A HRW lembra que o Alto Comissariado da Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) também “afirma que a Síria não é segura”, apesar de não existir conflito ativo em partes do país desde 2018, defendendo que “todos os países devem proteger os sírios de regressar para enfrentar violência, tortura e impedir qualquer retorno forçado à Síria”.
No relatório “‘As nossas vidas são como a morte’: Refugiados sírios regressam do Líbano e da Jordânia”, a Human Rights Watch documenta casos de prisão ou detenção arbitrária (21), desaparecimentos forçados (17) tortura (13), execuções extrajudiciais (cinco), sequestro (três) e alegada violência sexual (um) entre 65 refugiados e familiares que entrevistou.
“Os relatos angustiantes” daquelas vítimas “do governo sírio e milícias” pró-governamentais “devem tornar claro que a Síria não é segura para regressos”, assinala a investigadora da HRW sobre direitos de refugiados e migrantes Nadia Hardman num comunicado.
A conclusão da HRW é coerente com as descobertas de outras organizações de defesa dos direitos humanos, de jornalistas e da Comissão de Inquérito da ONU para a Síria, que também documentaram detenções arbitrárias, tortura, execuções sumárias e desaparecimentos forçados, adianta o comunicado.
Os refugiados que regressam enfrentam ainda “violações generalizadas dos direitos de propriedade e outras dificuldades económicas”, refere ainda a HRW, que também entrevistou para o relatório três advogados da Síria, Jordânia e Líbano e quatro investigadores e especialistas, assim como várias organizações não-governamentais e agências da ONU, e analisou legislação e memorandos de entendimento.
Segundo a Human Rights Watch, a realidade descrita por várias organizações não tem impedido países da região e fora dela de continuarem a promover o regresso de refugiados à Síria. “A Dinamarca estabeleceu um precedente perigoso dentro da União Europeia ao retirar o estatuto de ‘proteção temporária’ a pessoas de Damasco e da região” da capital, assinala, pedindo a Copenhaga para revogar a decisão.
Constituindo a maior população de refugiados do mundo, os sírios estão distribuídos por 127 países, sendo a Turquia o principal país de acolhimento. O Líbano e a Jordânia acolhem “a maior proporção” em relação ao número de habitantes desses países.
No caso do Líbano, têm sido feitos decretos e regulamentos para dificultar a vida dos refugiados sírios, pressionando-os a regressar, indica a HRW, precisando que as autoridades forçaram o desmantelamento de abrigos, bloquearam a renovação de autorizações de residência e “deportaram sumariamente milhares de refugiados sírios”. A organização reforça que a crise económica sem precedentes que o Líbano atravessa “deixou 90% dos sírios numa situação de extrema pobreza”.
A Jordânia até concedeu algumas oportunidades de trabalho aos refugiados, mas apenas 2% das famílias que fugiram da guerra na Síria consegue alimentar-se convenientemente, o que, no entanto, não fez aumentar significativamente o número dos que “voltam espontaneamente” para o seu país.
A HRW pede aos governos doadores para pressionarem o governo sírio de Bashar al-Assad e aliados contra a continuação dos abusos com impunidade, bem como para “usar a sua influência contra práticas como deportações sumárias e devoluções forçadas” de refugiados por parte dos países de acolhimento.
“Nenhum país deve obrigar os refugiados a voltar para a Síria enquanto o governo sírio praticar abusos generalizados dos direitos humanos”, insiste Hardman, lamentando que “uma década depois, os refugiados que regressam ainda corram o risco de perseguição por parte do mesmo governo do qual fugiram”.
A guerra da Síria, desencadeada em 2011 com a repressão de manifestações pró-democracia, provocou cerca de meio milhão de mortos, segundo o Observatório Sírio dos Direitos Humanos, assim como milhões de deslocados e refugiados.
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