessoas são descartadas”.

Repetidamente, o papa manifesta a sua preocupação com os pobres, os desempregados, enquanto condena a acumulação do lucro e o culto do dinheiro.

“[A crise financeira mundial tem origem] numa profunda crise antropológica com a criação de ídolos novos, o culto do dinheiro e a ditadura de uma economia sem rosto, nem objetivo verdadeiramente humano.”

A Terra é uma "casa comum"

É uma das principais preocupações assumidas pelo papa, que dedicou a sua primeira encíclica, ‘Laudato Si’ (‘Louvado Sejas’), ao tema.

Vendo o mundo como "uma casa comum", o Papa trouxe para esta encíclica a tradição de S. Francisco de Assis, com a preocupação pela "mãe terra, que nos sustenta e governa e produz variados frutos com flores coloridas e verduras".

Francisco já avisou que o mundo está “à beira do suicídio” devido às alterações climáticas.

Esta também era uma preocupação de João Paulo II e Bento XVI.

"Lanço um convite urgente a renovar o diálogo sobre a maneira como estamos a construir o futuro do planeta. Precisamos de um debate que nos una a todos, porque o desafio ambiental, que vivemos, e as suas raízes humanas dizem respeito e têm impacto sobre todos nós."

Tolerância zero para crimes de pedofilia

O Papa reforçou as normas de expulsão dos bispos que sejam negligentes em relação aos abusos sexuais de menores ou adultos vulneráveis, e pediu “tolerância zero”.

Francisco condenou a traição dos padres pedófilos, que “roubam os inocentes da sua dignidade”.

“Devemos ser muito duros [com crimes de pedofilia praticados por alguns padres]! Com as crianças não se brinca”, declarou.

No entanto, o trabalho da Comissão Pontifícia para a Proteção dos Menores voltou a ser criticado, com a irlandesa Marie Collins, ela própria vítima, enquanto criança, de abusos sexuais cometidos por um padre, a demitir-se com acusações de “falta de cooperação ” do Vaticano.

“Os crimes, os pecados dos abusos sexuais a menores [cometidos por membros da Igreja], não podem ser mantidos em segredo durante mais tempo.”

Um filho de migrantes que se preocupa com esta realidade

O Papa Francisco é filho de migrantes e, também por isso, a temática dos refugiados não lhe tem sido indiferente. Em diversas ocasiões, Francisco criticou duramente a falta de atenção que a Europa presta aos migrantes e refugiados, acusando os europeus de terem uma “consciência insensível e anestesiada”, quando os mares Mediterrâneo e Egeu se transformaram “num cemitério insaciável”.

O Papa lamentou que sejam destinadas “somas escandalosas” de dinheiro para salvar bancos em dificuldades, mas que não se invista “nem uma milésima parte” na ajuda a refugiados e migrantes.

Em 2016, quando visitou a ilha de Lesbos (Grécia), levou para o Vaticano três famílias muçulmanas. E, ainda no final de março, visitou a casa de uma família muçulmana em Milão.

“O espetáculo dos últimos dias desses seres humanos [migrantes] tratados como mercadorias faz chorar.”

Aborto, homossexualidade e contraceptivos não são tudo

O Papa tem acentuado a necessidade de observar “as condições” da vida de cada um e de a Igreja ter “misericórdia”, mais do que pôr a tónica somente nas doutrinas.

O último ano do seu pontificado ficou marcado pela polémica em torno da exortação apostólica ‘Amoris Laetitia’ (‘A Alegria no Amor’), na qual abre a porta à comunhão para os católicos divorciados e numa segunda união.

Quatro cardeais ultraconservadores - entre os quais Raymond Burke, um dos principais críticos do papa -, pediram a Francisco que esclarecesse a sua posição. O Papa não respondeu diretamente, mas insistiu que a decisão de dar a comunhão aos divorciados que voltaram a casar tem o apoio da maioria dos bispos do mundo, defendendo que eles devem sentir que fazem parte da Igreja e não estão excomungados.

O cardeal norte-americano Burke, uma proeminente figura conservadora, atuou como ligação do Vaticano com a Ordem de Malta, desde que foi marginalizado de papéis mais importantes pelo Papa em 2014, mas Francisco afastou-o recentemente dessa posição depois de ter estado envolvido na problemática saída de um membro desta organização internacional católica.

Jorge Bergoglio também afastou a condenação dos homossexuais: “Se uma pessoa é homossexual e procura Deus, quem sou eu para julgá-la?”.

