“Precisávamos de ter mais coragem”, disse António Sampaio da Nóvoa à Lusa, a propósito do doutoramento ‘honoris causa’ que hoje recebe da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com a qual esteve seis meses a colaborar numa missão académica dedicada a rever o regime de formação de professores, trabalho concluído no início de novembro.
Salientando a necessidade de “demarcar diferenças nos projetos”, dado não ser igual ter uma universidade em Lisboa ou no Porto ou em Vila Real ou Algarve, o ex-reitor da ULisboa defendeu que devia haver “muito mais colaboração” entre as instituições de ensino superior portuguesas.
“Portugal não tem universidades a mais, mas tem universidades demasiadamente iguais, que não têm uma marca identitária, que colaboram mal umas com as outras, que de vez em quando assinam uns convénios, que de vez em quando assinam uns consórcios, mas que verdadeiramente têm grande dificuldade numa maior integração e maior colaboração. Julgo que é um caminho muito importante, em relação ao qual as universidades portuguesas têm que evoluir mais”, disse.
No discurso de aceitação do título ‘doutor honoris causa’ que fará na cerimónia desta tarde na universidade do Rio de Janeiro, Sampaio da Nóvoa vai aproveitar o momento, e a presença do reitor da ULisboa, António Cruz Serra, para defender uma união entre as duas instituições, que possa servir de ponto de partida e incentivo para outras uniões, falando na “necessidade de criar um espaço académico luso-brasileiro, muito mais integrado do que tem sido até agora” e que seja “central na mobilidade” de estudantes, diplomados, professores e cientistas, mas não só.
“Deve ser central também para a afirmação da língua portuguesa enquanto língua de ciência no mundo. Não podemos deixar esse papel apenas para o inglês, por muito importante que o inglês seja, e a afirmação do português na comunicação científica é central num tempo em que o desenvolvimento e futuro dos países se vai definir pelo conhecimento, pela ciência e pela tecnologia”, disse.
Sampaio da Nóvoa defende ainda que esta união deve ser um instrumento de combate às “infindáveis instâncias” burocráticas, que levam “meses e anos a validar um diploma”, uma competência que considera essencial para as universidades, e que até admite que possa ser aplicada num contexto mais generalizado, como do Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), ainda que tenha dúvidas sobre a eficácia.
“O problema dos âmbitos mais generalizados é que eles acabam muitas vezes por se confrontar com a autonomia das universidades. Se puder ser feito à escala da CPLP, ótimo, mas não podemos ficar todos à espera uns dos outros”, disse.
A colaboração entre instituições, acrescentou Sampaio da Nóvoa, passará necessariamente por áreas de conhecimento prementes para o futuro da sociedade, como a saúde, ou outras de ciência, “valor central das sociedades do século XXI, que tem estado em risco em muitas intervenções”, como as do presidente dos EUA, Donald Trump, que nega o conhecimento científico produzido em torno das alterações climáticas.
“É um valor que não podemos perder. A ciência tem que ser ciência pública, no sentido em que tem que estar na sociedade, não pode estar apenas em laboratórios especializados e nesse sentido reforçarei que a responsabilidade da universidade pela ciência tem que ser também pela cultura científica. A elevação da cultura científica é hoje uma questão decisiva para o nosso futuro”, disse.
O antigo reitor destacou ainda o papel importante que o Brasil pode desempenhar no caminho de internacionalização que as universidades portuguesas têm trilhado, referindo que naquele país 80% dos alunos do ensino superior estudam em instituições privadas, “que, salvo honrosas exceções, são de muito má qualidade onde se pagam mensalidades muito caras”.
“Nestes muitos milhões de estudantes, muitos deles, se tiverem condições e acolhimento necessário, podem ir estudar para Portugal”, afirmou.
No discurso de hoje, Sampaio da Nóvoa diz que marcará uma “dimensão pessoal”, sublinhando a importância do Brasil na sua vida, onde foi pela primeira vez em 1994 a um congresso e de onde nunca mais saiu: “Já não consigo imaginar a minha vida sem o que o Brasil fez de mim”.
Os seis meses de trabalho na UFRJ resultaram num novo modelo de formação de professores, mais ligado ao município e ao Estado do Rio de Janeiro, que foi, entretanto, aprovado pelas entidades competentes.
A missão académica tem como desfecho o doutoramento ‘honoris causa’, que “apanhou de surpresa’ o antigo reitor.
“Não estava à espera, porque a UFRJ é muito criteriosa na atribuição dos graus doutor honoris causa e o facto de ele ter sido atribuído por unanimidade é uma distinção que obviamente me honra muito”, disse.
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