“Arrependido não estou. É preciso desenvolver uma resignação e vontade de continuar”, conta à agência Lusa, realçando que não o assusta “a parte do trabalho com a terra”, que até lhe “tem agradado” e é uma “descoberta”.
O que é “mais difícil”, sublinha, é lidar com “a parte económica”, com os prejuízos devidos às “agruras” das condições meteorológicas, como tem sido o caso desde que, há dois anos e meio, se “lançou” neste novo desafio, numa herdade na zona de Vales Mortos, no concelho de Serpa, distrito de Beja, em pleno Parque Natural do Vale do Guadiana.
“Fizemos contas para ter um rendimento no fim da campanha e, hoje”, devido à seca, “prevemos ter um terço desse rendimento”, afirma, ciente também de que a ideia de que “a vida é muito calma” no Alentejo está errada.
Quando não se consegue “ter soluções à mão para resolver os problemas imediatos, pode ser muito stressante”, confessa, acrescentando: “Mas pronto, temos é que resistir”.
À sua volta, em fileiras dispostas pelo terreno, podem ver-se algumas das ervas aromáticas semeadas. E também os efeitos provocados pela seca.
A hortelã e o tomilho-limão são duas das que secaram nos canteiros, impossibilitando o corte, e o funcho ou a cidreira não cresceram quase nada. Já o açafrão, como “não precisa de muita água” e só desponta em novembro, é capaz de ainda vir a “vingar”.
Com dois furos na exploração e com as plantas que requerem mais água semeadas nas zonas baixas, para aproveitar “a escorrência natural” das chuvas do inverno, pensava estar acautelado.
A reduzida chuva dos invernos trocou-lhe “as voltas”. Quanto aos furos, um já secou e o produtor aproveita a água do que se mantém para os canteiros de perpétua-roxa, que se aguentam em produção, e para dar o mínimo de “beber” às outras plantas, para evitar que morram todas.
“Sou novo nestas coisas e vou ouvindo o que dizem as pessoas mais antigas. E o que eles dizem é que estes dois anos” têm sido “muito secos”, relata. Em 2016, deixou de “ter água para regar no fim de agosto”, ficando com “tudo sequinho”, e, este ano, “tem sido ainda pior”.
“Normalmente, com água, conseguimos tirar três cortes por ano, Este ano, fizemos um bom corte no fim da primavera e, como dá para ver, não vamos conseguir fazer mais”, diz.
Hugo é um dos exemplos de agricultores alentejanos “a braços” com as dificuldades causadas pela seca. Segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), em julho, quase 79% de Portugal continental encontrava-se em situação de seca severa e extrema, com a situação a agravar-se no interior do Alentejo.
“É o terceiro ano consecutivo de seca, estamos, neste momento, a atingir o limite das reservas de água, quer dos poços, quer dos furos, quer das charcas” e “algumas” já estão secas ou “muito em baixo”, alerta o presidente da Associação de Agricultores do Concelho de Serpa, José Damião Félix.
A situação afeta os produtores pecuários, que têm sempre que dar de beber ao gado, mas o “ponto crítico”, caso não chova, só é esperado no final de agosto ou em setembro, realça José Damião.
Para acautelar as próximas semanas, afirma, tem estado a ser preparado “um plano de contingência, pronto a arrancar no momento em que esse ponto crítico for atingido”.
Nesse âmbito, “interessa muito” uma das medidas da empresa gestora do Alqueva (EDIA) para auxílio aos “homens da terra”, no combate à seca, que passa por facilitar o acesso à água nas suas infraestruturas e reservatórios para o abeberamento do gado e rega de emergência de culturas.
“Quando houver um agricultor ou dois que digam ‘não tenho água’, ‘preciso de água’”, a associação quer ter “uma solução pronta a arrancar” para abastecer as explorações e “para que os agricultores não tenham prejuízos devido à falta de água”, afirma José Damião.
Por agora, os agricultores apoiam-se “nos seus vizinhos”, recorrendo aos que têm “mais reservas de água” para, “mediante o empréstimo de maquinaria ou o pagamento da bombagem”, conseguirem “colmatar as necessidades e evitar que falhe completamente a água para os animais”.
A algumas dezenas de quilómetros de Serpa, em Mértola, a seca faz-se, igualmente, sentir, não só na agricultura, mas, num concelho com muitas aldeias e lugares dispersos, abastecidos por furos, também no abastecimento público, como acontece nos anos com muito menos chuva.
Por enquanto, há só duas aldeias, Alcaria Ruiva e Penedos, abastecidas por autotanques dos bombeiros, que enchem os depósitos que levam a água às torneiras das casas dos habitantes.
“Durante a semana venho uma vez, por enquanto, mas deve ir aumentar”, indica à Lusa o bombeiro Manuel Revez, enquanto espera, sob o calor do meio da tarde, que o depósito de Alcaria Ruiva fique atestado, com os 12 mil litros de água que transportou até à aldeia.
O dono de um dos cafés locais, José Vitoriano Geraldo, refere que, apesar de não ser habitual faltar a água na aldeia, na noite anterior não se escaparam: “Telefonámos à entidade própria das águas, à câmara e eles disseram que iam recompor a água no depósito e que vinham cá os bombeiros”, o que se cumpriu: “Agora, não há falta de água”.
A culpa da situação é das “secas que são grandes” e da falta de chuva no inverno, opina José Geraldo, insistindo que não tem havido “crise de água” na terra, mas que, nas aldeias ciclicamente afetadas, os comércios, “muito fracos”, têm prejuízos: “Quando falta a água, não temos o café para tirar às pessoas que vêm aí ao meio-dia, portanto, há sempre custos”.
E, perante as alterações climáticas, que ditam o aumento das temperaturas, e com secas anteriores na memória, o bombeiro Manuel Revez já não espera grandes melhorias para o futuro: “Cada vez, parece que isto vai acontecer mais vezes e mais cedo” e, não tarda, “temos o deserto cá em Mértola”.
Comentários