O turismo em Portugal já não se faz apenas de sol e mar ou se esgota no trinómio Algarve, Madeira e Lisboa. "Hoje somos um país de imersão em costumes, de natureza, de história, religião ou nomadismo", com um turismo que "se diferencia pela inclusão, pela diversidade e pelo respeito pela sustentabilidade", diz Roberto Antunes, diretor executivo do NEST - Centro de inovação do turismo, muitas vezes descrito como o "braço tecnológico do Turismo de Portugal".

"Não se vai inventar aquilo que já é, na prática, a base do turismo em Portugal e que é reconhecido como muito especial, mesmo a nível internacional: as gentes, a cultura, a gastronomia, a paisagem, o tempo. Agora é projetar isso num turismo que abraça as diferenças, que tem ofertas para todos, que além de inclusivo é diversificado, que tem lugar todo o ano e que desenvolve o bem, isto é, que promove a cultura, reduz a pegada ambiental, promove a igualdade na distribuição do rendimento, contribui para a fauna e flora, gera renda capaz de permitir às pessoas melhores condições de vida. Um setor do bem para o bem", resume.

Para o gestor do NEST, cujo propósito é disseminar tecnologia e promover a digitalização ao longo da cadeia de valor, "o turismo é hoje uma indústria de narrativas e de quem consegue oferecer muitas narrativas. E Portugal destaca-se por ser um país de milhões de narrativas que se tornam momentos inesquecíveis. É esse o caminho que queremos fazer", aponta.

São estes os eixos de uma indústria que projeta o futuro saído de uma pandemia, perante a qual mostrou grande resiliência. "O setor demonstrou essa capacidade de reatar a atividade depois de um momento em que tinha sido obrigado a estar fechado, obviamente com sangue, suor e lágrimas, mas demonstrou agilidade. E durante esse período houve também bastante transformação ao nível da digitalização. Diria que, agora, o turismo, passado este período, tem outras competências, está fortalecido em algumas matérias: vimos os QR codes, os chatbots, uma série de experiências na perspetiva da desmaterialização de processos. E também vimos a capacidade de captar novos segmentos que se revelaram oportunidades para o turismo: o nomadismo, viajar e trabalhar ao mesmo tempo, a estadia prolongada", enumera.

O desafio passa agora por "pensar o futuro do turismo de frente para trás, fazer backcasting em vez de forecasting, ou seja, em vez de olhar para o passado para desenhar o futuro, imaginar para onde queremos ir. Essa a dinâmica que temos de impor", assente numa "cultura de inovação".

Essa cultura passa por "trabalhar com a noção de que o mundo agora gira mais rápido, de que a competitividade pode vir de qualquer outro setor que não o nosso. Temos bastantes exemplos de grandes empresas e de muitos negócios destronados após décadas de primazia por empresas novas, mais pequenas e mais rápidas".

"A partir do momento em que existe esse entendimento, tudo o resto virá: a capacitação das pessoas, o entendimento de que a digitalização é um investimento e não um custo, ter operações mais ágeis e estruturas mais horizontais, que promovem a participação dos trabalhadores, onde se estimula a procura pelo conhecimento e a noção de que estamos sempre a aprender", diz o diretor executivo do NEST.

Quando o questionamos sobre a capacidade que o setor terá de ter para captar e reter talento capaz de construir esta visão, Roberto Antunes fala de uma indústria "altamente emocional, em que se valoriza os espaço e as pessoas, o que, no final do dia, tem muito apelo. A razão de ser e pela qual eu produzo também vem muito de onde eu tenho a minha paixão — e o turismo tem um lado apaixonante, cativante, porque é de pessoas e para pessoas e pode produzir o bem".

No entanto, é também uma área cuja operação "foge um pouco às regras e ambições que as pessoas gostam de ter na vida: exige trabalhar nos fins de semana, feriados, às vezes natais, além dos horários estranhos".

