No segundo dia de debates a caminho das eleições do próximo dia 30, Rui Rio, líder do PSD, e o antigo social-democrata André Ventura, hoje líder do Chega, estiveram frente a frente para discutir que direita querem para o país. Rio acusou o Chega de ser um partido "instável", e com um programa com "coisas graves". Ventura diz que Rui Rio não tem de gostar dele para chegar a um acordo que permita ter nomes do Chega num governo que tire António Costa do poder.
Mas Rui Rio, que se abstém de dizer claramente que rejeita qualquer negociação com Ventura, reconhece que "se o eleitorado der ao Chega uma votação muito expressiva, está a dificultar a saída de António Costa" — afinal, "o Chega diz que precisa de ministros [para viabilizar um eventual governo social-democrata]. Há divergências de fundo entre o PSD e o Chega que não permitem isso."
O líder do PSD acusou André Ventura de ser “contra o regime” e de “não ter mão” no Chega, que classificou como um partido “instável”, citando o exemplo do acordo nos Açores, que já esteve em risco.
André Ventura foi buscar os mesmos argumentos que usou nas últimas legislativas, presidenciais e autárquicas (incluindo os comentários sobre a comunidade cigana, que em 2017 iniciaram a sua vida nas capas dos jornais, quando se candidatou a Loures, apoiado pelo PSD de Pedro Passos Coelho).
Rui Rio procurou desmontar as tiradas de Ventura, mas perante a inundação com que se deparou, faltou-lhe tempo para ir além de dizer que não tinha tempo: “Mete a G3 e dispara tudo de rajada…”, desabafou Rio, que quer manter o eleitorado do PSD “para não fugir para o Chega”. “Se o eleitorado votar muito no Chega e menos no CDS e no PSD, obviamente que está a dificultar imenso a saída de António Costa. Se fizer um voto razoável, útil e óbvio no PSD, está a facilitar-nos substituir António Costa”, rematou Rio.
O rescaldo de 30 de janeiro
- Rui Rio: “Se o Chega tiver uma votação muito elevada vai dificultar o PSD ser governo. O Chega já disse que só apoiará o PSD se fizer uma coligação, se tiver quatro ou cinco ministérios. Isso não pode ser. Há divergências de fundo com o Chega que não permitem isso. Não quero ir para o poder a qualquer preço.”
- Rui Rio: "Se o eleitorado der ao Chega uma votação muito expressiva, está a dificultar a saída de António Costa."
- André Ventura: "O ónus tem de ficar do lado de Rui Rio — foi ele que disse que se depender do Chega não governa."
- Rui Rio: "Para lá das questões ideológicas, o Chega é um partido instável."
- André Ventura: "O doutor Rui Rio não tem de gostar de mim."
- Questionado se prefere entregar o poder ao PS a fazer um entendimento com o Chega, Rio contrapôs com um desafio a André Ventura: “Se o PSD apresentar um programa de Governo na Assembleia da República — não é votado, mas podem meter uma moção de censura — aí naturalmente o dr. André Ventura tem de decidir se quer chumbar o Governo do PSD e abrir portas à esquerda”, afirmou.
- Confrontado com esta questão, o líder do Chega reiterou as suas condições para essa viabilização: “O Chega só aceita um Governo de direita em que possa fazer transformações e isso implica presença no Governo”, disse.
- Ainda assim, André Ventura reiterou que “tudo fará” para afastar António Costa do poder e manifestou-se disponível para o diálogo com Rui Rio no pós-eleições: “Ninguém vota no Chega para ser muleta do PSD, para nós é preciso conversar para haver um Governo que afaste António Costa, o Chega está disponível para conversar no pós 30 de janeiro”, assegurou.
Que direita?
- Ventura desafiou, por várias vezes ao longo do debate, Rio a dizer em que matérias é que o Chega seria tão radical e distante do PSD, dando exemplos em áreas como a redução de deputados, a “subsidiodependência” ou até a prisão perpétua, que o partido defende para certo tipo de crimes.
