O diploma prevê, com efeitos a partir de 01 de janeiro de 2024, a revogação da norma que permitia ao Governo conceder a nacionalidade por naturalização "aos descendentes de judeus sefarditas portugueses, através da demonstração da tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa, com base em requisitos objetivos comprovados de ligação a Portugal, designadamente apelidos, idioma familiar, descendência direta ou colateral".
Com o apoio do PS e do Bloco de Esquerda, e a abstenção do Chega, Iniciativa Liberal e Livre, a iniciativa foi aprovada na generalidade e segue agora para discussão na comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, onde deverá sofrer alterações.
Ainda antes da votação, durante o período de debate, a ministra da Justiça explicou que o regime em causa está em vigor há 10 anos e, apesar de representar um “reconhecimento justo”, já cumpriu a sua função.
“O dever de reparação histórica não pode, não deve nem pretende apagar os acontecimentos que o suscitaram. Sempre simbólico, destina-se a assinalar um reconhecimento que foi cumprido por meio de uma generosa janela temporal”, afirmou Catarina Sarmento e Castro, esclarecendo que a proposta do Governo não impede a concessão de nacionalidade portuguesa a descendentes de judeus sefarditas portugueses, mas aplica-lhes as regras gerais da Lei da Nacionalidade.
Segundo a ministra, cerca de 262 mil pessoas requereram a naturalização ao abrigo da norma até ao final do ano passado, tendo sido concedida a cerca de 75 mil pessoas. Entretanto, em setembro do ano passado entraram em vigor regras mais restritivas e, em apenas um ano, registaram-se mais de 74 mil pedidos.
Das bancadas parlamentares, todos partilharam reservas quando ao proposto, incluindo os partidos que acabaram por apoiar o projeto de lei.
Pelo PS, Pedro Delgado Alves reconheceu a necessidade de rever a norma para “garantir a fidedignidade da lei” e adiantou que os socialistas irão propor que, demonstrada a descendência de judeus sefarditas portugueses, bastem três anos de residência em Portugal e não os cinco previstos para as restantes situações.
“Na especialidade, façamos este esforço para encontrar uma solução equilibrada que resolve problemas e continua a ter Portugal na linha da frente de boas práticas de acolhimento e de reparação histórica”, defendeu o deputado.
Pedro Filipe Soares, do Bloco de Esquerda, afirmou que a aplicação da norma em discussão, apesar ter ficado “manchada por várias prevaricações e deturpações dos seus objetivos”, cumpriu um objetivo justo e está já “desadequado à realidade”. Ainda assim, defendeu um “período de transição correto”, justificando o voto favorável do partido com a “previsão de que o trabalho de especialidade possa acautelar alguns pormenores”.
Também Patrícia Gilvaz, da Iniciativa Liberal, argumentou que “eliminar com este regime a partir de 01 de janeiro de 2024 é acabar com a expectativa de milhares de descendentes de judeus sefarditas” e propôs adiar para 2025 a revogação.
Pelo Livre, Rui Tavares recordou os judeus sefarditas portugueses vítimas da Segunda Guerra Mundial e defendeu um regime que priorize a ligação a Portugal e à língua portuguesa “para podermos fazer essa reparação histórica sem abusos”.
Mais críticos foram o PSD e PCP, mas por diferentes motivos. Enquanto a comunista Alma Rivera argumentou que o atual regime se tornou num negócio e um “recurso para a obtenção abusiva da nacionalidade portuguesa”, não existindo “sentido para a sua existência”, Paula Cardoso, do PSD, afirmou que “acabar com estes abusos não passa com a revogação do regime”.
Também com uma iniciativa em discussão, o Chega, pela voz do deputado Pedro Pinto, criticou a Lei da Nacionalidade, considerando que, atualmente, “não é preciso saber falar a língua de Camões, saber a história de Portugal, o hino ou as cores da bandeira” e que “os imigrantes ilegais não têm de ser portugueses, mas sim regressar aos seus países”, declarações que, no final do debate, mereceram acusações de xenofobia por parte da socialista Alexandra Leitão.
O projeto do Chega foi chumbado com os votos contra das restantes bancadas, enquanto a iniciativa do PCP mereceu apenas o apoio do Bloco de Esquerda e de três deputados do PS, sendo insuficiente a abstenção do PS e da Iniciativa Liberal perante os votos contra do Chega, PSD, Livre e da deputada socialista Maria João Castro.
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