A primeira-ministra britânica, Liz Truss, demitiu Kwasi Kwarteng. A informação, adiantada pela BBC, foi confirmada pelo próprio, através de um tweet publicado na sua conta oficial, onde foi publicado um comunicado.

"Pediu-me para eu me demitir, e eu aceitei", lê-se na nota, onde insiste que a economia britânica precisa de reformas para crescer.

Consciente de que a situação no país era “incrivelmente difícil” devido ao aumento das taxas de juro e dos preços da energia, Kwarteng diz que acreditou na “visão de otimismo, crescimento e mudança” de Truss.

Apesar da demissão, Kwarteng promete apoiar Truss a partir da bancada parlamentar, sublinhando que os dois são "colegas e amigos há muitos anos".

A demissão iminente de Kwarteng foi tomando forma quando o agora ex-ministro encurtou uma visita aos Estados Unidos, regressando hoje a Londres.

A decisão de Truss advém de um conjunto de medidas financeiras anunciadas por Kwarteng, a 23 de setembro, que incluíam um pacote para congelar os preços da energia, mas também outras reduções de impostos, especialmente a abolição do escalão máximo de 45 por cento do imposto sobre os rendimentos dos contribuintes mais ricos.

Tais propostas tiveram um efeito adverso, resultando na desvalorização da libra e no aumento dos juros da dívida soberana do Reino Unido. A instabilidade no mercado obrigacionista a longo prazo levou à intervenção de emergência do Banco de Inglaterra para evitar o colapso de alguns fundos de pensões com grandes investimentos em títulos do Tesouro.

As pressões sobre Truss — primeira-ministra há pouco mais de um mês — para demitir Kwarteng foram aumentando, especialmente dentro do seu próprio partido. No início do mês, a chefe de Governo admitiu, numa entrevista à BBC, que Kwarteng não lhe deu a conhecer a medida antes da apresentação ao parlamento, sinal de que os dois não estavam sintonizados.

A saída do ministro das Finanças surge numa fase em que as críticas à primeira-ministra britânica estão a crescer no seio da sua maioria parlamentar. Alguns deputados conservadores já começaram a pedir a sua substituição.

Liz Truss é primeira-ministra desde 6 de outubro, cargo que ocupou depois de vencer as eleições internas do partido Conservador, sucedendo a Boris Johnson em Downing Street. Truss, ex-ministra dos Negócios Estrangeiros de Johnson, bateu Rishi Sunak, ex-ministro das Finanças no mesmo executivo.

O seu mandato, tido mais como necessário do que desejado, nunca foi consensual, surgindo de um partido altamente dividido.  O congresso do Partido Conservador, no início de outubro, foi marcado por tensões e dissidências. Os apelos à unidade, para não beneficiar a oposição trabalhista, tiveram pouco efeito.

Um "mini-orçamento" que se tornou num "maxi-problema"

O “mini-orçamento” de 23 de setembro destinava-se principalmente a financiar o congelamento dos preços da energia para famílias e empresas, que terá um custo de 60.000 milhões de libras (69.000 milhões de euros), que será suportado com mais dívida pública.

Porém, além da esperada reversão do aumento da contribuição para a Segurança Social, em vigor desde abril, e o cancelamento da subida prevista dos impostos sobre as empresas, Kwarteng anunciou, inesperadamente, a extinção, em 2023, do escalão superior de 45% dos impostos sobre os rendimentos de pessoas singulares, a descida de 20% para 19% no escalão mais baixo e um desconto imediato no imposto sobre a compra de habitação.

O custo da maior intervenção fiscal em décadas foi estimado em cerca de 45.000 milhões de libras (51.000 milhões de euros) e foi recebido com desconfiança pelos mercados financeiros, o que levou a uma desvalorização da libra, uma subida dos juros sobre a dívida britânica e incerteza no setor imobiliário.

O Banco de Inglaterra foi forçado a intervir no mercado obrigacionista, o que ajudou a estabilizar a libra e a dívida, mas o plano do governo britânico foi criticado pelo FMI, devido ao risco de agravar a inflação. Já a agência Standard and Poor's reduziu de estável para negativo o ‘rating’ do Reino Unido.

O Financial Times escreve esta manhã que Truss está prestes a abandonar algumas das medidas, “numa tentativa desesperada de reconstruir a confiança dos mercados” e garantir a sobrevivência no cargo que assumiu há 40 dias.

Já os jornais The Times e o Daily Mail fazem manchete com as conspirações dentro dos ’tories’ para derrubar Truss se esta não conseguir controlar a instabilidade económica e financeira registada nas últimas semanas.

Ainda antes da demissão de Kwarteng, o deputado Conservador e presidente da Comissão Parlamentar das Finanças, Mel Stride, que tem sido um dos críticos mais frontais do plano, admitiu que o regresso do ex-ministro dos EUA podia "muito bem significar que estamos prestes a ter uma inversão de marcha”.

"A minha opinião é que isso deve acontecer", reiterou, urgindo um anúncio o mais depressa possível, "nas próximas 48 horas", antes da apresentação do plano fiscal em 31 de outubro, para acalmar os mercados.

Uma das possibilidades que se tem falado é de um aumento do imposto sobre o rendimento das empresas, dos atuais 19%, que Kwarteng decidiu congelar, em vez de aumentar para 25% em 2023, como estava previsto.

“Chegámos a uma fase em que precisamos de um sinal forte para os mercados de que a credibilidade fiscal está de volta”, disse Stride.

Um mandado de apenas 38 dias

Kwareng é o segundo ministro a ter o mandato mais curto de sempre num executivo britânico — apenas ultrapassado por Iain Macleod, que morreu de ataque cardíaco 30 dias depois de assumir a sua pasta, em 1970.

Filho de imigrantes de Gana que chegaram ao Reino Unido nos anos 1960, Kwarteng, de 47 anos, foi apresentado por Truss para a pasta das Finanças, tendo a difícil missão de tirar o país da crise causada pela subida do custo de vida e pelo aumento dos preços da energia.

Considerado uma das figuras-chave na composição de executivo mais etnicamente diverso, Kwarteng, contudo, teve um percurso muito semelhante aos seus pares. Nascido em Londres, filho de pai economista e mãe advogada, conseguiu uma bolsa no colégio privado de Eton. Estudou em seguida em Cambridge e em Harvard, nos Estados Unidos.

Ultraliberal, trabalhou como analista financeiro antes de ser eleito deputado conservador em 2010. Desde 2021, no governo de Boris Johnson, era ministro das Empresas, Indústria e Energia e, como Truss, sua amiga de longa data, pautou-se por ser um liberal, defensor da redução de impostos.