Portanto, "é preciso criar condições muito apelativas, desde o pacote salarial a outros benefícios que a massa trabalhadora — agora cada vez mais  composta pelas gerações millennial e Z — valoriza. Isso implica pensar nos contratos de trabalho de forma diferente, endereçar a questão da agilidade, da possibilidade da pessoa viajar, fazer interregnos, ter acesso a redes sociais ou conteúdos, muito mais do que aquilo que no passado era cativante, como o carro da empresa ou uma tipologia de seguro". Já para reter o talento conquistado, é importante ter "uma perspetiva de como a pessoa pode evoluir dentro do próprio setor, e se tem oportunidades para fazer essa evolução, ganhar novas competências, subir dentro da profissão que escolheu".

É com o foco nas pessoas, na digitalização e na sustentabilidade que o NEST - Centro de Inovação do Turismo promove esta semana o evento "What's Next - Innovating Tourism", a ter lugar entre 16 e 18 de março, na 33ª edição da Bolsa de Turismo de Lisboa (BTL). Ao longo destes três dias, mais de 40 oradores sobem ao palco BTL Lab by NEST, para falar sobre biometria, sobre o impacto do 5G no setor, sobre turismo inclusivo, sobre financiamento, sobre como liderar a transformação na mobilidade e ou sobre sustentabilidade humana.

Entre 16 e 20 de março, cerca de 50 startups marcarão também presença no espaço promovido pelo NEST na BTL, onde poderão dar a conhecer as soluções que desenvolveram para o setor. Uma "montra" que pretende aproximar pequenas empresas de grande cariz tecnológico de operadores já instalados.

"Eu, enquanto empresa, não detenho em mim necessariamente todas as competências ou todos os recursos para o desenvolvimento do meu negócio. Eu posso recorrer a quem tem soluções ou conhecimento e posso fazer do meu negócio uma máquina montada as melhores peças que existem no mercado. Dar palco às startups na BTL é um convite a esta forma de pensar, assente numa cultura de inovação, numa cultura para o digital", diz Roberto Antunes.

Neste campo, a estratégia do NEST está "muito alinhada com a da União Europeia e com aquilo que se pode ver em economias como a dos EUA, em que há um peso cada vez maior no PIB de pequenas empresas de grande cariz tecnológico, que se conseguem desenvolver rápido, que têm grande capacidade de empregabilidade, que são capazes de gerar conhecimento que depois alavanca o setor. O que se pretende com a aproximação às startups é fazer com que estas contribuam para a gerar valor".

Em paralelo, o “What’s Next – Innovating Tourism” contempla ainda um conjunto de quatro sessões, a decorrer fora da BTL, que trazem a visão de líderes de outras áreas da sociedade e da economia para o turismo.

A primeira é já esta segunda-feira, a 14 de março, com Tiago Pitta e Cunha, CEO da Fundação Oceano Azul e Prémio Pessoa 2021, e João Wengorovius Meneses – Secretário-geral do Business Council for Sustainable Development, que tratam o tema da Sustentabilidade. O dia 15 será dedicado à Revolução Digital, com as intervenções de Inês Drummond Borges, CTO da Soane Sierra e António Câmara, Chairman da YGroup.  No dia 17, será a vez de Germano de Sousa, Médico, Professor e Gestor na área da saúde e Maria de Belém Roseira, ex-Ministra da Saúde, debaterem o impacto da saúde no turismo. O ciclo de sessões fecha, no dia 18 de março, com uma discussão sobre Ideias que mudam o mundo, a cargo de Juliet Kinsman, Travel & Eco Tips Condé Nast e Joana Vasconcelos, Artista Plástica.

Para Roberto Antunes, chamar líderes de outros setores é "uma oportunidade espetacular para ouvir outras visões sobre como o turismo pode ser bom. As economias mais modernas têm áreas de sobreposição, o que cria novas oportunidades de desenvolvimento. Podemos pensar em turismo e saúde, turismo e mobilidade, turismo e educação. É quando começamos a pensar criativamente nestes territórios que conseguimos imaginar o que pode vir a ser o turismo, encontrar essa visão que faz com que valha a pena contornar as dificuldades. Esse é o grande poder da transformação".