Quanto ao aborto, o Papa autorizou todos os sacerdotes a manterem definitivamente a capacidade de absolverem as mulheres que fizeram um aborto, disposição que devia vigorar apenas durante o ano jubilar da misericórdia, que terminou em novembro de 2016.

“A Igreja não pode insistir apenas sobre as questões relacionadas com o aborto, o casamento homossexual e o uso de métodos contracetivos”

Todas as Igrejas numa só

O diálogo inter-religioso e o ecumenismo têm sido marcas do pontificado de Francisco.

No início do ano passado, pediu aos crentes que rezem por um diálogo inter-religioso, que leve à paz e justiça no mundo.

“Muitos pensam de forma diferente, sentem diferente, procuram Deus e encontram Deus de outra forma. Nesta multitude, neste leque de religiões há uma única certeza: todos somos filhos de Deus”, declarou.

Em fevereiro de 2016, o Papa Francisco e o patriarca ortodoxo russo Kiril deram um abraço, naquele que foi o primeiro encontro dos líderes das duas Igrejas após o cisma de 1054, e assinaram uma declaração conjunta por causa da perseguição aos cristãos no Médio Oriente e África do Norte.

Francisco também já se reuniu com Ahmed Al Tayeb, o imã da universidade islâmica do Cairo Al Azhar, um importante centro sunita, para abordar o compromisso das autoridades e fiéis das grandes religiões na “rejeição da violência e do terrorismo”.

Com os muçulmanos, Francisco teve já muitos gestos de aproximação. Logo na primeira Quinta-Feira Santa do seu pontificado, lavou os pés a mulheres muçulmanas presas numa prisão nos arredores de Roma.

Dias depois da sua primeira viagem à Terra Santa, em 2014, juntou-se ao presidente de Israel, Shimon Peres, e ao presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, numa oração pela paz no Médio Oriente.

Na sua primeira viagem, à ilha italiana de Lampedusa, local de chegada de milhares de refugiados e migrantes, fez uma alusão ao Ramadão.

Em julho do ano passado, o Papa visitou o campo de concentração de Auschwitz, na Polónia, a pé, sozinho e em silêncio, onde rezou durante cerca de dez minutos. No final, escreveu no livro de honra: “Senhor, tende piedade do teu povo, Senhor, perdoa tanta crueldade”.

“Juntos [cristãos e muçulmanos] digam ‘não’ ao ódio, à vingança, à violência, em particular à que se comete em nome de uma religião ou de Deus. Deus é paz, ‘salam’.”

 Terrorismo, uma doença das religiões

Francisco condenou, em várias ocasiões, o terrorismo, que recusa associar ao Islão: o fundamentalismo é “uma doença de todas as religiões”, incluindo da Igreja Católica Romana, que tem “alguns, até muitos, fundamentalistas”.

“Muitos [muçulmanos] dizem-me: não somos assim, o Alcorão é um livro de paz, é um livro profético de paz, isto não é o Islamismo. Ouço isso e sinceramente não posso dizer que todos os muçulmanos são terroristas”.

Francisco condena a “loucura homicida” do terrorismo e apela ao diálogo inter-religioso.

“Peço ao Senhor que apoie todos os homens de boa vontade que enfrentam a praga do terrorismo e essa mancha de sangue que envolve o mundo com uma sombra de medo e de perda.”

O Papa e as relações internacionais

A mediação do conflito histórico entre os Estados Unidos e Cuba, que permitiu o reatamento das relações diplomáticas, ao fim de mais de 50 anos, é uma das principais intervenções de Francisco a nível de relações internacionais.

O papa também procurou ajudar a que fossem ultrapassadas as divergências na Colômbia, promovendo um encontro entre o Presidente, Juan Manuel Santos, e o seu antecessor, Álvaro Uribe, que contestava o acordo de paz com a guerrilha das FARC.

Quanto à situação da Venezuela, o líder católico já manifestou várias vezes a sua preocupação, dirigindo uma carta ao Presidente, Nicolás Maduro, e pedindo “caminhos de diálogo” e “gestos corajosos” para que as "consequências da crise política, social e económica" deixem de pesar sobre a população.

Sobre o Médio Oriente, Bergoglio tem feito apelos insistentes para que israelitas e palestinianos retomem o diálogo e alcancem "uma solução estável e duradoura que garanta a convivência pacífica de dois Estados dentro de fronteiras reconhecidas internacionalmente".

A guerra na Síria mereceu vários lamentos do papa, que apelou ao “cessar-fogo imediato” para permitir a saída dos civis das zonas atingidas.

“O mundo precisa de reconciliação nesta atmosfera de terceira guerra mundial que estamos a viver.”

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