- Neste último ponto, Rui Rio fez questão de separar os vários regimes de prisão perpétua que existem — citando o exemplo da Alemanha, onde que este tipo de pena é revisto ao fim de 15 anos sob forma de liberdade condicional — e afastando-se daqueles em que alguém pode ser preso por toda a vida: “Se estamos a falar na prisão perpétua ponto final paragrafo, isso nós somos contra”, disse.
- Rui Rio: "Tive o cuidado de ver o programa do Chega e há aqui coisas graves. O Chega assume-se contra o regime — reconheço que o regime precisa de um 'abanão', precisa de reformas, mas tem de ser um regime democrático."
- Apesar de em 2015 André Ventura ser precisamente uma figura do PSD, o agora líder do Chega quis ainda perguntar a Rui Rio se um novo governo social-democrata iria voltar a cortar as reformas dos mais velhos — Rui Rio disse que não.
- André Ventura: “O dr. Rui Rio diz que o Chega tem de se moderar, eu queria perguntar em quê (…) Olho para o que defendemos nos últimos tempos e não vejo nada que choque assim tanto”, afirmou, pondo várias matérias em cima da mesa.
- No debate, Rio leu ainda algumas passagens do programa do Chega para se demarcar deste partido, dizendo que se até admite que “o regime precisa de um abanão”, não defende “um outro regime”, justificando a impossibilidade de uma coligação governamental entre os dois partidos. Por seu lado, Ventura acusou Rio de “abdicar de governar se tal depender do Chega”, preferindo estar ao lado de António Costa.
O que os une (e separa)
- Rui Rio: “A negociação não pode chegar nunca a uma situação em que haja ministros do Chega, a uma coligação ou uma situação em que violentamos os nossos princípios”, frisou.
- Um dos temas foi o dos apoios sociais. Sobre o isso, o líder do PSD admitiu que “há fenómenos” subsidiodependência, mas afirmou-se “totalmente contra o corte” de apoios — “sem eles 43% da população portuguesa era pobre” —, salientando que o que defende é uma “moralização”. “Não quero cortar nenhum, quero fiscalizar porque há pessoas que se acomodam no subsídio de desemprego, no Rendimento Social de Inserção, e depois têm ofertas de emprego e não aceitam e mantêm-se nessa vida. Isso é que temos de fiscalizar porque os subsídios não são para essas pessoas, são para quem precisa”, afirmou Rio, numa frase que mereceu a concordância do líder do Chega.
- O líder do Chega criticou ainda Rio por ter viabilizado o Orçamento Suplementar de 2020, dizendo que este continha “o dobro” do dinheiro para a TAP do que destinava ao Serviço Nacional de Saúde, mas o presidente do PSD disse que voltaria a fazer o mesmo “em nome do interesse nacional”, já que no essencial esse documento continha verbas para o combate à pandemia de covid-19.
Conclusão
O sapo: André Ventura
O líder do Chega socorreu-se dos argumentos de que mais gosta: fala nos supostos automóveis Mercedes estacionados à porta dos beneficiários de apoios sociais; da necessidade de os membros da comunidade cigana cumprirem o "estado de direito"; acena com a castração química dos pedófilos e a prisão perpétua dos homicidas.
Esquecendo-se de que em 2015 fazia parte do partido de Rui Rio, Ventura atacou o agora líder do PSD se retomaria os cortes do governo de Pedro Passos Coelhos às pensões dos mais velhos.
André Ventura é hábil no debate — mas Rui Rio conseguiu desarmá-lo, mostrando que, sim, os temas de que o Chega fala são relevantes, mas as soluções apresentadas pelo partido não parecem caber no "regime democrático" que o social-democrata defende.
E o escorpião: Rui Rio
Não afastando de forma inequívoca que não se senta à mesa com André Ventura para conseguir ser governo, o líder do PSD traçou várias linhas na areia entre aquilo que defende e a perspetiva do Chega. Rui Rio concorda que alguns dos temas de que o Chega fala são legítimos — os subsídios, a justiça, até a redução de deputados na Assembleia da República —, mas nunca da forma defendida por Ventura.
No caso das mexidas no sistema político, Rui Rio até pergunta a Ventura: "Acha que a Assembleia da República funcionaria com 100 deputados? Alguns achariam um sossego porque o senhor jamais seria deputado".
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