A advogada, natural de Mansoa (60 quilómetros a leste de Bissau, capital da Guiné-Bissau, onde nasceu a 09 de outubro de 1971), é hoje doméstica, vive em Beirute e, por sorte, a mais de 10 quilómetros do porto da capital libanesa, onde se registaram as duas explosões que mataram pelo menos 113 pessoas e feriram cerca de 4.000.
“E há muitos desaparecidos. Muitos mesmo. Há um sem número de pessoas debaixo dos escombros, debaixo dos carros, mortas e ainda encarceradas. Há corpos [a boiar] no mar. É horrível. O ambiente é muito pesado. Há sangue nas ruas, há muitos mortos e parece um cenário de guerra. É incrível. O povo libanês está de luto. Há uma grande consternação e muita dor”, disse à agência Lusa Rita Dieb numa entrevista telefónica a partir de Lisboa.
As explosões apanharam-na numa loja próximo de casa, “a 10/15 quilómetros” do local das duas explosões e, depois da primeira, ainda pensou tratar-se de um tremor de terra. Só quando se deu a segunda é que percebeu que não podia ser um sismo. Ainda pensou num eventual ataque militar de Israel, mas só viria a começar a entender o que se passava quase uma hora depois.
“À medida que ia para casa [de carro] apercebi-me do que se estava a passar. Há uma imagem que não me sai da cabeça, que é a das diferentes expressões de profunda tristeza nas caras das pessoas com quem me cruzei no caminho de regresso a casa”, contou Rita Dieb, casada com um libanês, com quem tem dois filhos.
À família nada aconteceu. O prédio, conta porque os filhos, de 12 e 14 anos que se encontravam em casa com a avó, o relataram, abanou “fortemente” e as janelas não se partiram porque estavam abertas, mas nada o danificou.
Há 16 anos a viver em Beirute – saiu de Mansoa para Bissau após a independência da então novel Guiné-Bissau, em 1975, e foi viver para o Líbano, pois os pais têm ascendência libanesa -, Rita Dieb disse à Lusa que nunca assistiu a nada como o que aconteceu terça-feira.
“Quando chegámos ao Líbano, começou a guerra civil (1975/90). Refugiamo-nos em Portugal [onde estudou no Colégio de Santa Maria, em Torres Novas, e se formou em Direito pela Universidade Internacional de Lisboa] e regressámos ao Líbano em 2004”, indicou, lembrando que, logo a seguir, em fevereiro de 2005, aconteceu o atentado que vitimou o então primeiro-ministro libanês, Rafic Hariri.
“Nunca vi nada assim. Vivemos um momento trágico e negro, uma vez que não há perspetivas de futuro. Que país vamos deixar aos nossos filhos”, lamentou Rita Dieb, que lamenta também a pandemia de covid-19 – “aumentou muito o desemprego” -, a crise energética e económica – “estamos no limiar da bancarrota” - e a fome já visível em muitos cantos da cidade.
“[O Líbano] está a atravessar uma fase complicada, com a hiperinflação – de um dia para o outro, os preços triplicam -, a desvalorização da lira libanesa [80% em relação ao dólar desde o início do ano], a covid-19 veio agravar ainda mais a situação precária da população. Muitas empresas fecharam, o desemprego subiu bastante e a grande maioria da população está a viver abaixo do limiar da pobreza. E já há fome, muitos a passarem fome”, sustentou Rita Dieb, descendente de libaneses.
Apesar do cenário apocalíptico, Rita Dieb garante que não vai deixar o Líbano.
“Ir à procura de um país para viver? Qual? Sofro de uma ‘doença’ típica dos libaneses e que os guineenses também sofrem: pode ser o pior país do mundo, mas tem o melhor povo do mundo”, explicou.
As violentas explosões deverão ter tido origem em materiais explosivos confiscados e armazenados há vários anos no porto da capital libanesa.
O primeiro-ministro libanês, Hassan Diab, revelou que cerca de 2.750 toneladas de nitrato de amónio estavam armazenadas no depósito do porto de Beirute que explodiu.
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