Existe, na rede social Facebook, um grupo com pessoas do país inteiro com vontade de sair. Entre teóricos das conspirações supranacionais e do reordenamento dos poderes interplanetários e o reiki para animais, surgem dúvidas legítimas sobre a forma como o isolamento tem sido feito.

São expostas incongruências, problemas e outras questões da forma como fechar tudo afeta quem se depara com tudo fechado — tudo isto a par de uma resistência internacional ao uso de máscaras (se vir alguém com um cardinal desenhado na “mascarilha”, como lhe chamam, está diante de um membro da força).

Hoje, por fim, o governo anunciou que vai ser possível voltar a sair. Sair no sentido de ir para um estabelecimento noturno, normalmente dedicado à dança, consumo de bebidas (alcoólicas ou não) e convívio. Todavia, como mãe extremosa, o Conselho de Ministros definiu uma hora para ir para a cama: podes sair, mas vens para casa à 1:00 (quem estiver na Área Metropolitana de Lisboa tem azar: tem de voltar às 20:00).

Na verdade, a reabertura de hoje é, em si, uma reabertura diferente. Não são as discotecas e danceterias que retomam a sôfrega atividade de agitação corpos, copos e respetivos conteúdos. Pelo contrário: trata-se de uma remodelação — eles podem abrir, mas transfigurados.

Um bar, uma discoteca pode abrir — mas para ser um café, uma pastelaria. Permanecem encerrados os bares, outros estabelecimentos de bebidas sem espetáculos e os estabelecimentos de bebidas com espaço de dança, mas passam a poder funcionar como cafés ou pastelarias, sem necessidade de alteração da respetiva classificação de atividade económica, se cumpridas as regras da Direção-Geral da Saúde e os espaços destinados a dança permaneçam inutilizáveis para o efeito.

Isto já existia. Havia estabelecimentos a mudar as atividades económicas para poder abrir sendo outra coisa. Agora, escusam de alterar os papéis: abrem e são o que não foram.

Resumindo, a generalidade do país permanece em estado de alerta. Continua o confinamento obrigatório domiciliário ou hospitalar para as pessoas infetadas com covid-19 ou sujeitas a vigilância ativa; mantêm-se as regras de distanciamento físico, uso de máscara, lotação, horários e higienização; os ajuntamentos continuam limitados a 20 pessoas; mantém-se a proibição de consumo de álcool na via pública.

Mantêm-se também as regras de funcionamento dos restaurantes, mas alarga-se até à meia-noite a possibilidade de acesso ao público para novas admissões e determina-se o encerramento dos estabelecimentos à 1:00.

Quanto a reaberturas, regressam as grutas nacionais, regionais e municipais, públicas ou privadas; abrem as atividades desportivas que ainda estavam encerradas e definem-se regras específicas para as atividades físicas e desportivas (a prática de atividade física e desportiva, em contexto de treino e em contexto competitivo, pode ser realizada sem público).

Na Área Metropolitana de Lisboa, que engloba 18 municípios da Grande Lisboa e da Península de Setúbal, designadamente Alcochete, Almada, Amadora, Barreiro, Cascais, Lisboa, Loures, Mafra, Moita, Montijo, Odivelas, Oeiras, Palmela, Seixal, Sesimbra, Setúbal, Sintra e Vila Franca de Xira, mantêm-se as preocupações. Este território permanece em estado de contingência e com medidas mais restritivas de confinamento: os ajuntamentos estão limitados a dez pessoas; há uma proibição de consumo de bebidas alcoólicas em espaços ao ar livre e de venda de bebidas alcoólicas em áreas de serviço e postos de combustíveis.

A generalidade dos estabelecimentos comerciais encerram às 20:00. Hipermercados e supermercados podem permanecer abertos até 22:00, mas não podem vender bebidas alcoólicas depois das 20:00.

Já os restaurantes podem funcionar além das 20:00 para refeições no local (tanto no interior dos estabelecimentos, como nas esplanadas licenciadas), em serviço de ‘take-away’ ou entrega ao domicílio.

Não é imposta hora de fecho para os serviços de abastecimento de combustível (podem funcionar 24 horas por dia exclusivamente para venda de combustíveis), farmácias, funerárias, equipamentos desportivos, clínicas, consultórios e veterinários.

É isto sair de casa? Certamente não é a saída que todos querem. Há quem preferisse reabrir mais devagar; quem escolhesse acelerar os processos. É o ritmo que nos dão, com um país a somar casos — e mortes — diariamente. Uns dias com mais, outros com menos. À volta do mundo, há países onde morrem mais de mil pessoas por dia. Mesmo ao lado de Portugal, somam-se perto e para lá dos milhares de novos casos.

Esta doença mata. E, quando não mata, deixa mazelas ainda não totalmente conhecidas. A geografia da doença em Portugal decalca a da pobreza no país. Que justiça há em pedir que outros sofram por não dar jeito a matiné?